Tecnologia

Robôs que dançam: o que a propaganda divertida tem a ver com a indústria da guerra?

Dançando ao som "Do You Love Me", os robôs Atlas e LS3 divertem, mas foram desenvolvidos para situações de guerra

São Paulo |

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Utilizados para realizar operações de apoio, busca e resgate em zonas de conflito, os robôs da Boston Dynamics já possuem versões que são vendidas no mercado civil. - Reprodução: Youtube / Boston Dynamics

Uma vídeo propaganda da empresa Boston Dynamics em que robôs dançam ao da música Do You Love Me? ganhou as redes sociais na última semana. O apelo da peça vem do caráter amigável dos robôs dançantes, porém, apesar do tom lúdico, o que o vídeo não informa é que tais robôs foram financiados pelo Departamento de Defesa estadunidense para atuarem em zonas de guerra junto às tropas militares.

Especialistas pontuam a dualidade da mensagem desse tipo de lançamento, lembrando que a maioria das tecnologias benéficas que temos hoje vieram de equipamentos de uso militar. 

“A Boston Dynamics sempre vai estar nessa dualidade, eles produzem um robô fantástico mas eles podem ser usados para o bem ou para o mal. Como a tecnologia de foguetes e de mísseis que estão associadas. Posso usar para o bem ou para o mal”, afirma Fernando Osório, professor doutor do Instituto De Ciências Matemáticas e de Computação da USP que trabalha no Centro de Inteligência Artificial e Robótica em São Carlos.

Por outro lado, os riscos do avanço desse tipo de armamento quando concentrados em alguns grupos com interesses políticos e econômicos, também são apontados como motivo de preocupação. 

“Todas essas tecnologias podem trazer simr muitos benefícios. A própria Inteligência Artificial, utilizada de maneira responsável, explicável, controlada socialmente e democraticamente pode ser útil. O problema é que não é isso que tá acontecendo. Nós estamos falando em tecnologia no sistema capitalista que privilegia profundas desigualdades”, afirma Sérgio Amadeu, sociólogo especialista em redes sociais e professora da UFABC.

O uso de robôs nos campos de guerra não é nenhuma novidade. Minas rastreadas e tanques teleguiados já são usados desde a segunda guerra mundial. A novidade agora é que além de robotizados, hoje os equipamentos bélicos são dotados de inteligência artificial. 

Um dos exemplos são drones autoguiados amplamente utilizados pelo exército norte americano. Durante o governo de Barack Obama, ao menos 526 ataques com drones foram realizados em regiões que estavam ou não em conflito armado. No começo de 2020, o ataque militar norte americano que matou o líder iraniano, Qassem Soleimani também foi realizado via drone.

Apesar de apoiador dos lançamentos da Boston Dynamics, Osório se opõe ao uso dessas tecnologias para fins bélicos. “Eu sou totalmente contra. Acho um absurdo construir uma tecnologia maravilhosa dessa para matar pessoas ou ferir pessoas. Eu inclusive assinei a carta Stop Killer Robots [Pare os Robôs Assassinos], que é um movimento contra robôs para fins militares.”

Apresentado em julho de 2015, na 24ª Conferência Internacional de Inteligência Artificial, o manifesto pelo fim do uso de robôs em guerra foi assinado por mais de mil especialistas da área, entre eles Stephen Hawking, Noam Chomsky e Steve Wozniak. O movimento assemelha-se aos que se mobilizaram pelo fim do uso de armas químicas e nucleares nas décadas de 70 e 80.

Ao passo que a tecnologia robótica se aprimora, especialmente associada aos avanços da inteligência artificial, a discussão ética sobre o uso de robôs em zonas de conflito torna-se mais complexa. A reflexão mais atual diz respeito a possíveis falhas realizadas pelos robôs que resultem em crimes, e quem será responsabilizado nessas situações.

“Vamos supor que o robô tomou uma atitude, ele fulminou pessoas notoriamente inocentes. A pergunta é: quem deve ser responsável por isso?  A que empresa que fabricou robô, o coronel que deu a ordem, os soldados que estavam junto, os desenhistas estatísticos, cientistas de dados, quem se envolveu na montagem do algoritmo? Quem é o responsável?”, questiona Amadeu.

Hoje, a Boston Dynamics busca diversificar sua produção e já vende robôs para uso doméstico, como uma versão de seu cachorrinho robótico, chamado de Spot, que se tornou conhecido no aterrorizante episódio Metalhead, da série Black Mirror, produzida pela Netflix.

Segundo pesquisadores, não é necessário temer tais equipamentos, mas é importante conhecer suas formas de funcionamento, considerando que eles operam com base na transmissão de dados que muitas vezes ferem o direito de privacidade dos usuários.

“A gente não deve ser robofóbico, não deve ter medo e achar que todo robô é ruim, mas também não devemos ser inocentes. Só existe uma maneira no mundo das pessoas enxergarem melhor as coisas, através do aprendizado, da divulgação de informação.” conclui Osório.

 

Edição: Leandro Melito