CONFLITO FUNDIÁRIO

Canção aborda a vida de camponeses jurados de morte em Pernambuco

Cantora e compositora Marília Parente pede solução para o caso e garantia de segurança aos camponeses

Ouça o áudio:

Marília dá visibilidade ao caso do Engenho Fervedouro, onde vivem 70 famílias sob ameaças de latifundiários - Cláudia Parente / Divulgação

Aos 26 anos, a cantora e compositora Marília Parente lança a canção-reportagem “Para La Tierra Volver”. Ela conta a história de camponeses jurados de morte e em situação de conflito fundiário no Engenho Fervedouro, em Jaqueira, na Zona da Mata de Pernambuco.

Pouco difundido no Brasil, o termo canção-reportagem, segundo Marília, é a narração musical de fatos ou estórias.

“Na verdade nada mais é do que contar a história, os fatos, e transformá-los em canção. Bob Dylan tem isso com Hurricane, que conta a história de um boxeador. Narrativas que nem sempre são reais. Algumas são ficcionais, outras são reais. Essa narrativa que eu conto é real, pulsante e presente”, explica. 

A história contada ainda está em curso e transformou a realidade da Zona da Mata Sul de Pernambuco. Uma lista com dez nomes foi divulgada de forma anônima, anunciando a morte de agricultores. 


No Engenho Fervedouro (Jaqueira), cerca de 75 famílias posseiras vivem sob tensão e ameaças / CPT PE

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, a região é apontada como o maior e mais perigoso caso de conflito fundiário no estado de Pernambuco em 2020. As famílias do Engenho Fervedouro e de comunidades vizinhas enfrentam o conflito com a empresa Agropecuária Mata Sul S/A, ligada a empresários do setor sucroalcooleiro e políticos.

“Eu pude ir lá, conversei com algumas pessoas da comunidade e descobri que tem uma lista de dez camponeses jurados de morte. Um desses camponeses jurados de morte se chama Edeilson, que levou sete tiros em uma emboscada, de moto. É assim que a música começa, contando a história dele, dessa emboscada. Ele era o primeiro dessa lista de pessoas juradas de morte e não morreu”, diz a cantora.

Apontado como o primeiro jurado de morte, o camponês Edeilson Alexandre sofreu uma emboscada em 16 de julho de 2020. Alvejado por sete tiros, as balas atingiram mãos, costas e nádegas. O agricultor sobreviveu, mas a comunidade vive a apreensão de que a situação pode se repetir a qualquer momento.


Essa é a primeira composição de cunho político-social de Marília, que pede solução para o caso / Hugo Coutinho / Divulgação

Jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com passagem pelo movimento RUA, essa é a primeira composição de cunho político-social de Marília Parente, que diante do desmonte de políticas públicas do governo Bolsonaro e incentivo à violência contra camponeses, se viu na necessidade de contar a história por meio da música.

 “Eu sou uma cantora que vem do forró, da música nordestina, do sertão, e aí passei para o rock’n roll, na doideira, na loucura, e aí depois eu me amansei. A realidade estava urgente demais para eu continuar na psicodelia, ela me empurrou para isso, eu fui empurrada a esbarrar musicalmente. E Edeilson é como eu falei em outra entrevista: se eles queriam ele morto, eu queria ele imortal”.

Pernambucana, a cantora reforça que a sociedade precisa cobrar solução para o caso, com a desapropriação da área e a garantia de segurança aos agricultores.

“É uma indignidade com o trabalhador que vive da terra, que nasceu, cresceu e vai morrer na terra. Não existe justificativa para isso, ainda mais em um terreno que deveria ser desapropriado, porque existe uma dívida ali. E a gente aguarda, enquanto sociedade civil, enquanto cidadãos, a resolução. A gente não pode conviver com esse tipo de violação”, destaca a compositora.    

Além de Marília Parente, participam os músicos Antonio Nolasco, Rodrigo Padrão, Rodrigo Cm e Caio Wallerstein. A canção já está disponível nas plataformas digitais.

Edição: Douglas Matos