CONSEQUÊNCIAS

Festas de fim de ano podem causar colapso da saúde em destinos turísticos

Segundo especialistas, registros de pessoas infectadas devem aumentar nos próximos dias após confraternizações

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Página no Instagram denuncia festas clandestinas e eventos onde protocolos contra covid-19 não são cumpridos - @brasilfedecovid

As aglomerações das festas de fim de ano nos principais destinos turísticos brasileiros repercutiram internacionalmente. De Norte a Sul do país, multidões foram flagradas em eventos irregulares que ignoraram os protocolos de segurança contra o coronavírus.

Agora, as consequências diretas da ausência completa do uso de máscaras e do não cumprimento do distanciamento social serão sentidas não só pelos turistas mas também pela população local desses municípios.

“Obviamente as aglomerações vão provocar consequências desastrosas mais à frente", afirma a médica sanitarista Virgínia Junqueira. Ela explica que as confraternizações foram focos de transmissão da covid-19 e trarão consequências mais drásticas para as cidades pequenas com pouca estrutura hospitalar.

"Essas consequências vão se fazer sentir tanto nas pequenas cidades que abrigaram as aglomerações, quanto nos grandes centros de onde essas pessoas saíram. Só que as pequenas cidades não têm possibilidade de arcar com essas consequências porque às vezes mal tem um, dois ou três leitos de UTI”, alerta Junqueira. 

Enquanto o setor do turismo comemora a retomada das atividades, as festas devem acentuar a escalada de infecções em nível nacional. "Na totalidade estamos caminhando para a sobrecarga tanto das enfermarias destinadas à covid quanto as de UTI”, afirma a sanitarista. 

Nesta terça-feira (5), por exemplo, foram registradas quase 60 mil novas contaminações e 1.248 óbitos no país. 

“Sabemos que há locais remotos e muito turismo ocorre nesses locais, justamente por serem remotos. Onde o turista leva a covid, depois volta para a cidade grande e deixa o vírus lá. Acresce-se a isso o fato de que as pessoas dos grandes centros que se deslocaram voltam e também propagam o vírus [nas cidades]", explica.

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Segundo detalha a infectologista Maria Alice Sena, diretora médica do Hospital Instituto Couto Maia, localizado em Salvador (BA) e especializado em doenças infecto-contagiosas, a pessoa que se contamina com o Sars Cov 2 demora em torno de 5,2 dias para manifestar os primeiros sintomas da doença. 

Em torno do 7º ao 10º dia, a infecção pode evoluir com agravamento do quadro clínico e comprometimento grave dos pulmões, com o desenvolvimento da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)

Enquanto cerca de 80% das pessoas permanecem com quadro de leve intensidade ou, até mesmo, sem nenhum sintoma, 15% evoluem com quadros moderados a grave e 5% com quadro crítico que requer cuidados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).

“As grandes festas aumentam a taxa de transmissão do vírus e a consequência imediata disto é a lotação do sistema de saúde, que tem recursos finitos", pontua Sena.

Considerando que os pacientes assintomáticos também transmitem o vírus, a infectologista estima que, em torno de duas semanas, o sistema de saúde dos destinos turísticos pode sofrer o aumento da taxa de ocupação hospitalar.
 
"A conta não fecha. No nosso estado ainda conseguimos dar conta da assistência, mas têm outras unidades da federação em que já houve esgotamento do sistema de saúde tanto público quanto privado. Isso significa risco de desassistência, de morte sem atenção médica, de caos na saúde pública”, afirma.

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Ela acrescenta que muitos hospitais que atendiam a um público diversificado tornaram-se dedicados ao combate à covid, o que implica em redução da disponibilidade de leitos hospitalares para a assistência a outras doenças. Um problema que também deve se agravar diante da elevação das infecções.

“O principal rastro deixado por esses eventos é o aumento de famílias destroçadas por perda precoce de seus entes queridos, muitas vezes o vulnerável que não sai de casa, mas que é contaminado por aquele que descumpre as medidas de segurança recomendadas", afirma Sena.

Em Salvador, locais turísticos como Arraial D’Ajuda, Itacaré e Morro de São Paulo já registram alta no número de contaminação nos últimos dias. 

"A pandemia ainda não passou e o vírus, espertamente, está aumentando as suas chances de sobrevivência entre nós, aproveitando-se da nossa ignorância”, lamenta a infectologista. 

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Ainda de acordo com Sena, além da própria população, as aglomerações do revéillon também aumentam os riscos de transmissão para os próprios profissionais que estão na linha de frente no combate à covid.

“Os profissionais da saúde já estão esgotados, muitos perderam a vida nesta batalha. É necessário diminuir o ritmo, senão todos adoeceremos, não só covid-19, mas psiquicamente. O único triunfo que temos é contar com a conscientização da população para que adiram às normas sanitárias”. 

Locais mais visados

Recentemente a página do Instagram Brasil Fede Covid ganhou repercussão por publicar vídeos denunciando festas e aglomerações do réveillon que descumpriram todos os protocolos contra a proliferação do vírus e que ainda continuam a acontecer.

Há vídeos de eventos em diversos estados, com destaque para Rio Grande do Norte, principalmente Pipa e em São Miguel do Gostoso, em Santa Catarina, Rio Grande do Sul,  Salvador e Rio de Janeiro. Grandes aglomerações também foram registradas em Alagoas e Recife. 

Em um dos vídeos, inclusive, uma turista debocha da gravidade do coronavírus e grita: "É só me intubar".

Ainda que as imagens choquem, a sanitarista Virgínia Junqueira, professora do Instituto Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que é preciso dar ênfase para a responsabilidade do poder público frente à realização dos eventos e gravidade da pandemia. 

“O que a população faz é de responsabilidade, obviamente, da população. Só que nossa população não tem nenhuma forma de comunicação realmente efetiva e coerente desde o início da pandemia. Alia-se ao cansaço [causado pela pandemia] à falta completa de coordenação nacional”, diz Junqueira.

Para a médica, a reprovação aos que romperam com o distancialmento social nas festas de fim de ano devem levar em conta a desigualdade social brasileira e que grupos mais vulneráveis são atingidos de forma ainda mais dura. "Há níveis diferentes de responsabilidade", aponta.

“Uma coisa é criticar a população de alto nível socio-econômico que foi pra Trancoso (BA) fazer festa. Outra coisa é condenar os ambulantes nas praias e nas cidades. As pessoas vão pra rua vender seus produtos para sobreviver. São elas que precisam de ajuda dos governos para conseguir ficar em casa".

Dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) apontam que, depois de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, onde festas foram registradas, já lideravam a lista dos estados mais afetados pela pandemia com o maior número de contaminações antes mesmo da virada do ano. 

Edição: Leandro Melito