Eu também sou do sul de Minas, de uma cidade que você não conhece
Um botequinho bem simplório, no bairro Anchieta, em Belo Horizonte, era frequentado por um grande amigo meu, o Heinz, geógrafo suíço que estudou na mesma época que eu na USP, onde fez também pós-graduação, e tornou-se professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Isso foi bem antes do ano 2000.
Leia também: Complexo de seriema
Um sábado, eu estava em Belo Horizonte e fui à tarde com o Heinz ao tal boteco. Perguntaram se eu era paulista, respondi que sou mineiro. “De onde?”, perguntou um sujeito que aparentava uns 60 anos e já tinha bebido várias doses de cachaça. “De um lugar que o senhor não conhece”, respondi. Depois de um pouco de conversa, contei que nasci em Nova Resende, no sul de Minas.
Ninguém ali conhecia nem tinha ouvido falar da cidade.
- Quais cidades têm perto da sua terra? - perguntaram.
Leia também: Bares da Vila Madalena
Sacaneando, citei várias cidades mais desconhecidas ainda, algumas delas falando o apelido, porque na minha região até as cidades têm apelidos: “Barro Preto, Ventania, Bom Jesus da Penha, Juruaia, São Pedro da União...”.
E o homem que aparentava uns 60 anos disse:
- Eu também sou do sul de Minas, de uma cidade que você não conhece.
Leia também: Promessas
Perguntei qual era e ele respondeu que era de Aiuruoca. Dei uma risada e falei:
- Conheço a sua cidade, terra de um grande poeta mineiro que infelizmente morreu sem conquistar a fama que merecia, o Dantas Motta.
Fiz um verdadeiro discurso, enquanto o sujeito me olhava espantado: “Eu tenho um livro dele, chamado “Epístola de Joaquim José da Silva Xavier aos Ladrões Ricos”.
Leia também: Festa na periferia
Era um poema só, com mais de cem páginas. Depois comprei “Elegias do País das Gerais”, obras completas do poeta. Tem um poema maravilhoso chamado “Guaicurus”, que fala dos prostíbulos que tinha nessa rua, quando ele estudou em Belo Horizonte. Perguntei: “O senhor deve ter conhecido o poeta, né?”
O homem desabou a chorar. Fiquei espantado. Depois que parou, contou que era genro de Dantas Motta e sempre dizia no boteco que seu sogro era um grande poeta, já falecido, mas ninguém ali acreditava. Nunca tinham ouvido falar “no tal de Dantas Motta”. Achavam que era conversa de bêbado.
E assim, com a minha ajuda, ele ganhou credibilidade. Gostei.
Edição: Daniel Lamir