Agradecimento, esta é a palavra que descreve o Parixara, ritual dos povos tradicionais de Roraima. Passado de geração em geração pelos povos Makuxi e Wapichana, as danças e os cantos são uma oração de agradecimento à terra, aos alimentos, aos animais, à natureza como um todo e à união.
“O Parixara se tornou um nome genérico para muitas músicas e danças, tanto Makuxi como Wapichana, que são praticadas há séculos por esses povos. Eu falo há séculos porque a gente tem referências e a gente tem uma memória ancestral dessas práticas. Entre os Makuxi, por exemplo, há também os Tukui, os Marapa, os Areruia, os Eremukon, os Simidin”, explica Ananda Machado, coordenadora do Programa de Valorização das Línguas e Culturas Indígenas de Roraima.
A professora leciona no curso Gestão Territorial Indígena do Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e estuda os cantos e danças Parixara.
De acordo com ela, poucas pessoas no Brasil conhecem ou já ouviram falar sobre o Parixara, mas na região Norte do país, a cultura originária permanece viva e forte. Ainda hoje, por conta da desinformação, muita confusão quando se fala dos costumes tradicionais indígenas no Brasil.
“Acabam chamando tudo de Parixara, como se qualquer canto e dança desses povos fosse Parixara. E na verdade é bem mais, tem várias categorias, é muito interessante, é muito rico, né. A quantidade de músicas, a quantidade de danças, de passos, de ritmos que existe é enorme e é a coisa mais maravilhosa".
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Ainda sobrea origem, Machado explica que "ela [a origem] é imemorial, porque essas músicas sempre tiveram a função de unir as pessoas entre elas e também entre o ambiente, os elementos da natureza. Essas músicas têm ligações com as histórias de cada um desses povos, tem a ver com as orações, enfim, então tudo é interligado. Com a capacidade de se comunicar com as plantas, com os animais e com os outros seres que povoam os territórios Makuxi e Wapichana”.
É possível que parte da cultura e dos costumes Parixara tenham se perdido no tempo, já que as comunidades indígenas vêm, há anos, sofrendo com influências de fora.
Para manter as tradições vivas, algumas comunidades, como a do Raimundão, organizam de tempos em tempos um Festival Parixara, além de ter bandas dentro das comunidades.
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Com o tempo, a tradição vem passando por uma ressignificação, tendo de ser criativa para manter a ancestralidade atualizada, lembrada e confraternizada. Hoje muitos professores de línguas indígenas, inclusive, criam novas letras Parixara para manter vivo o costume originário.
Indígena Makuxi, Cacilda da Silva, de 68 anos, nasceu na região da Serra, na Comunidade do Lilás e atualmente vive na Comunidade do Raimundão, no município de Alto Alegre.
Ela explica que antigamente os costumes eram repassados pelos anciões e as crianças tinham interesse em aprender e perpetuar sua cultura.
“Eu aprendi olhando e vendo como é que os idosos dançavam, como é que eles cantavam. Eu ficava olhando e escutando quando eu era criança. Então depois que eu fiquei com 30 anos eu aprendi cantar. Quando os idosos perguntavam se eu sabia cantar eu dizia 'eu sou neta dos antigos’, então eu até hoje eu canto, danço, Parixara”, explica.
Ela observava os passos de dança e de chocalho, acompanhando assim os mais velhos. Cacilda explica que era costume usar cocares, colares e fazer um ritual de abanar os mais idosos. A dança e os cantos em sua vida têm um papel muito importante, o de fortalecimento e valorização de suas raízes.
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Ananda Machado explica que há uma luta de anos para que essas tradições não se percam.
“Passa de avô pra neto, de pai pra filho, enfim, entre as mulheres também esses conhecimentos vão sendo repassados. A partir dos anos 1987, foram criados os Centros Regionais para valorizar as próprias culturas Nã Malacaheta e No Maturuka. E aí também essas práticas passaram a ser ensinadas nessas localidades, em casa e nas escolas indígenas. Às vezes ensinam a confeccionar os instrumentos, a vestimenta, as pinturas corporais. Então junto desse canto e dessa dança vêm tudo isso".
Ela relembra, ainda, que o Parixara também é um instrumento de luta para os Makuxi e os Wapichana.
"Eu lembro de um movimento indígena que fizeram na praça quando queriam negar a eles o direito de ter as suas especificidades garantidas na Secretaria de Educação, quem é que fechava a rua? O Parixara. Quem é que tava lá na frente? Então é uma prática que além de ter essa força de ligação com o que nós não-indígenas chamamos de sagrado, mas cada língua tem os seus nomes também para explicar esses sentidos, é um elemento de luta, é um elemento de identidade”, diz.
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Elementos da dança
Atualmente a palha retirada do olho do buriti é muito usada durante as danças, mas alguns grupos utilizam palhas num tom mais natural, enquanto outros pintam de amarelo ou usam a planta ainda verde.
As pinturas também carregam significados. A pintura Wapichana com letras "V", apontando para dentro, tem o simbolismo de união. E aí se pinta o rosto, os braços, as pernas. Há pinturas diferentes para crianças, meninas, mulheres e avós. A pintura é feita de acordo com o canto que vai ser trabalho. Além disso, há também enfeites de sementes amarrados nos tornozelos ou nos braços.
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E os som dos cantos e das danças vêm, também, desses enfeites corporais. Das sementes, dos colares, das saias de palha em atrito, dos bambuzinhos pendurados na cintura, dos bambus batendo no chão.
No passado, as comunidades confeccionavam também um chapéu de palha e sandálias com talo de buriti, mas estas prática nos dias atuais não é mais comum no dia a dia.
“Vamos nos alegrar juntos”: sobre o que falam as músicas
As letras do Parixara giram em torno da cultura, do viver em comunidade, das tradições, das comidas - damurida, caxiri, beiju, e da união dos povos.
“Tem Parixara que vai falar dos pássaros e aí a dança mexe os pés como se fosse o pé do pássaro. Tem Parixara que fala dos peixes, de um determinado período quando os peixes sobem o rio. Tem Parixara que vai falar da inajá, da palha, do buriti. As letras têm uma diversidade muito grande”, explica a pesquisadora.
Atualmente as danças são feitas nas aulas de línguas, nas aberturas e intervalos de eventos, nas competições de Parixara, nas praças como elemento de luta, em escolas indígenas e não-indígenas, em eventos não-indígenas quando são convidados pra ressaltar a diversidade cultural de Roraima e etc.
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O ritual também é realizado em ocasiões especiais para receber quem chega às comunidades, é um momento em que todos se reúnem para celebrar a chegada de quem vem de fora.
Há também o Parixara de despedida, realizado quando se está indo embora em forma de agradecimento por tudo que foi compartilhado. “Quando eu termino de cantar tudo eu fico contente, eu fico animada quando eu canto, ressalta a indígena Makuxi, Cacilda da Silva
Edição: Douglas Matos