A prisão preventiva do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), na manhã desta terça-feira (22), por um suposto “QG da Propina” na prefeitura é ilegal e tem “um claro pendor midiático”, de acordo com o professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Rogério Dultra dos Santos.
Para decretar a prisão preventiva são necessários dois requisitos: estar demonstrada a autoria do crime por parte dos presos e existir elementos que coloquem o processo em risco, como a possibilidade de destruição de provas.
Segundo Ricardo Ribeiro Martins, subprocurador-geral do MPRJ, Crivella entregou à Justiça um celular que não era seu, quando os investigadores solicitaram seu próprio equipamento eletrônico. “Uma coisa é não querer entregar, isso faz parte. Outra coisa é entregar um celular que não é seu”, afirmou Martins, classificando o ato como uma espécie de tentativa de obstrução, em coletiva de imprensa.
Para Santos, no entanto, o processo não está ameaçado. “Também não existe a possibilidade desse preso se evadir. É um sujeito conhecido publicamente, tem residência fixa, é um homem público.”
Trata-se, nas suas palavras, da utilização do Poder Judiciário como um instrumento político, “completamente fora dos critérios objetivos para decretação da prisão e certamente uma prisão sem a devida fundamentação".
"Para tirar a liberdade de uma pessoa, é preciso que se explicite com muita clareza quais são as provas e o que essa pessoa pode causar de mal ao andamento do processo para justificar uma prisão processual”, explica o professor.
Você também pode se interessar: Lawfare latino-americana: a Operação Condor do século 21
Além de Crivella, também foram presos seu ex-tesoureiro de campanha, Mauro Macedo, os empresários Rafael Alves, Adenor Gonçalves dos Santos e Cristiano Stockler Campos, e o delegado aposentado Fernando Moraes.
A ordem de prisão foi dada pela desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, no âmbito da Operação Hades, e cumprida pela Coordenadoria de Investigação de Agentes com Foro (CIAF) da Polícia Civil e pelo Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria-Geral de Justiça (Gaocrim), do MPRJ.
Após a prisão preventiva, os presos serão ouvidos ainda nesta terça-feira por uma audiência de custódia liderada pela própria desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, o que causou estranheza no meio jurídico, uma vez que nesta etapa são avaliadas as condições das prisões a fim de encontrar supostas ilegalidades.
"QG da Propina"
A investigação teve início em dezembro de 2019, com a delação do doleiro Sergio Mizrahy, no âmbito da Operação Câmbio, Desligo – pela qual foi preso –, na qual confessou ser responsável por lavagem de dinheiro para uma organização criminosa existente dentro da prefeitura carioca, em um escritório conhecido como “QG da Propina”.
Segundo Mizrahy, o chefe de tal organização seria o empresário Rafael Alves, que receberia dinheiro para intermediar contratos com a RioTur, a empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro.
Por meio de mensagens interceptadas pela investigação, Alves teria afirmado que possui “caneta” dentro da Prefeitura do Rio, sugerindo que possui poder de influência sobre as decisões tomadas pelo Executivo. Para os investigadores, a partir dessa influência, desenvolveu-se o esquema de propina, que teria gerado um desvio de R$ 50 milhões dos cofres públicos, segundo Ricardo Ribeiro Martins, subprocurador-geral do MPRJ.
Fica muito patente uma relação de ilações e de indícios que se transformam em afirmações
Para Santos, no entanto, a narrativa utilizada na decisão pelo Poder Judiciário se baseia apenas em uma delação, e foi usada erroneamente como prova. Em suas palavras, “fica muito patente uma relação de ilações e de indícios que se transformam em afirmações”.
“A gente tem que ficar completamente consciente de que esse procedimento é ilegal, inconstitucional. Trata-se de uma prisão temporária sem o fundamento da imediaticidade, que é fundamento da ameaça do réu ou suspeito ao andamento do processo”, afirma o professor da UFF.
"Muito ilegal"
Na mesma linha, o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto de Defesa ao Direito de Defesa (IDDD), afirmou que a decisão da desembargadora se parece mais como a antecipação de uma condenação, “provavelmente justa”, não cabendo a uma decisão de prisão preventiva. “A prisão do Crivella é ilegal. Muito ilegal”, afirmou em sua página no Twitter.
A lei vale inclusive para quem a gente não gosta.
— Augusto de Arruda Botelho (@augustodeAB) December 22, 2020
Dito isso, a prisão do Crivella é ilegal. Muito ilegal.
O despacho que a decretou é a antecipação de uma condenação (provavelmente justa) e não uma decisão de prisão preventiva.
No fio os principais pontos:
Até mesmo parlamentares que fazem oposição à Crivella se manifestaram contrariamente à prisão preventiva.
O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) afirmou em suas redes sociais que “com o atual sistema de Justiça, não comemoro prisão nem dos meus inimigos"
Com o atual sistema de justiça, não comemoro prisão nem dos meus inimigos. A celebrada de hoje é a legitimada de amanhã. Se fosse a prisão e exílio decididos pelo povo de Bacurau seriam outros quinhentos. Superado o Estado policial conduzido pelo capital posso pensar em aplausos.
— Glauber Braga (@Glauber_Braga) December 22, 2020
Em nota, a Executiva Nacional do Republicanos afirmou que "aguarda detalhes e os desdobramentos da prisão", "acredita na idoneidade de Crivella e vê com grande preocupação a judicialização da política".
Edição: Rodrigo Chagas