Ainda sem um nome específico para colocar no rol de possíveis candidatos a presidente da Câmara dos Deputados, os maiores partidos de oposição se articulam para tentar reduzir a influência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Casa. A movimentação envolve principalmente PT, PSB, PDT e PCdoB, que colocam na mesa de negociação pontos considerados prioritários na escolha do futuro ocupante do cargo.
As quatro legendas embarcaram no bonde político que vem sendo conduzido pelo atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) para concorrer com o candidato de Bolsonaro na disputa, o já lançado Arthur Lira (PP-AL), um dos principais interlocutores do chamado “centrão”.
A coalizão é marcada pela heterogeneidade e já aglutina 11 siglas: além das quatro maiores da oposição, inclui DEM, MDB, PSDB, PSL, PV, Cidadania, Rede. A tropa de choque pode ultrapassar 280 dos 513 votos totais da Casa. A vitória é dada ao candidato que angariar 257 apoios, o que corresponde à maioria absoluta dos votos. Se isso não ocorrer, os dois primeiros lugares do ranking disputam o segundo turno.
Em se tratando de eleição para a presidência da Casa, a combinação entre essas legendas é rara, mas PT, PSB, PDT e PCdoB veem a parceria como fundamental para tentar garantir alguma independência da Câmara em relação ao governo.
“Uma coisa é impedir que o Bolsonaro domine a Casa, que é a única que ele ainda não domina. Outra coisa significa abraçarmos a visão de mundo, a ideologia, o programa daqueles aos quais nos associamos nesta luta pra derrotá-lo”, pontua Molon.
O novo mandatário deverá ser eleito em fevereiro do próximo ano.
"Opção tática"
Um manifesto publicado na última segunda (21) resume as propostas que os quatro partidos vão defender dentro da coalizão e pede prioridade a ações que vão no contrafluxo do governo.
As legendas reivindicam, por exemplo: testagem em massa da população e vacinação universal coordenada pelo Sistema Único de Saúde (SUS); continuidade do auxílio emergencial e retomada das discussões sobre a proposta que cria o “Mais Bolsa Família”; plano emergencial de geração de emprego; tributação de grandes fortunas; combate às privatizações; e manutenção da autonomia do Banco Central.
Integrar esse bloco pra derrotar o Bolsonaro não significa que abramos mão de qualquer das bandeiras que defendemos
Também compõem a lista: defesa do meio ambiente, da reforma agrária e rejeição dos projetos que alienam terras brasileiras para estrangeiros; defesa dos direitos trabalhistas, com revisão dos dispositivos que fragilizam os sindicatos; rejeição de medidas como redução da maioridade penal e liberação do porte de armas; defesa do direito à informação e do restabelecimento do acesso anual dos partidos políticos à rede nacional das concessões públicas de TV e Rádio. Todos esses pontos tocam propostas que tramitam na Casa.
“Nós queríamos deixar claro que essa escolha, essa decisão, essa opção tática que fizemos de integrar esse bloco pra derrotar o Bolsonaro não significa que abramos mão de qualquer das bandeiras que defendemos” , afirma o líder da bancada do PSB, Alessandro Molon (RJ), ao mencionar o manifesto.
Estratégia pré-2022
A líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), sublinha que a eleição do próximo comandante da Câmara é vista como estratégica por ser uma das prévias políticas importantes de 2022, quando o país se verá novamente em uma disputa presidencial – horizonte de Bolsonaro, que mira a reeleição.
A coalizão de Maia ainda discute atualmente o nome que concorrerá na disputa como representante do grupo. A oposição deve apresentar nestes dias uma proposta de presidenciável para o bloco, apesar de Baleia Rossi (MDB-SP) já ser considerado candidato favorito entre as siglas que participam da costura.
Os quatro maiores partidos de oposição colocam na mesa de negociação para a escolha do nome a ser apoiado pelo grupo a atenção às pautas por eles consideradas prioritárias no manifesto desta semana. Barrar novos retrocessos no quesito retirada de direitos, evitando a votação de propostas em relação às quais o grupo tem reservas, também é moeda de troca nas articulações.
Questionada sobre como a oposição pretende segurar, por exemplo, as privatizações, uma vez que os partidos na órbita de Maia têm forte tendência privatista, Perpétua Almeida exalta o que considera como saldo dos opositores no ultimo período.
“Nós fizemos a disputa política na Casa e conseguimos segurar muita coisa. Conseguimos evitar a privatização da Eletrobras, evitar que se viesse pra votação a situação da independência do Banco Central”, exemplifica.
O líder do PSB entende que a defesa do programa neoliberal em si por parte da maioria dos partidos do bloco de Maia não é um ponto de resistência para avaliar os movimentos da oposição na disputa. Para Molon, a presença do grupo na coalizão tende a ser futuramente mais rentável que o isolamento político.
“É preciso reconhecer que, do outro lado do ringue, o candidato do governo também defende o programa privatizante. Aqui não há diferença nesse sentido. No entanto, apoiando um dos candidatos, temos mais condições de pleitear que não se votem essas medidas do que se lançarmos uma candidatura própria pra marcar posição, perdermos e nada pudermos depois reivindicar”.
Apoiando um dos candidatos, temos mais condições de pleitear que não se votem essas medidas
O campo da oposição na Câmara reúne hoje um total de seis siglas: PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede. Esta última anunciou na semana passada a adesão ao bloco de Maia, enquanto o PSOL avalia qual rumo tomar. A bancada deve bater o martelo somente em janeiro, mas tem nomes simpáticos ao agrupamento de Maia.
Em nota divulgada na segunda-feira (21), o deputado Marcelo Freixo (RJ), vice-líder do partido e um dos psolistas que constroem pontes com lideranças de outras legendas, manifestou seu apoio à iniciativa.
“Existe algo em comum que nos une, e é muito maior que nossas diferenças: a crença nos valores do Estado democrático de direito e a certeza de que é nosso compromisso defendê-lo diante das ameaças explícitas do presidente da República”, afirmou o parlamentar, ao pontuar que “a união não tem a pretensão de eliminar” as divergências internas do blocão.
A também vice-líder Fernanda Melchiona (RS) reforçou o coro. Em manifestação pelo Twitter, afirmou que “todas as táticas são válidas, como lançar candidato para demarcar programa, mas forças ocultas querem igualar o candidato de Bolsonaro ao campo de Maia para ajudar o Lira”.
“O PSOL não cai nessa”, disse a deputada gaúcha, ao apontar que a estratégia principal da esquerda é a derrota bolsonarista.
A estratégia da esquerda da eleição da Câmara tem que ser derrotar o candidato de Bolsonaro. Todas táticas são válidas, como lançar candidato para demarcar programa. Mas forças ocultas querem igualar o candidato de Bozo ao campo de Maia para ajudar o Lira. O PSOL não cai nessa.
— Fernanda Melchionna (@fernandapsol) December 19, 2020
O coro é entoado pelos quatro cantos da oposição e virou mantra do líder da minoria, José Guimarães (PT-CE). "A unidade das forças de esquerda tem sido um elemento impulsionador na construção de um bloco fundamental para derrotar o candidato bolsonarista", disse o parlamentar ao Brasil de Fato.
Concorrentes
Além de Arthur Lira e do representante a ser lançado pelo bloco de Rodrigo Maia, ainda não há outros candidatos oficialmente postos na corrida. Nomes como os de Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Luciano Bivar (PSL-PE) são cogitados, mas, se confirmados, tendem a ser candidaturas mais isoladas.
Edição: Rodrigo Chagas