O fim da produção de automóveis Ford no Brasil, anunciado pela multinacional estadunidense no início da semana, terá consequências para toda a cadeia produtiva. Fornecedores de itens automotivos que adequavam parte da sua produção às exigências da montadora devem ser os primeiros impactados. É o caso de uma unidade da fabricante italiana de pneus Pirelli em Feira de Santana (BA).
Com 1,3 mil funcionários, a quase 100 km da unidade da Ford que será fechada em Camaçari (BA), a Pirelli produzia seis medidas de pneus com exclusividade para a multinacional, que está de saída.
“A Pirelli tem entre 35 e 40 funcionários dentro da Ford, que montam esses pneus lá mesmo. A perda já começa daí, porque fechando vai ser inevitável [demiti-los]. Essa mão de obra já vai ficar vaga”, lamenta Oberdan da Silva Cerqueira, presidente Sindicato dos Borracheiros do Estado da Bahia (Sindborracha-BA).
Em todo o estado, a estimativa é de 60 mil vagas fechadas.
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Segundo o representante dos trabalhadores, cerca de 10% de toda a produção da Pirelli de Feira de Santana era destinada à Ford.
“Se você deixa de fornecer, automaticamente vai sobrar mão de obra”, enfatiza. “Mas vamos ver se surge alguma escapatória para a gente manter os empregos.”
A reportagem entrou em contato com a Pirelli para confirmar os dados informados pelo Sindborracha-BA e entender quais os impactos imediatos da saída da montadora. A assessoria de comunicação da fabricante de pneus respondeu por telefone que não divulga números dessa natureza e que a entidade mais indicada para falar sobre as consequências para a cadeia de fornecimento é a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip).
O Brasil de Fato entrou em contato com a Anip, que respondeu por meio de nota.
“A Anip informa que suas associadas estão bem dimensionadas para atender às necessidades da retomada da atividade automobilística. O setor segue operando normalmente e os consumidores continuarão a contar com os pneus no segmento de reposição no Brasil. No entanto, o setor reforça a importância de que os governos tratem com senso de urgência a criação de um ambiente de negócios mais competitivo”, diz o texto.
Cenário já era difícil
Cerqueira ressalta que o anúncio da Ford agrava um cenário que já era delicado, em decorrência da covid-19.
“Quando a veio a pandemia, a Pirelli deu férias coletivas de um mês. Em seguida, veio a suspensão de contrato, por quatro meses”, lembra. O sindicalista observa que a empresa garantiu os direitos previstos em lei, pagou 30% do valor dos salários e respeitou o acordo para não demitir em meio à pandemia. A produção foi retomada em setembro.
O clima entre os trabalhadores é de apreensão, uma vez que começam a surgir rumores de que a crise no setor automotivo deve se agravar.
“Muitas montadoras já estão anunciando a possível saída. Então, estamos preocupados, sim. Já tem o problema da pandemia, e o problema do desgoverno que está aí”, analisa Cerqueira.
A Pirelli também produz pneus originais para montadoras como Fiat, Jeep e Toyota.
A esperança dos trabalhadores, hoje, é que investidores chineses assumam a fábrica de Camaçari (BA) e mantenham a produção, evitando demissões. A ideia foi acenada pelo governador Rui Costa (PT) e acolhida dentro da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
“O governo que está aí diz para o pessoal não tomar vacina da China. Mas, no lugar da Ford, dizem que vão trazer uma empresa chinesa. É interessante essa contradição”, ironiza o sindicalista.
Edição: Mauro Ramos