Ataques

Artigo | Presidente da Colômbia mostra desdém pela democracia e pelos venezuelanos

O colombiano Iván Duque busca liderar ações contra o país vizinho, desde bloquear acesso aéreo até não vacinar migrantes

Tradução: Vivian Fernandes

Globetrotter* |
Iván Duque assumiu a presidência da Colômbia em agosto de 2018 - Presidência da Colômbia

No dia 8 de dezembro, um voo da Conviasa (empresa aérea estatal venezuelana) se preparou para decolar de Caracas, na Venezuela, com destino à Cidade do México. O plano era transportar 200 observadores eleitorais e jornalistas de diversos países que estavam na Venezuela para monitorar as eleições para a Assembleia Nacional, realizadas em 6 de dezembro. O avião estava na pista, com a bagagem a bordo e os passageiros prontos para embarcar - em ponto, o atraso começou. As horas se passaram. A companhia aérea já havia apresentado um plano de vôo, que incluía o uso do espaço aéreo colombiano; então, horas antes da decolagem do vôo, o governo da Colômbia negou à aeronave o direito de trânsito (conforme estabelecido pela Convenção de Chicago de 1944, à qual a Colômbia aderiu em 1947). O avião decolou, por fim, mas teve que pousar na fronteira da Colômbia com a Venezuela, em Maracaibo, para reabastecer. A tensão percorreu a aeronave (um de nós, Vijay, estava naquele avião).

Em Caracas, outro de nós - Zoe - estava em uma coletiva de imprensa do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, sobre o resultado das eleições para a Assembleia Nacional. Zoe perguntou a Maduro sobre o avião que então pousava em Maracaibo. “São coisas que acontecem por causa da obsessão doentia que Iván Duque tem pela Venezuela”, disse Maduro sobre seu homólogo colombiano, o presidente Iván Duque. Maduro disse que Duque “odeia a Venezuela. (…) Iván Duque quer uma guerra contra a Venezuela, mas ele não foi capaz de conseguir isso”.  “Dezenas de aviões colombianos sobrevoam a Venezuela todos os dias, e eu não vou pessoalmente, como presidente, parar um avião”, disse Maduro. “Isso mostra o quão longe vai sua obsessão. Você vê como isso é perigoso?” Pouco depois de Maduro fazer essa declaração, chegou a notícia de Bogotá de que o voo da Conviasa poderia decolar, e o avião - com Vijay a bordo - fez sua viagem para a Cidade do México.

:: Leia mais: Com maioria chavista, confira como ficou a Assembleia Nacional da Venezuela ::

Perigos na Colômbia

Iván Duque assumiu como missão pintar a Venezuela como um país antidemocrático. Parece que não passa um dia sem que faça alguma declaração sobre a situação na Venezuela. Maduro caracterizou isso como uma “obsessão fatal”. Enquanto isso, Maduro destacou, na coletiva de imprensa, que líderes de movimentos sociais na Colômbia foram sequestrados, desapareceram, torturados e assassinados.

Uma semana após essa coletiva, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz) da Colômbia divulgou um relatório que mostrava que, desde 2016, pelo menos 1.090 líderes de movimentos populares foram assassinados; 695 desses assassinatos, ou 63% deles, ocorreram durante a presidência de Iván Duque, que assumiu o cargo em agosto de 2018. Em 2020, houve 85 massacres, a maior parte deles nas províncias de Antioquia, Cauca e Nariño.

:: Leia também: Movimentos colombianos celebram libertação de líderes camponeses e condenam “armação" ::

Entre os dias 15 e 16 de dezembro, as autoridades colombianas prenderam três líderes da organização camponesa Coordenação Nacional Agrária (CNA) e do Congresso dos Povos (Congreso de los Pueblos) - Adelso Gallo, Teófilo Acuña e Robert Daza. Eles foram acusados de “rebelião agravada”; trata-se de uma cobrança específica que se refere ao uso de armas para derrubar o governo e o regime constitucional e que acarreta em uma pena muito pesada. Não há evidências de que Gallo, Acuña ou Daza estivessem preparando qualquer tipo de rebelião.

Acuña é o extremo oposto de um militante armado, já que é porta-voz da Comissão de Diálogo em sua região da Colômbia, tendo como principal tarefa criar uma discussão pacífica entre os moradores de sua área empobrecida e o governo. Daza, que trabalha em uma cooperativa cafeeira em Nariño, atua pela ampliação da soberania alimentar e é porta-voz da Cúpula Agrária, Camponesa, Étnica e Popular, plataforma de movimentos e organizações populares que mantém diálogo direto com o governo nacional para o atendimento de uma lista de demandas relacionadas aos direitos e meios de subsistência das comunidades rurais. Gallo é um conhecido líder camponês do leste de Arauca que trabalha para a Coagrosarare, uma cooperativa agrícola de alimentos; sua reputação política foi construída na defesa de sua comunidade contra a empresa multinacional estadunidense Occidental Petroleum. Nenhum deles está envolvido com a luta armada ou tem planos de lançar uma luta armada. Seu objetivo, entretanto, é promover o bem-estar de suas comunidades, uma agenda que vai de encontro à rigidez da oligarquia colombiana, cujo líder político é Iván Duque.

:: Leia mais: Exclusivo: a mobilização popular na América Latina na visão do ELN ::

Uma série de organizações populares e grupos de direitos humanos condenaram essas prisões. O Congresso dos Povos, em uma declaração amplamente divulgada, disse que essas “prisões arbitrárias” - e a longa lista de assassinatos - ocorreram porque esses líderes sociais pensam e agem de maneiras diferentes do regime. Após dias de mobilização, na segunda-feira (21), o juiz encarregado do caso concedeu fiança aos três líderes camponeses.

Grupo de Bogotá

Em 2017, a pedido do governo dos Estados Unidos, um grupo de 12 governos do hemisfério americano se reuniu em Lima, no Peru, para criar um grupo cujo propósito expresso é derrubar o governo da Venezuela. É bastante notável que esses Estados membros das Nações Unidas persigam um projeto - mudança de regime - que vai contra a Carta das Nações Unidas de 1945 (não há nenhuma resolução do Conselho de Segurança da ONU sob o Capítulo VI ou VII para justificar suas ações). Este ano, o Peru entrou em uma grave crise política da qual ainda não se recuperou; o apetite de Lima para liderar uma campanha contra a Venezuela agora é virtualmente zero. Coube a Iván Duque assumir o manto em nome dos Estados Unidos e Canadá para tentar derrubar o governo da Venezuela. Agora seria mais adequado mudar o nome de Grupo de Lima para Grupo de Bogotá.

Diz algo sobre o caráter do governo de Duque, que afirmou que não ofereceria a vacinação contra a covid-19 aos venezuelanos que vivem na Colômbia em situação irregular; diz algo também o fato de que Juan Guaidó, o venezuelano de Washington, concordou com Iván Duque nesta decisão abominável.

:: Leia também: Cuba e Venezuela anunciam criação de banco de vacinas contra a covid-19 ::

Pouco depois da eleição para a Assembleia Nacional da Venezuela, em 6 de dezembro, os colombianos redigiram uma declaração que rechaça o pleito e que também foi assinada por outros membros do Grupo de Lima (embora Argentina, Bolívia e México não tenham firmado). Alegando que a eleição foi “fraudulenta”, eles fizeram duas demandas: primeiro, que a “comunidade internacional” rejeitasse as eleições e, segundo, que os partidos políticos dentro da Venezuela deveriam abandonar o processo político real no país e iniciar um “processo de transição”. No entanto, a maior parte do mundo - fora das capitais da Europa e dos Estados Unidos - não seguiu o exemplo dado por este grupo, e nenhum dos partidos políticos reais dentro da Venezuela foi incluído em sua agenda. A corrente conservadora dominante - liderada pela COPEI e pela Acción Democrática - e os partidos evangélicos dentro da Venezuela acreditam que a Assembleia Nacional deve começar a trabalhar a partir de 5 de janeiro para reviver a soberania política de seu país. Eles não querem mais interferências de Washington ou da Colômbia.

:: Saiba mais: Internacional Progressista apela à ONU pelo fim das sanções dos EUA contra 30 países ::

*Vijay Prashad é historiador, editor e jornalista indiano. É redator parceiro e correspondente-chefe do Globetrotter, um projeto do Instituto de Mídia Independente. Editor-chefe da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social. É membro sênior não residente do Instituto de Estudos Financeiros de Chongyang, Universidade Renmin, da China. Escreveu mais de 20 livros, sendo seu último livro é Balas de Washington, com introdução de Evo Morales, publicado no Brasil pela Expressão Popular.

**Zoe PC é jornalista do Peoples Dispatch, com foco em movimentos populares da América Latina.

***Este artigo foi produzido pelo Globetrotter.

Edição: Globetrotter