Ao explicar a causa da saída da Ford do Brasil, anunciada nesta segunda-feira (11), o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra (1999-2003) repetiu, por meio de nota, a ideia que tinha ao assumir o governo do Rio Grande do Sul em 1999, quando a empresa, rompendo um contrato durante a renegociação, abandonou seu projeto no estado e foi para Camaçari, na Bahia.
“O desenvolvimento econômico e material com menor custo para si e maior aporte de subsídios e recursos públicos para expansão de seus negócios, norteiam o planejamento estratégico das empresas transnacionais, em especial as do setor automobilístico. A sua instalação, em um território ou país no globo, é uma decisão de mercado, avaliada por satélites, e importa-se pouco com impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais, tanto quando de sua aterrissagem como quando de sua decolagem”, analisou Dutra.
Conforme a nota distribuída no fim da tarde desta terça-feira (12), Dutra lembrou que “assim pretendia agir a Ford, há 20 anos no RS. Encontrou resistência do governo da Frente Popular, que se instalava, a essa lógica perversa. Orquestrou, com suas influências políticas e sua generosa conta publicitária, uma oposição insidiosa ao novo governo. Pretendia sequer prestar contas do dinheiro público já recebido. Não logrou o intento. Perdeu, inclusive, no Judiciário. O resto da história é sabido”.
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A nota segue afirmando: “A Ford agora está alçando voo para outras paragens, fora do Brasil, depois de ter torcido por um novo governo federal que flexibilizasse as leis trabalhistas, previdenciárias, enfraquecesse os sindicatos, desregulamentasse normas de controle público, etc. A estratégia é a mesma, os discursos de seus, às vezes discretos outras nem sempre, declarados apoiadores, é que são diferentes segundo as conveniências das políticas dos governantes com os quais se alinham. Mais um momento semelhante aquele da condenação da Ford a ressarcir o estado do Rio Grande do Sul por quebra unilateral de contrato, para lembrar de pessoas importantes que mantiveram paciência, coesão e firmeza na sustentação da política da Frente Popular de respeito à coisa pública, ao dinheiro público e na afirmação e prática de um governo democrático, participativo e republicano sob o qual o RS se desenvolveu social e economicamente acima da média nacional do período”.
O governador lembrou de pessoas que participaram das negociações: Miguel Rossetto, Zeca Moraes e sua equipe, Paulo Torelly, Guaracy Cunha, Flávio Koutzi, Sérgio Kapron e outros.
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22 anos atrás
Acusado de ter mandado a empresa para fora do estado, Olívio Dutra enfrentou esta acusação durante todo o governo e, mesmo depois, até que o poder Judiciário deu ganho de causa a uma ação cuja sentença em 2016 condenou a empresa a pagar uma multa de altos valores, que foi acordada com o ex-governador José Sartori em apenas R$ 216 milhões aos cofres públicos gaúchos.
Assessores do governo no período lembram que o que houve nos casos das montadoras GM e Ford, foi que os acordos firmados ainda no governo Britto foram diferentes. No caso da GM ela se comprometeu a instalar indústrias fornecedoras em seu arredor gerando mais empregos. A Ford só fazia exigências, pois tinha suas fornecedoras em São Paulo e na Argentina.
O economista Daniel Maia ressalta que, nessas negociações, leva-se em conta o custo/benefício. “Se abre mão de receita para o estado em troca de empregos e outros negócios que possam gerar rendas futuras. O governo Britto atraiu as montadoras contando com financiamentos do Fundo de Desenvolvimento Automotivo, formado com a venda da CRT em julho de 1998 que garantiu o financiamento da GM. Para financiar a Ford, eles contavam com a privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) que não conseguiram efetivar. Mas já haviam comprometido o financiamento de R$ 210 milhões em parcelas de R$ 42 milhões, cuja primeira foi paga ainda em 1998. A segunda deveria ser paga em março pelo governador Olívio Dutra que assumiu sem recursos em caixa para pagar a folha de servidores.
Por isso tentou a renegociação com a empresa, foram longas rodadas de reuniões e o governo se negava a pagar a segunda parcela sem a prestação de contas do que havia sido feito com a primeira. Conta um dos negociadores que se chegou a pensar em transformar os recursos de financiamento em ações da empresa e vender no mercado para conseguir os recursos. Mas a Ford se manteve irredutível. Ocorreu que já havia sido negociada a ida para a Bahia através de um acordo feito com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador Antônio Carlos Magalhães e a empresa.
Marcelo de Lucca, um dos negociadores, recorda foram surpreendidos quando o advogado Waldemar Mussi, à época Diretor de Assuntos Legais da Ford do Brasil Ltda, afirmou: “Sinto muito, não temos mais tempo. Encerramos por aqui”. Segundo Lucca, Waldemar disse esta frase no mesmo tom sério e o rosto com a expressão carregada que havia adotado nos 36 dias que duraram as negociações.
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A empresa vai embora; quem paga as contas?
O advogado Paulo Torelly, que era o Procurador Geral do Estado durante o governo Olívio, lembra que essas empresas além dos incentivos que ganham, terrenos, isenção de impostos, recebem enormes financiamentos e quando resolvem sair de um país alguma coisa fica para trás. Ontem a CNN noticiou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estava lembrando a empresa que os seus empréstimos ultrapassavam a importância de R$ 300 milhões.
De acordo com o portal de transparência do BNDES, as dez maiores operações da Ford com a instituição somam quase R$ 2 bilhões. A aquisição de novas tecnologias e a exportação de automóveis estão entre as solicitações de auxílio financeiro ao governo federal.
Um dos contratos firmados com a Ford, em 2014, custou ao BNDES R$ 178 milhões. O pedido da verba pela concessionária teve como objetivo desenvolver novas tecnologias e apoiar a aquisição de máquinas e equipamentos para a fábrica de Camaçari (BA). Cinco mil trabalhadores diretos estão sendo dispensados pela empresa nas unidades de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE).
Em nota, a Ford justificou o fechamento devido aos grandes prejuízos financeiros causados pela pandemia da covid-19 e à pouca rentabilidade com a venda dos veículos. A empresa afirmou ainda que todas as medidas possíveis foram tomadas, até a decisão de encerrar a produção.
“A companhia disse que não medirá esforços para minimizar os impactos do encerramento de produção. Combinado a um ambiente econômico desfavorável, a empresa se viu diante de uma grande decisão”, finaliza o pronunciamento.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Camila Maciel e Katia Marko