No dia 9 de janeiro de 1927 nascia Rodolfo Jorge Walsh, que completaria 94 anos este ano. Escritor, militante e notável jornalista argentino, deixou no país um legado que até hoje é referência literária e histórica.
Seu compromisso social e seu apurado instituto investigativo o levaram a combater o cerco informativo durante a ditadura militar, a envolver-se na espionagem internacional e escrever contos e reportagens que revolucionaram a forma de fazer jornalismo na América Latina.
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Sua grande obra, o livro Operação Massacre, é uma síntese dessa trajetória. Enquanto jogava xadrez em um bar, mas de ouvidos atentos, escutou a conversa de uma mesa próxima a frase: "há um fuzilado que vive".
A conversa referia-se ao fuzilamento de rebeldes contra a ditadura no lixão de José León Suárez, em Buenos Aires, em 1956. Walsh parte, então, para uma jornada investigativa que seria publicada em partes em uma revista e, em 1957, em livro.
Isso faz de Walsh um inaugurante do jornalismo investigativo no continente e antecessor de Truman Capote, considerado como fundador do gênero pela publicação de "A sangue frio" em 1966.
Não posso, nem quero, nem devo renunciar a um sentimento básico: a indignação diante do massacre, da covardia e do assassinato.
Rodolfo Walsh
"Essa investigação é realmente impressionante", destaca Felipe Pigna, historiador e difusor cultural renomado na Argentina. "Nessa obra, é possível ver como, além de um grande escritor e jornalista, Walsh era um notável investigador, com uma sensibilidade muito particular e que sabia como plasmá-la – o que tem a ver com o fato de que ele era também um grande leitor de ficção policial", conta Pigna.
Na introdução de Operação Massacre, o historiador e escritor Osvaldo Bayer, falecido em 2018, disse sobre seu amigo Walsh: "suas melhores qualidades literárias foram alma e humanidade." Em entrevista concedida à TeleSUR, definiu o jornalista como "o melhor de todos da nossa geração".
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Da ultradireita católica ao peronismo sindical
Além de seu trabalho investigativo, Walsh teve ações políticas que marcaram sua história, como seu período em Cuba e as grandes colaborações ao lançar agências de notícias e jornais que ofereciam narrativas alternativas sobre a região e a classe trabalhadora.
Em Cuba, lançou a agência de notícias Prensa Latina, ao lado de figuras como Gabriel García Márquez. O objetivo era confrontar a desinformação promovida por agências de notícias norte-americanas, apresentar informações e outras perspectivas sobre a Revolução Cubana.
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Ele também colaborou com a revolução ao decodificar mensagens criptografadas entre a CIA e a tropa de cubanos exilados, na tentativa de invasão que ficou conhecida como a Invasão da Baía dos Porcos, em 1961.
Também nos tempos da ditadura, inaugura a Agência de Notícias Clandestina, que tentava informar a população com folhetos distribuídos em meios de transporte, quando a maioria dos meios de comunicação seguiam a narrativa militar.
Mas nem sempre a trajetória política do jornalista argentino esteve a esquerda. Walsh foi criado no ultradireitismo católico, e teria comemorado a queda de Juan Domingo Perón em 1955, com o golpe militar. "Walsh vinha de uma família irlandesa muito católica", conta Pigna. "Formou-se em um colégio católico, mas logo aproximou-se de grupos católicos que se afastavam da ultradireita, a Aliança Libertadora Nacionalista. Depois, torna-se completamente crítico a esses grupos e toma uma postura oposta às origens políticas da sua adolescência."
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"A viagem a Cuba o impacta profundamente. Ele se aproxima, então, do peronismo, fundamentalmente dos setores sindicais", afirma o historiador. Walsh fundou o jornal da Confederação Geral do Trabalho, em plena ditadura, em 1968. Com uma linguagem simples, o periódico era destinado aos trabalhadores, com o objetivo de elevar o nível político da classe trabalhadora.
O último escrito
No dia 25 de março de 1977, Walsh publicou a "Carta aberta de um escritor à Junta Militar", endereçada ao governo interino do general Jorge Rafael Videla e assinada por ele. O documento denunciava com dados os crimes cometidos na ditadura militar, começando pela censura midiática, passando pelas políticas econômicas que geraram aumento significativo da miséria no país e a quantidade de assassinados e torturados pelo exército.
"O que vocês chamam acertos são erros, os que reconhecem como erros são crimes e o que omitem são calamidades", escreveu Walsh.
A carta foi seu último escrito. Dias depois, ele se tornaria mais um desaparecido pela ditadura militar argentina.
"É uma carta muito potente e um modelo de como fazer jornalismo na clandestinidade em circunstâncias tão adversas", diz Pigna. "É uma escrita que convida ao pensamento, a rebelar-se contra o monopólio informativo e contra esse formato de sociedade que ainda se apresenta hoje, por outras vias, na segunda década do século 21."
Edição: Marina Duarte de Souza