VIDAS NEGRAS

2020: o ano em que a luta antirracista pautou o debate público no Brasil e no mundo

Enquanto mortes de Beto Freitas e George Floyd clamaram por justiça nas ruas, Agenda Marielle se consolidou nas urnas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |
Morte de George Floyd gerou revolta e indignação em todo o mundo - Foto: Timothy A. Clary/AFP

O debate público em 2020 não foi só guiado pela pandemia da covid-19, mas também pela luta antirracista. 

O combate à desigualdade racial e o genocídio da população negra teve seu chamado mais efetivo, em maio, com a morte de George Floyd após violenta ação policial em Minnesota, nos Estados Unidos. 

O homem negro de 46 anos foi asfixiado por um policial branco até a morte. Fortes imagens filmadas por testemunhas mostraram que Floyd proferiu a frase “não consigo respirar” repetidas vezes enquanto estava sendo sufocado. As manifestações por justiça ao homem negro foram registradas nas ruas do município de Minneapolis em plena pandemia da covid-19.


"George Floyd abriu caminhos”: o grito negro por justiça que inflamou os EUA e o mundo / Foto: Stephan Maturen/Getty Images/AFP

Levante Global

Em pouco tempo, os atos se espalharam por diversos países, dando início a uma revolta antirracista global que denunciou a violência policial e o racismo estrutural das forças de segurança. A derrubada de estátuas com representações que remetem ao racismo marcou o período.

No Brasil, o movimento negro também saiu às ruas. Mas não só por Floyd, mas contra Jair Bolsonaro (sem partido) e a “escalada do fascismo”. Em junho, manifestações também cobraram justiça pela morte de Miguel Otávio, filho da empregada doméstica Mirtes Renata de Souza. 

A criança de 5 anos caiu de um edifício de luxo no Recife, após negligência de Sarí Corte Real, a patroa de sua mãe e primeira-dama de Tamandaré, no litoral pernambucano. Na avaliação de entidades, a morte teve “raízes escravocratas”.

O caso de Guilherme Silva Guedes, adolescente de 15 anos encontrado morto em Diadema, na Grande São Paulo, também gerou indignação e revolta nas ruas da Vila Clara, zona sul de São Paulo, para exigir que a Justiça alcance os responsáveis pelo assassinato.


Cerca de 300 moradores da Vila Clara, zona sul de São Paulo, marcharam exigindo justiça pelo assassinato do adolescente Guilherme Silva Guedes, de 15 anos / Igor Carvalho / BdF

Pautas antirracistas ganham peso em pleitos eleitorais

Além dos protestos, 2020 mostrou que já não há mais espaço para o debate político sem a luta antirracista. Nos Estados Unidos, a mobilização negra foi considerada determinante para a virada histórica do democrata Joe Biden contra Donald Trump na Geórgia, um dos “estados-chave” da corrida presidencial estadunidense.

No Brasil, o levante antirracista também surtiu efeito nas eleições municipais, com o anúncio de um 2021 mais representativo nas casas legislativas e em favor das demandas históricas do povo negro.

No total, 81 candidaturas comprometidas com a Agenda Marielle foram eleitas em 54 cidades do país. A agenda, formulada pelo Instituto Marielle Franco, reúne um conjunto de compromissos com as políticas antirracistas, feministas e lgbt´s defendidas pela ex-parlamentar - assassinada brutalmente por milicianos há mais de mil dias, em um crime ainda sem a punição dos responsáveis.  


"Bolsonaro já está derrotado e é um câncer político extinguido", afirma Erika Hilton sobre a queda da extrema direita do país / Reprodução Instagram

Além disso, a Câmara Municipal de São Paulo, que não tinha mulheres negras ocupando suas 55 cadeiras, agora terá três vereadoras: Erika Hilton, Luana Alves e Elaine Mineiro, do Quilombo Periférico, todas do Psol.

"Enquanto houver uma de nós de pé, a nossa herança, a nossa ancestralidade, não vai morrer, não vai tombar. Podem tombar a nossa carne, podem tombar o nosso corpo. Mas a nossa luta, a nossa garra, ela é ancestral”, disse Erika Hilton, em seu discurso emocionado na Avenida Paulista, durante a 17ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo. Periférica, negra e trans, Hilton foi a parlamentar mais votada do Brasil no pleito eleitoral. 

A brutalidade do Carrefour

Nas vésperas do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data histórica para a reflexão sobre a posição social da população negra no país – os mais afetados pela desigualdade e pela violência no Brasil - um caso de brutalidade parou o país.

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por um segurança e um policial militar dentro de uma loja da rede Carrefour, em Porto Alegre (RS).

No mesmo dia, Hamilton Mourão, vice-presidente da república, chegou a declarar que não existe racismo no Brasil ao comentar o assassinato do homem negro. A rede de supermercados já carregava um histórico de violências envolvendo os clientes e os próprios funcionários.  


"O que se viu no mercado dos playboys da Pamplona foi legítima defesa", explica Douglas Belchior / Foto: Pedro Stropasolas

Em resposta à morte brutal, atos articulados pelo movimento negro em várias partes do país, levaram indignação às ruas. A mensagem foi clara: o extermínio das vidas negras não será mais tolerado.

"As palavras, a política, o diálogo não têm sido suficientes. Nós precisamos reagir com o mesmo peso das mãos que matam a gente todos os dias", declarou Douglas Belchior, fundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos, no dia em que manifestantes destruíram uma loja do Carrefour, em São Paulo, em resposta ao assassinato de João Alberto. 

Edição: Michele Carvalho