Em meio à corrida pela produção e distribuição da vacina em todo o mundo, uma questão vem à tona: por que a Fundação Ezequiel Dias (Funed), vinculada ao SUS (Sistema Único de Saúde) e pertencente ao estado de Minas Gerais, não produz imunizante contra covid-19? Para a médica Ana Maria Teixeira, que trabalha no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (Crie), ligado à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a Funed tem capacidade científica e profissional para isso, mas faltam direcionamento e incentivo do governo estadual.
“Não tem interesse político, ou é por desconhecimento do governo da importância da Funed neste cenário de pandemia. A Funed sempre foi importante, mas nos últimos anos ela está sendo sucateada. Mesmo assim, a Funed tem um parque tecnológico e um grupo de pessoas altamente capazes de assumir esse compromisso de desenvolver uma vacina junto com o Butantan e com a Fiocruz”, aponta.
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Na mesma linha de pensamento, o vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais, Ederson Alves da Silva, analisa que o governo estadual, no início da pandemia, seguiu a lógica de Jair Bolsonaro (sem partido), negando a ciência, não adotando medidas mais rigorosas de prevenção ao coronavírus e atacando as instituições públicas.
“Zema poderia ter valorizado a Funed. Temos expertise, temos excelentes profissionais no SUS [Sistema único de Saúde], inclusive o Butantan pertence ao SUS. Se Minas Gerais tivesse um governador que investisse e incentivasse a produção da vacina, aqui poderia ter produção para a população”, lamenta.
Estrutura
A Funed conta com mais de mil trabalhadores, considerando servidores concursados e terceirizados. Na área fabril, ela concentra em torno de 300 funcionários com alta capacitação técnica e científica. As fábricas são equipadas e possuem equipamentos e instalações modernas. Atualmente, ela é a única responsável por fornecer a vacina contra a meningite C para o Ministério da Saúde, produzida a partir de transferência de tecnologia com uma empresa privada internacional.
Ou seja, contando a infraestrutura e a capacitação de profissional, seria possível, segundo um trabalhador da Funed que preferiu não se identificar, a participação da Fundação na produção da vacina. “A Funed conseguiria fazer todas as etapas do processo produtivo? Não, mas faria a maior parte das etapas em parceria com outros laboratórios”, aponta.
No entanto, segundo o funcionário, seria necessário mais investimento do Estado, já que no ano passado a Funed obteve um superávit de R$ 700 milhões, arrecadados com a venda de medicamentos e vacinas, que foram depositados no caixa único de Minas Gerais.
Mobilização
Para pressionar o governo estadual, o coletivo Lindalva das Graças – formado por militantes do PT e ativistas sociais de Minas Gerais – lançou, na quinta (21), um abaixo-assinado em defesa do protagonismo da Funed na produção de vacinas contra a covid-19. O texto, direcionado ao governo de Minas Gerais, à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais critica o Executivo por seguir a “trilha caótica que se vê no nível federal de governo, na expectativa de algum milagre que supra a demanda de cobertura vacinal de, pelo menos, 70% de nossa população em 2021”.
Resposta
Embora o governador Romeu Zema tenha afirmado, em entrevista nesta semana, que há uma intenção de que a Funed fabrique vacina contra a covid-19 no futuro, a Fundação respondeu ao Brasil de Fato MG que, desde julho de 2020, está em contato com empresas para tratativas relacionadas a parcerias para o desenvolvimento de vacina. Foram assinados memorandos, mas que não têm valor de contrato.
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Além disso, a Funed afirma que a “produção de vacinas é um trabalho complexo” e que a implantação de uma linha de produção de vacina contra a covid-19 depende de “conhecimento robusto do processo produtivo do imunizante a ser produzido”. E que, somente depois da escolha do imunizante é que “será possível avaliar se a Fundação dispõe ou não da infraestrutura física e humana para atender à demanda”.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais foi questionada sobre o assunto, mas não respondeu até o fechamento da matéria.
O que é a Funed
Fundada em 1907, a Funed faz parte do SUS e é referência nacional e internacional na produção de vacinas e soros, e no desenvolvimento de pesquisa científica. Com parques tecnológicos bem equipados, produz com exclusividade na América Latina a talidomida, medicamento usado no tratamento da hanseníase; é o único laboratório em Minas Gerais que produz soros antipeçonhentos, antitóxicos e antivirais, além de ser o único laboratório público fornecedor da vacina contra meningite C para o Ministério da Saúde.
Com 42 centros de análise que compõem o Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (Lacen-MG), a Funed é a responsável pela realização dos testes do coronavírus e pela autorização dos laboratórios para realizar os exames no estado. Desde o inicio da pandemia, pesquisadores da Funed já realizam diversas pesquisas sobre o coronavírus.
Vacinação em Minas Gerais
Assim como em todo o país, Minas Gerais começou na última semana a vacinação contra covid-19. Até agora foram contempladas pessoas de grupos prioritários, que são, a princípio, trabalhadores da saúde, pessoas idosas residentes em instituições de longa permanência e indígenas aldeados. Ao todo, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES), foram 577.480 doses da CoronaVac recebidas do Ministério da Saúde, todas distribuídas aos 853 municípios mineiros, conforme critérios do Programa Nacional de Imunização (PNI).
Cada pessoa deve receber duas doses para a imunização. Isso quer dizer que serão, neste primeiro momento, 275.088 pessoas vacinadas. Considerando a população mineira, que chega a quase 21,3 milhões de pessoas, conforme estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 1,3% será vacinado nesta primeira etapa.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida e Camila Maciel