Considerada o epicentro global do coronavírus no início do ano passado, Wuhan começa 2021 com uma rotina semelhante ao período pré-pandemia. Comércio, transporte público, parques e restaurantes: exceto pelas máscaras, medições de temperatura e pelo uso de QR code como indicador do status de saúde dos cidadãos, tudo funciona como antes da covid-19.
“Alguém que chegue na cidade hoje, desavisado de onde está, jamais entenderia que essa cidade passou pelo que passou”, relata o advogado brasileiro José Renato Peneluppi Jr., que mora na China há dez anos.
“Wuhan é considerada hoje a cidade mais segura em relação à covid, não só pelo sentimento das pessoas, mas por questões práticas”, acrescenta, lembrando que o último caso de covid-19 foi registrado no início de maio.
Peneluppi deixou Wuhan logo após a confirmação dos primeiros casos de coronavírus, passou a maior parte do ano passado na Bielorrússia e voltou à China há quatro meses. Desde então, viajou por seis cidades e atestou a diferença na gestão da crise sanitária nos dois países.
Na Bielorrússia, o presidente Aleksandr Lukashenko adotou uma postura negacionista, semelhante à de Jair Bolsonaro (sem partido) no Brasil. O resultado da falta de medidas de contenção e da não obrigatoriedade do uso de máscaras foi a superlotação de hospitais e a explosão do número de mortes, que chegou a 1,4 mil.
Para voltar à China, o advogado brasileiro precisou apresentar teste negativo de covid-19 no check-in e no embarque.
Na semana passada, a capital Pequim entrou em estado de alerta após diagnosticar os primeiros casos de coronavírus em 133 dias. Essa medida fez reforçar o controle nos aeroportos e estações de trem em Wuhan, mas não alterou completamente a rotina.
“Desde o começo da pandemia, o Estado chinês declarou guerra popular. Então, o povo chinês está em guerra contra o vírus”, enfatiza Peneluppi. “Todo mundo tem responsabilidade como indivíduo, como coletivo, de tomar ações e cuidar do país. Enquanto no Brasil ou em qualquer país do mundo houver essa doença, eles acham que tem que manter esse estado de prontidão, que é a única forma de se proteger.”
A virada do ano em Wuhan reuniu mais de 1 milhão de chineses, que se deslocaram de várias partes do país para enaltecer a resiliência e a disciplina dos cidadãos no enfrentamento ao vírus.
“As pessoas soltavam bexigas em formato de coração ou de estrela, e todo mundo exaltava Wuhan como cidade heroína, a cidade que venceu o vírus. Todos muito felizes, tranquilos, mas sempre de máscara”, ressalta.
Peneluppi elogia a consciência coletiva dos chineses e lembra que a vacina não é vista pela população como sinônimo de fim da pandemia.
“O combate à covid-19 na China tem sido tão eficiente que a vacina não é vista pelo povo ou pelo governo como decisiva contra o vírus, mas como mais um instrumento a mais, para somar nessa luta”, explica.
Desde o final de setembro, a vacina tem sido aplicada em trabalhadores de aeroportos e empresas aéreas, militares e corpo diplomático. Na última semana, começaram campanhas de vacinação específicas em Pequim e na região de Shenzhen, para evitar a entrada de infectados na fronteira com Hong Kong.
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O advogado brasileiro interpreta que a covid-19 serviu como um “processo disruptivo” na China, em que tecnologias usadas para outras finalidades passaram a ser implementadas contra a doença.
“O QR code, que era usado para crédito social, passou a ser usado para gestão de rastreamento da doença. No próprio mapeamento da doença, tratamento, segurança sanitária, EPIs, desenvolvimento da vacina, os avanços e as disrupções tecnológicas ficaram bem claras”, enumera.
“No que tange a tecnologia social, também chamou atenção a forma de fazer o lockdown. A questão não é fechar, mas onde fechar e de que forma abrir, em que condições, e com quais garantias.”
O lockdown em Wuhan durou 76 dias. A covid-19 matou, ao todo, 3.869 pessoas na cidade, o equivalente a 83% de todos os óbitos registrados na China.
Edição: Leandro Melito