pedido ao presidente

Familiares de crianças argentinas mortas por exército paraguaio apelam a Fernández

Organizações sociais denunciam assassinatos sumários contra familiares de membros de guerrilha paraguaia

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Myrian Villalba, mãe de Lilian e tia de María Carmen, as duas meninas falecidas em setembro de 2020, pede justiça e que os autores do crime sejam responsabilizados. - Lla voz capital

Familiares e organizações sociais que vem denunciando o assassinato de María Carmen e Lilian Mariana Villalba, argentinas de apenas 11 anos, que  foram mortas no Paraguai pelo exército, em setembro de 2020, por serem parentes de membros da guerrilha Exército do Povo Paraguaio (EPP), entregaram, nesta quarta-feira (13), uma carta ao presidente argentino Alberto Fernández, exigindo que imponha sanções comerciais contra o Paraguai até que o caso seja investigado. 

Leia mais: Protestos exigem resposta sobre assassinato de crianças pelo Exército paraguaio

As duas meninas teriam sido capturadas com vida, no dia 2 de setembro de 2020, e assassinadas posteriormente, na localidade de Yby Yaú, região de Concepción, pelas Forças de Tarefas Conjuntas (FTC), em uma operação elogiada pelo presidente paraguaio Mario Abdo Benítez. 

A família Villalba Ayala é conhecida por dirigir o Exército do Povo Paraguaio (EPP), uma organização guerrilheira, de orientação marxista-leninista, criada em 2008, como braço armado do partido Pátria Livre. Por conta da perseguição do Estado, alguns membros da família, que não fazem parte do grupo insurgente, vivem há dez anos na região de Puerto Rico, estado de Misiones, norte argentino. 

As crianças haviam viajado para o Paraguai em setembro para conhecer seus pais. Depois do episódio, Laura Villalba, irmã mais nova de Carmen Villalba, de apenas 19 anos, foi presa no dia 24 de dezembro, em Cerro Guasu, estado paraguaio de Amambay. Permanece em um quartel militar do Comando de Operações de Defesa Interna (CODI), acusada de supostamente recrutar crianças para a luta armada. 

Na mesma ação foram mortos Esteban Marín López, Rodrigo Argüello e Lucio Silva, supostos dirigentes do Exército do Povo Paraguaio (EPP).

Emboscada

Na emboscada militar, cinco menores de idade da família Villalba foram detidos. Três conseguiram fugir. Duas delas, Tania Tamara e Tamara Anahí, jovens de 14 anos, conseguiram retornar à Argentina e, na última quarta-feira (13), ofereceram declarações ao comitê de defesa da criança e do adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU), denunciando a violência do exército paraguaio. 

María Carmen e Lilian Mariana Villalba foram assassinadas, seus pertences queimados e seus corpos enterrados em uma vala comum. Ainda em 2020, quando se soube da desaparição e falecimento das crianças, movimentos de esquerda lançaram a campanha #EranNiñas (eram meninas) para denunciar o abuso militar.

Depois da pressão internacional, os cadáveres foram exumados e entregues a familiares na região de San Pedro, território paraguaio. 

Carmen Elizabeth Oviedo Villalba, "Lichita", de 14 anos, foi a terceira adolescente que fugiu das forças de segurança paraguaias, mas tudo indica que voltou a ser capturada em novembro. A adolescente permanece desaparecida desde o dia 30 de novembro. 

Somente no dia 26 de dezembro, o Ministério Público do Paraguai determinou uma operação de busca de Carmen Elizabeth. 


Carmen Elizabeth Villalba, a "Lichita", adolescente de 14 anos e filha do casal de comandantes do Exército do Povo Paraguaio, permanece desaparecida desde novembro de 2020. / DiarioAR

Lichita é filha de Carmen Villalba e Alcides Oviedo, comandantes do EPP, presos há cinco anos, acusados de associação criminosa e sequestro, em 2001.

O filho mais velho de Carmen e Alcides, Néstor Villalba, também foi morto, produto de um envenenamento, em 2010, na localidade de Formosa, Argentina. 


Mariana de Jesús Ayala López, avó das duas meninas assassinadas diz que elas não faziam parte da guerrilha. / Resumen Latino

Perseguição

As Forças de Tarefa Conjuntas (FTC) são uma unidade do exército, criada em 2013. Atuam nos estados de San Pedro, Concepción e Amambay e foram criadas para combater o EPP. Plataformas de defesa de direitos humanos acusam a Força de Tarefas Conjuntas de sistematicamente cometer violações a direitos humanos e assassinatos "por encomenda". O exército paraguaio admitiu que realizou atividades de "inteligência" no território argentino.

"Estamos falando de um Estado terrorista, não de um Estado de direito", declarou Laura Taffetani, da associação de Advogados e Advogadas de Argentina.  

O comandante das Forças de Tarefas Conjuntas, general Héctor Grau acusou a Argentina de ser uma "creche de soldados do Exército do Povo Paraguaio". 

No dia 4 de setembro de 2020, o chanceler argentino Felipe Solá emitiu um comunicado, rechaçando "expressões injustificadas" do presidente paraguaio Benítez e do chefe das FTC e demandou a identificação dos responsáveis pelas mortes. 

Já no dia 6 de janeiro de 2021, o Ministério de Relações Exteriores da Argentina enviou outra nota à embaixada paraguaia na capital Buenos Aires. O chefe de gabinete da chancelaria argentina, Justo Chaves, defendeu que "existiu uma ação absolutamente desmedida das forças militares do Paraguai, enquanto as autoridades falam de um suposto enfrentamento". 

Crime de lesa humanidade

A desaparição de pessoas é considerada um crime de lesa humanidade sem prescrição. A seção da ONU do Paraguai apoia que seja realizada uma autopsia para determinar detalhes da morte das duas crianças e pediu relatório sobre o caso ao governo paraguaio. O Executivo paraguaio não entregou o relatório à ONU e se negou-se a permitir uma nova autópsia, afirmando que duvidava da nacionalidade das duas meninas, apesar de o Estado argentino ter apresentado a documentação necessária.


O presidente paraguaio Mario Abdo Benítez elogiou o operativo das Forças de Tarefas Conjuntas, que assassinaram as duas argentinas de 11 anos. / Hoy

Uma delegação de advogados argentinos que viajou ao Paraguai para verificar a situação acusou que todo o período foi acompanhada por um grande operativo militar das FTC. A Cruz Vermelha foi impedida de realizar buscas na região onde as crianças foram capturadas. 

Por isso, a defesa da família Villalba solicita às autoridades argentinas e à ONU que intervenham para que o mandatário paraguaio permita a entrada de uma nova comitiva com especialistas. 

"Segundo repasses de companheiros que foram ao Paraguai tratar de localizá-las, sabemos que o Estado Paraguaio não está organizando operações de busca", afirmou Laura Taffetani, do grêmio de Advogados e Advogadas de Argentina. 

"É um assunto de direitos humanos, não de tratados bilaterais de mútua cooperação. Estamos falando de um não cumprimento flagrante de direitos humanos: o assassinato de duas meninas de 11 anos e o desaparecimento de outra de 14 anos", declarou Marisa Graham, representante da Defensoria de Crianças e Adolescentes da Argentina.

 

Edição: Rogério Jordão