“Manaus, novamente, mergulhou no caos”, resume o epidemiologista Jesem Orellana, da Fundação Oswaldo Cruz Amazonas (Fiocruz). Em alerta epidemiológico divulgado nesta segunda-feira (4), o cientista apresenta dados sobre a situação de Manaus que revelam um novo colapso no sistema de saúde local em razão do surto de covid-19.
No domingo, a capital amazonense bateu recorde de novas internações diárias. Foram 159 hospitalizações, número mais alto desde o início da pandemia, em março.
Relatos dão conta de filas em cemitérios, como também aponta reportagem da Rede Amazônica. Manaus, entre abril e junho, teve um dos cenários mais trágicos do país, com falta de leitos e colapso também no sistema funerário devido à reaceleração da pandemia da covid-19.
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Jesem argumenta que alertas sobre uma crescente onda de casos e mortes em Manaus já foram expedidos há semanas. A RBA, desde outubro, apresenta dados preocupantes na cidade.
Entretanto, o poder público sempre optou por minimizar a situação, que agora explode. No sábado (2), o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) chegou a determinar que o governo do estado suspendesse atividades não essenciais por 15 dias para conter o avanço da covid-19.
Colapso
Na decisão, o juiz Leoney Figliuolo Harraquian também determinou que o governo faça pronunciamentos diários para explicar medidas de contenção do vírus. Na luta por evitar aglomerações, o magistrado também prevê a possibilidade do uso da força.
O não cumprimento da decisão implica em multa de R$ 50 mil diários. Cabe recurso, entretanto, o governo afirmou que as medidas do Judiciário estão em análise pelo Comitê de Enfrentamento à Covid-19.
Os três maiores hospitais públicos da cidade entraram em colapso por falta de leitos. Então, o secretário da Saúde do estado, Marcellus Campelo, fez um apelo aos manauaras.
“É necessário que a população colabore fazendo a sua para evitar aglomeração, usar máscara e seguir todos os protocolos preconizados pelas autoridades sanitárias”, disse. O secretário do governo de Wilsom Lima (PSC) também argumenta pela necessidade de medidas mais rígidas de distanciamento social.
Cenário mais grave
O cenário pode ser muito mais grave do que os números oficiais dão conta. Jesem classifica a quantidade de testes no estado “baixa e muito aquém de qualquer estratégia efetiva que visa a identificação precoce dos casos e de seus contatos (…) Manaus testa pouco e mal (…) É muito provável que o número real de novas infecções pelo novo coronavírus seja bem maior do que os serviços de saúde conseguem precariamente notificar”, afirma.
As estimativas do cientista dão conta de um número três vezes maior, “de forma conservadora”, argumenta. De agosto a dezembro, o estado aumentou sua capacidade de testagem, mas ela segue baixa. Foram 46.626 casos no período, o que representa mais da metade do registrado ao longo de toda a epidemia. Para Jesem, esse número deve ser, ao menos, de 150 mil novas infecções.
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Em relação às mortes, segue a mesma lógica. Foram mais de mil mortes no período de acordo com dados oficiais. “Não pensem que mil mortos representa o limite máximo de vítimas conhecidas de covid-19 nesse período. Veremos esse número aumentar na medida que as investigações de óbito, bem como o lançamento ou atualização dos demais dados forem avançando com o tempo”, disse.
Por fim, o epidemiologista lamenta o cenário. “O mais triste destas estatísticas é que pelo menos metade dessas mortes poderiam ter sido evitadas, caso os conselhos dados desde agosto e publicados em revistas científicas de grande tradição internacional e na imprensa tivessem sido levados a sério e não alvo de desprezo ou acusações infundadas.”