A Prefeitura de São Paulo aprovou, no dia 12 de dezembro, em reunião da Junta Orçamentário-Financeiro (JOF), da Secretaria Municipal da Fazenda, um conjunto de obras em Guainases, zona leste da capital paulista, no valor de R$ 475 mil.
Porém, há somente um engenheiro na subprefeitura da região, para aprovar, liberar e fiscalizar as obras. De acordo com a Constituição Federal, apenas servidores concursados podem gerenciar os contratos de órgãos públicos.
Os R$ 475 mil são um aditivo de um contrato de manutenção de sistemas de drenagem, incialmente orçado em R$ 3 milhões, mas que já está chegou a R$ 4,2 milhões, com os suplementos. A determinação é que a empresa contratada, que não é citada na decisão da JOF, execute obras de tapa buraco e manutenção de guias e sarjetas.
Um engenheiro da prefeitura, que pediu para não ser identificado, afirma que a demanda gerada pelo contrato não pode ser fiscalizada e gerenciada por apenas um profissional e ressalta que Guaianases é o oitavo distrito dos que menos arrecadam Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por falta de regularização urbana na capital paulista.
“É impossível que apenas um engenheiro consiga trabalhar dignamente para atender uma região com 269.788 habitantes. Temos que entender que apenas um engenheiro efetivo (concursado) não é capaz de emitir alvarás, certidão de conclusão de obras e aprovar projetos ao mesmo tempo, isso é muito claro”, criticou.
Entre as funções que deveriam ser desempenhadas por esse trabalhador, além da parte burocrática, estão a fiscalização de obras terceirizadas como drenagens, tapa-buracos, guias, sarjetas e contenções.
“É humanamente impossível. Este engenheiro mal dá conta dos despachos administrativos, como ele conseguiria assinar o pagamento das medições dos contratos das terceirizadas sendo que ele não consegue vistoriar as obras?”, questiona.
A reportagem perguntou à prefeitura quem acompanhará e fiscalizará as obras em Guaianases, já que o volume de obras não pode ser tocado por apenas um servidor. Até o fechamento da matéria, o governo paulistano não havia respondido.
Para Clóvis Bueno de Azevedo, formado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV), essa função não pode ser entregue a um trabalhador terceirizado ou comissionado. "Alguém de fora, ou que tenha um cargo comissionado, não deve assumir a responsabilidade pela execução de um contrato”, enfatiza.
“Um terceiro, que não é servidor da prefeitura, não pode responder por um contrato da prefeitura, não tem nem valor jurídico isso. Eu acho esdrúxulo que um terceiro possa responder pela prefeitura em um contrato”, explica Azevedo.
“Pode ser, em tese, já que a Constituição fala em vínculo permanente e não em servidor de carreira, talvez um engenheiro admitido recentemente. Mas veja, alguém com vínculo e estabilidade, que seja dos quadros permanentes da prefeitura", analisa.
Na decisão tomada na reunião da JOF, a prefeitura decidiu recusar o pedido de contratação de 87 engenheiros. Sendo 12 solicitados pela Secretaria de Cultura, quatro que foram pedidos pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano, e 71 requisitados pela Secretaria de Subprefeituras.
O argumento utilizado pela prefeitura para não nomear os engenheiros é a aplicação da Lei 17.340 de abril de 2020, proposta pelo conjunto de vereadores da Câmara Municipal de São Paulo durante a pandemia do coronavírus. A legislação autoriza o poder público a "suspender o prazo de alvarás e concursos públicos para o enfrentamento da Emergência Pública de Saúde".
Porém, em decisão de 7 de novembro de 2020, um mês antes da reunião da JOF, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu que emendas parlamentares, como a Lei 17.340, não podem prorrogar ou suspender a validade de concursos públicos. A decisão foi unânime.
Carência de profissionais
Para suprir a carência das secretarias do município, o prefeito Bruno Covas (PSDB) tem como opção convocar algum dos 183 engenheiros civis aprovados no edital 00/2018, que aguardam há dois anos na fila. Nenhum concursado foi nomeado até a publicação desta matéria.
Em novembro, o Brasil de Fato revelou que Covas ignorou o apelo feito pela Secretaria de Subprefeituras, que pedia a nomeação de 71 engenheiros aprovados no edital. Em ofício encaminhado à prefeitura, no dia 8 de maio de 2020, Alexandre Modonezi Andrade, chefe da pasta, deixou Covas ciente da situação do município.
“Atualmente encontramos muitas dificuldades na prestação de serviços técnicos, de serviços de zeladoria e obras por falta desses profissionais.”
Hoje, a Secretaria Municipal de Subprefeituras conta com 173 engenheiros civis. A distribuição dessa mão de obra, feita pela prefeitura, mostra uma desigualdade no atendimento das áreas ricas e pobres no município.
Em Ermelino Matarazzo e Sapopemba, na periferia da zona leste de São Paulo, não há engenheiros para atender a população local. Na outra ponta, as subprefeituras da Vila Mariana e Lapa, áreas ricas na zona sul e oeste da capital paulista, possuem 11 e 6 engenheiros, respectivamente.
Edição: Leandro Melito