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Vozes feministas para mudar o mundo: conheça o novo portal Capire

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O que dizem e fazem as mulheres em luta ao redor do mundo nos inspira, também, a traçar nossos caminhos aqui no Brasil - SOF
As publicações mostram que os passos das mulheres revolucionárias vêm de longe

Por Helena Zelic*

O ano de 2021 se inicia com grandes desafios para as mulheres e os povos do mundo, devido aos efeitos da pandemia e do neoliberalismo sobre a saúde, o trabalho e a sustentabilidade da vida. Estamos em um momento crítico, onde precisamos lutar pela sobrevivência e enfrentar os ataques não só do vírus, mas dos poderosos que nos violentam, criminalizam movimentos e comunidades inteiras, destroem e vendem a natureza e tornam nossas vidas mais precárias.

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Por todos esses motivos, 2021 exige das mulheres muita organização e radicalidade para propor horizontes coletivos de transformação. As mulheres em movimento ao redor do mundo têm cumprido um grande papel ao apontar alternativas que colocam a vida no centro das preocupações, indo na contramão do capitalismo e seu programa de morte.

É nesse contexto que surge o portal Capire. Capire é uma página virtual de conteúdo feminista internacional, organizada pela Marcha Mundial das Mulheres em diálogo com organizações aliadas, como Via Campesina e Amigos da Terra. O nome do projeto resgata a música de lançamento da Marcha Mundial das Mulheres, no ano 2000, cantada em 24 idiomas por mulheres de diferentes partes do mundo. Capire significa “compreender”.

Esse instrumento de comunicação popular pretende visibilizar as lutas e processos organizativos nos territórios e fortalecer referências locais e internacionais do feminismo. É mais uma dentre as muitas alavancas para a ação feminista, popular, antirracista e anticapitalista ao redor do mundo. Movimento, economia feminista, justiça ambiental, soberania alimentar, desmilitarização e autonomia são os eixos escolhidos para orientar o conteúdo, entre artigos de análise política, entrevistas, relatos de experiência e cultura, tudo traduzido em português, espanhol, francês e inglês.

As publicações mostram que os passos das mulheres revolucionárias vêm de longe. E mostram também que as reflexões e práticas feministas, coletivas e militantes carregam consigo respostas necessárias para enfrentar esta conjuntura violenta e moldar um novo mundo, pautado pela vida e não pela ganância. As alternativas das mulheres se apresentam em forma de solidariedade, de cuidado, de mobilização, de formação e até mesmo em forma de poesia, como é o caso de “Mulher exausta”, de L’Encre des Étoiles, e “Síntese II (poemas de Bukavu)”, de Judite Canha Fernandes.

A entrevista com a ativista palestina Ruba Odeh expôs a realidade da vida e da luta das mulheres na região sob a ocupação colonialista do Estado de Israel. “Estamos fazendo da luta feminista uma fonte primária para as lutas dos povos pela libertação”, disse ela. Também articulando a luta pela autodeterminação dos povos e o feminismo, o texto de Najat Khayya denuncia a ocupação marroquina na República do Saara Ocidental e o poder das empresas transnacionais em seu território.

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Em entrevista, Cindy Wiesner, diretora executiva da Grassroots Global Justice Alliance, falou sobre as lutas nos EUA contra o trumpismo, o racismo e o patriarcado. Mesmo tendo sido feita em dezembro de 2020, a entrevista dá pistas importantes para entender o processo em curso hoje nos EUA, que envolve a invasão do Capitólio e o posterior pedido de Impeachment de Donald Trump.

O exemplo do anti-imperialismo da Venezuela e de Cuba foi relatado nos artigos de Alejandra Laprea e Elpidia Moreno, respectivamente. Os textos são transcrições de suas contribuições em seminário realizado durante a Semana Internacional de Luta Anti-imperialista. Alejandra e Elpidia mostram o papel das mulheres na reorganização dos cuidados e na prática da solidariedade, que é, na prática, uma alternativa contra o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos e outros países do Norte Global.

A luta feminista tem sido, inclusive, força motriz dos levantes populares na América Latina. Os recentes processos eleitorais no Chile e na Bolívia são exemplos bonitos de que só a luta muda a vida e de que o neoliberalismo não pode ter vez em nosso continente. Em vídeo, Danixa Navarro, Laura Capote e Lupe Perez falaram sobre a participação das mulheres nas mobilizações.

As mulheres também são sujeitos políticos fundamentais na construção da soberania alimentar. É nesse sentido o relato de Sefu Sani, da Marcha Mundial das Mulheres no Quênia, sobre o que é necessário para os países africanos alcançarem a soberania alimentar. Dentre os desafios, ela menciona “o excesso de dependência da cidade em relação ao campo para a produção de alimentos, a migração da maior força de trabalho para áreas urbanas em busca de empregos de colarinho branco, a ideia de que a agricultura é uma atividade ‘atrasada’, ‘indigna’ ou ‘retrógrada’, as mudanças climáticas e a ignorância dos métodos agrícolas modernos”.

Visibilizar sínteses políticas transformadoras é uma tarefa de Capire junto com as mulheres organizadas e em movimento. Por isso, relatos como o do processo de construção da Escola Internacional de Organização Feminista Berta Cáceres são importantes. A Escola é um espaço em construção, de formação política entre militantes de movimentos sociais de vários lugares do mundo. E, assim como na Escola, em Capire “as participantes são também os sujeitos políticos sobre os quais se formula reflexão e debate”.

O que dizem e fazem as mulheres em luta ao redor do mundo nos inspira, também, a traçar nossos caminhos aqui no Brasil, e a conectar o local e o global com uma visão antissistêmica. Faz parte do nosso internacionalismo militante, da solidariedade permanente e da construção de forças para enfrentar o capitalismo racista e heteropatriarcal.

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Damos as boas vindas a 2021, construindo esperanças e lutando para que seja um ano melhor do que 2020. E desejamos vida longa às mulheres em marcha e ao portal Capire, que já está publicando novos conteúdos após seu lançamento. Convidamos todas e todos a acompanhar as novidades por boletim eletrônico, lista de Telegram e redes sociais (Twitter, YouTube, Instagram e Facebook).

*Helena Zelic compõe a equipe da SOF Sempreviva Organização feminista e é militante da Marcha Mundial das Mulheres.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rogério Jordão