A gente vai precisar de muita força. As coisas tendem a ser difíceis por mais um tempo.
A última semana de 2020 no Brasil consolida uma realidade dramática nas tentativas de combater a propagação do novo coronavírus em território nacional. O total de casos registrados desde domingo já somava mais de 235 mil até esta sexta-feira (25). Na última semana, as mortes somam 4.132, um total de 190 mil no Brasil.
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Com a descoberta de que uma nova cepa do coronavírus em circulação teria propagação mais rápida, as perspectivas pioraram. A mutação foi encontrada inicialmente no Reino Unido. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse que a variante tem potencial de transmissibilidade 70% maior que a anterior. Enquanto outros países do continente americano proibiram os voos com origem no país desde o início da semana, o Brasil passou a adotar medidas nesta sexta-feira.
No campo político, o governo federal se empenhou em condenar o isolamento social e defender medicamentos sem ação comprovada. Sucessivas trocas de equipe no Ministério da Saúde foram feitas, até que o discurso estivesse alinhado e submetido ao de Jair Bolsonaro (sem partido).
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Nesta semana não foi diferente. Na segunda-feira (21), Bolsonaro conversou com apoiadores em Santa Catarina, após um passeio à praia. Ele insinuou novamente que a vacina contra o coronavírus pode causar efeitos colaterais e disse que não vai se imunizar. Um dia antes, começava a circular um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que concluiu que o governo não tem estratégia "minimamente detalhada" para combater a pandemia.
Em participação no podcast A Covid-19 na Semana, o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, ressalta que faltou testagem em massa, monitoramento do círculo social dos pacientes, planejamento e unidade nacional no combate ao coronavírus. Ele reforça que o desastre seria ainda maior sem a estrutura que o Sistema Único de Saúde (SUS) já tinha.
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"Todas aquelas estratégias que foram se confirmando como medidas eficazes. Testagem massiva da população, a gente falhou muito nisso, a gente falhou no isolamento das pessoas sintomáticas, dos contatos de pessoas que adoeceram. Isso parece difícil, mas para um sistema de saúde como no Brasil, não seria difícil."
O médico afirma ainda que o poder público fez mal uso das possibilidades que o SUS proporciona. "A gente tem mais de 260 mil agentes comunitários de saúde no país inteiro. São profissionais que trabalham com saúde há anos, que são das comunidades, que conhecem as pessoas e poderiam muito bem cumprir esse papel de estar identificando casos suspeitos, orientando. Esse serviço foi praticamente inutilizado."
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Ainda de acordo com Aristóteles, "Da porta do hospital para fora, praticamente tudo poderia ter sido diferente. Faltou uma coordenação nacional. Faltou um Ministério da Saúde firme, que coordenasse esse processo e ajudasse a organizar cooperação financeira, cooperação técnica, cooperação política (...). A gente começa 2021 ainda carecendo dessa atuação do governo federal, em um momento muito tenso da pandemia."
Entre os trabalhadores de saúde, o ano representou "uma montanha russa de emoções e sentimentos", afirma Cardona. "Há uma sensação forte de esgotamento, de cansaço, de exaustão neste final de ano. É uma sensação invariável. E aí, quando você olha para as autoridades, você vê pouca atuação. A gente vai precisar de muita força, muito cuidado de todas e todos. As coisas tendem a ser difíceis por mais um tempo."
Edição: Camila Maciel