"Ele sempre levantou a voz dele em favor da Amazônia, mesmo sendo um seringueiro lá de dentro das matas", lembra Angela Mendes, filha do líder extrativista Chico Mendes, que completaria 76 anos nessa terça-feira (15).
Em entrevista ao Brasil de Fato, ela falou sobre a manutenção do legado do ambientalista e destacou como a união entre organizações tem fortalecido a luta por preservação das florestas e dos povos tradicionais, nos moldes do aprendizado que o pai teve na luta pela preservação da Amazônia.
"Ele foi alfabetizado por um guerrilheiro, por alguém que não só alfabetizou ele, mas também ensinou os primeiros movimentos da organização dos trabalhadores. Falou da importância da mobilização, da organização, de estarem unidos. Isso foi muito importante para ele", ressalta
No dia em que Chico Mendes completaria 76 anos, teve início no Acre, a 31ª edição da Semana Chico Mendes, evento de celebração e resistência para debater questões ambientais e o direito ao território no país.
O evento terá debates, palestras, discussões, homenagens e shows. Tudo será transmitido pelo Facebook do Comitê Chico Mendes, coordenado por Angela Mendes.
As atividades seguem até 22 de dezembro, mesmo dia em que ele foi assassinado, em 1988, exatamente uma semana depois de ter completado 44 anos. Mendes foi assassinado por grileiros da região, na porta de sua casa em Xapuri (AC).
Veja a entrevista:
Brasil de Fato: Quais são os objetivos da semana Chico Mendes?
Angela Mendes: A Semana Chico Mendes já acontece há 31 anos. A primeira aconteceu em 1989, um ano após o assassinato do meu pai. É organizada pelo Comitê Chico Mendes, o qual eu coordeno, de 15 a 22 de dezembro, que vem a ser, respectivamente, a data de nascimento dele até a data de seu assassinato.
A gente desenvolve uma série de atividades que têm como foco trazer o debate sobre as questões ambientais e o direito aos territórios, que é justamente o legado do Chico, tudo aquilo pelo qual ele lutou e pelo qual ele foi assassinado.
A partir do ano passado, nós, junto com outras organizações da sociedade civil locais, criamos o Prêmio Chico Mendes de Resistência. Esse prêmio agracia aquelas pessoas e organizações que, ao longo da sua trajetória, também preservam os ideais do Chico. Dia 15, então, a gente abre com a entrega do prêmio Chico Mendes.
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O prêmio é dividido em quatro categorias: Liderança Jovem, que o ganhador foi o Jurivan, um morador da reserva extrativista Chico Mendes, um jovem batalhador, lutador; temos a categoria Institucional, que a ganhadora foi a Apib, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, por todo o trabalho que eles vêm desempenhando em defesa das populações indígenas; temos também, na categoria Institucional, não poderia deixar de ser, o Raoni; e a última categoria é Destaque Povos Originários e Comunidades Tradicionais, que a vencedora foi a Comunidade Alto Santo.
Em seguida, temos o Seringau Cultural. Aí, do dia 16 ao dia 20, os painéis. No dia 21, teremos a exibição do documentário Povos da Floresta, do diretor Rafael Calil, e no dia 22 a gente encerra com o Legado de Luz, que é o momento que a gente reúne os companheiros e companheiras para prestarmos uma homenagem. É uma semana bem repleta, de muito debate, muitas reflexões.
Em janeiro, foi lançada a Aliança dos Povos da Floresta, um evento que reuniu diferentes lideranças indígenas, como o cacique Raoni e Sônia Guajajara, e você foi uma das responsáveis por essa iniciativa. Você pode falar um pouco de como foram os primeiros dez meses dessa aliança? De que maneira impactou?
A Aliança dos Povos da Floresta foi uma estratégia pensada na década de 1980 e idealizada pelo meu pai, liderada por ele. Consistia em uma grande união entre seringueiros, extrativistas e ribeirinhos. Naquela época, década de 1980, as ameaças também eram comuns a essa população – fazendeiros, grileiros, pecuaristas, madeireiros eram os principais ameaçadores.
Então, há a necessidade de novas alianças, tanto quanto a aliança que foi feita no passado. A gente discutiu muito isso na Semana Chico Mendes 2019, que trouxe como tema “A aliança dos povos das florestas, uma jornada de lutas em defesa dos territórios”.
Foi lá que discutimos a retomada dessa aliança. Por conta disso, nós fomos convidados pelo Raoni para estarmos em um grande encontro de lideranças e levar essas propostas em um nível mais macro.
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Nós tínhamos uma série de ações, de planejamento previsto para este ano. Mas, infelizmente, nossas ações foram prejudicadas pela pandemia. Desde o início, nossas lideranças todas estão cuidando dos seus.
Com extrativistas e indígenas, está bem complicada a comunicação, porque as pessoas não estão tendo muita cabeça que não se protegerem, tentarem de alguma forma conseguir viver neste período, considerando que o governo federal não consegue, sob hipótese alguma, inserir, apoiar, destinar políticas públicas para atender a essa população. Você deve imaginar que a gente não conseguiu avançar muito.
Para não dizer que não avançamos, nós estivemos juntos em várias atividades. Criamos uma campanha para ajudar a minimizar os impactos da covid-19 tanto em terras indígenas quanto em reservas extrativistas. Nós construímos e aderimos a vários manifestos dos povos indígenas, estivemos juntos em todas as decisões e documentos.
Para o ano que vem, a gente pretende ir para as bases, trabalhar com as bases, sobre a aliança. Não é algo muito simples. Você precisa fazer isso com planejamento, com uma boa equipe, um bom trabalho. Temos muita coisa para fazer ainda. A gente vem somando esforços e estamos juntos nas lutas.
Existe uma frase famosa que circula como de autoria de Chico Mendes, que diz que ele acreditava que, a princípio, a luta dele era pelos seringueiros, depois ele percebeu que era pela Amazônia e, por fim, percebeu que era pela humanidade. Dá para dizer que ele foi a primeira liderança a provar a necessidade de universalizar a luta pela Amazônia?
Não sei se ele foi a primeira pessoa, mas ele foi a pessoa que, acreditando nisso, fez toda uma revolução no Acre, no Brasil e no mundo. Hoje, ele é o patrono do meio ambiente brasileiro além de ser considerado um herói brasileiro. Mas não só isso. Transformou o Acre em uma referência, a partir de um projeto que o governo do estado adotou, se referenciou muito pela construção que Chico fez aqui.
O Brasil virou uma grande referência de iniciativas ambientais também. E outras companheiras também entenderam a importância da floresta. Meu pai foi uma pessoa que ganhou o mundo porque é impensável que o seringueiro, de dentro das matas, tivesse aquela ousadia, aquele pensamento tão à frente do seu tempo.
Ele levantou a voz dele para o mundo por isso: porque era a realidade dele, era a vida dele
Quando ele era vereador em Xapuri, na década de 70, ele já falava da importância da floresta para o mundo. Inclusive, tem os discursos dele gravado. Ele era presidente da Câmara e foi destituído por isso, porque falava muito a favor da floresta.
Ele sempre levantou a voz dele em favor da Amazônia, mesmo sendo um seringueiro lá de dentro das matas. Ele foi alfabetizado por um guerrilheiro, por alguém que não só alfabetizou ele, mas também ensinou os primeiros movimentos da organização dos trabalhadores. Falou da importância da mobilização, da organização, de estarem unidos. Isso foi muito importante para ele.
Quem pensaria que isso aconteceria? Ele levantou a voz dele para o mundo por isso: porque era a realidade dele, era a vida dele. Muita gente podia falar sobre a Amazônia, sobre a floresta, mas sem o conhecimento que ele tinha na sua própria vivência.
Quando a gente fala do legado dele, a gente fala das reservas extrativistas, a gente fala do projeto seringueiro, a gente fala da aliança dos povos da floresta, a gente fala dos empates, um movimento de resistência pacífica que ele e Wilson Pinheiro, outra grande liderança do interior do Acre, criaram.
Chico veio ao mundo com uma missão muito específica e, por isso, tudo o que aconteceu ao seu redor tinha que acontecer.
Edição: Leandro Melito