A humanidade que nos habita nos convoca a seguir lutando pelos que tiveram suas vidas interrompidas
Por Mara Carvalho*
O sonho vale uma vida?
Não sei.
Mas aprendi da escassa vida que gastei:
a morte não sonha.
(Pedro Tierra)
No momento atual de luta pela transformação da sociedade, a ação de defesa dos direitos humanos se impõe como tarefa necessária. A gravidade da crise que enfrentamos no Brasil — econômica, política, sanitária e ambiental com a deflagração da pandemia de covid-19 no ano de 2020, e, que segue em 2021 — demanda a centralidade da defesa da vida como ato a ser materializado nos próximos períodos.
A pandemia de covid-19, com tamanho impacto no mundo, provocara novas formas de reorganização das relações econômicas, humanas e sociais para superação da crise e, consequentemente, o combate ao vírus que provocou a morte de milhões de pessoas.
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Após a confirmação da primeira morte por covid-19, aproximadamente há 10 meses, o Brasil é o segundo país no mundo a atingir a marca de mais de 200 mil mortes de brasileiros e brasileiras que foram infectados pelo vírus. Mortes que ocorreram não só pelo contágio do vírus, mas pela ausência de condições humanas e sanitárias que pudessem garantir o direito à vida dessas pessoas. Vidas interrompidas — sonhos coletivos, amores não celebrados — que foram ignoradas pelo poder público, pela atuação do governo brasileiro, que tem assumido uma postura de indiferença ao vírus e às vidas ceifadas precocemente.
Negligência do governo brasileiro
Enquanto diversos países do mundo e seus respectivos chefes de Estado se empenharam em criar estratégias de proteção da vida e da diminuição de propagação do vírus, ao longo destes dez meses, o que se tem acompanhado de forma perplexa é a negligência do governo brasileiro na defesa das vidas humanas. Numa sequência dolorosa de atos advindos do atual ocupante da Presidência da República e a cúpula do seu governo, destaca-se as declarações que orientou atuação do Estado brasileiro no NÃO combate à pandemia — considerou a covid-19 uma "gripezinha" e sintetizou a visão sobre o avanço da pandemia em uma frase: "E daí?".
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Frente ao descaso com a população brasileira e consequentemente as violações de direitos humanos e constitucionais, duramente conquistados pela sociedade civil popular organizada, tem-se travado uma batalha difícil na defesa da manutenção de políticas públicas necessárias para o enfrentamento à crise, porém ainda não suficiente. A defesa das políticas públicas de saúde e sua materialização por meio do Sistema Único de Saúde – SUS, como também a defesa em investimentos para produção e consumo da Vacina capaz de combater a propagação do vírus e o aumento da pandemia é tarefa de todo povo brasileiro que objetiva ter os seus direitos realizados.
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Conforme o artigo 25.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
O direito à saúde e ao bem-estar integra o rol de direitos universais que devem nortear a ação política dos Estados-nações no seu dever de realizar direitos humanos. Desse modo lutar pelos direitos humanos inclui a luta pela efetivação de políticas públicas que possibilite a dignidade e a manutenção da vida humana.
Normas constitucionais
No ordenamento jurídico brasileiro, o direito à saúde é previsto como um direito humano fundamental que deverá ser garantido pelo Estado. Na Constituição Federal de 1988, consonante o artigo 196, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A atuação do estado brasileiro no não comprometimento para superação da pandemia e a promoção da vida tem violado as normas constitucionais que regem o estado democrático de direito e as declarações de direitos humanos que objetivam a defesa da vida. Para reverter o quadro de violações que se agrava a cada dia precisaremos de uma ação unificada pela defesa e efetivação dos direitos humanos constitucionais da população brasileira.
Colocar o humano na centralidade da ação de vida com direitos humanos é um grande desafio a ser enfrentado em tempo de desesperança. Só assim vamos impedir que mais mortes aconteçam por motivo de sua negação e da política genocida que impera hoje no Brasil.
A humanidade que nos habita nos convoca a seguir lutando pelos que tiveram suas vidas interrompidas e pelas vidas que não poderão ser. Sigamos em defesa dos direitos humanos, do SUS e da Vacina para todos e todas no Brasil.
*Mara Carvalho é pesquisadora do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), assessora da Comissão Pastoral da Terra (CPT), membro da Executiva Nacional da ABJD e do Coletivo de Direitos Humanos da Via Campesina Brasil.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Camila Maciel