Por 4 votos a 1, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a liminar que permite à defesa do ex-presidente Lula (PT) o acesso irrestrito aos diálogos na última terça-feira (9).
Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Nunes Marques e Cármen Lúcia negaram um recurso apresentado por sete procuradores da República contra o compartilhamento das mensagens da chamada "Vaza Jato". A avaliação é de que eles não teriam legitimidade para apresentar o recurso e contestar o compartilhamento das mensagens, o que caberia à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Edson Fachin foi o único ministro a discordar da decisão, em um dia marcado por duras críticas aos métodos da Lava Jato.
“Um braço da Stasi brasileira”
O voto de Gilmar Mendes foi o mais contundente. O ministro aproveitou a ocasião para criticar, mais uma vez, os métodos da operação, sob coordenação do ex-juiz Sergio Moro.
A Receita Federal (RF), usada pela “República de Curitiba” para perseguir alvos, se tornou “um braço da Stasi brasileira”, disse Gilmar, em referência à polícia secreta da República Democrática Alemã (RDA), a Alemanha Oriental, no período da Cortina de Ferro.
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Segundo o ministro, o material tem potencial de comprometer até a integridade da PGR. “Se esses diálogos não existiram, os hackers de Araraquara são uns notáveis ficcionistas”, ironizou. “Ou nós estamos diante de uma obra ficcional fantástica que merece o Prêmio Nobel de Literatura, ou estamos diante do maior escândalo judicial da história da humanidade”, completou.
“Este modelo de estado totalitário que se desenhou teve a complacência da mídia”, completou o ministro. “Quero que fique muito claro o que estamos discutindo e o que ocorreu no Brasil. Porque agora já não é mais apenas o julgamento de um caso [o de Lula]. Vamos ser julgados nisso aqui é pela História. Se formos cúmplices deste tipo de situação, nós montamos um modelo totalitário”, disse.
Gilmar afirmou ainda que o “legado jurídico da 'República de Curitiba' envergonha os sistemas totalitários”, os quais, de acordo com ele, “não tiveram tanta criatividade”.
Novas mensagens
Ao terem o sigilo quebrado na semana passada por Lewandowski, as mensagens acabaram por confirmar a parcialidade e a relação ilegal entre o ex-juiz e os procuradores, fato que já havia sido demonstrado em uma série de reportagens do portal The Intercept Brasil. A defesa de Lula pretende utilizar o conteúdo para anular as condenações em segunda instância nos casos conhecidos como "tríplex" e "sítio de Atibaia".
Assim como a ministra Cármen Lúcia, Gilmar dirigiu palavras duras à subprocuradora Claudia Lima Marques, que defendeu os procuradores da Lava Jato. “É o futuro da procuradoria que está em jogo, a serem verdade essas mensagens”, disse o ministro, que acusou os métodos da força-tarefa de se assemelharem à tortura.
Repercussão internacional
No mesmo dia, o jornal The New York Times, um dos mais lidos do planeta, afirmou que o caos político, social e sanitário que o Brasil vive na atualidade teve participação direta da Lava Jato. Vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, ela se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil, segundo artigo assinado por Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) da Universidade Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos), na França. Confira (em espanhol).
Edição: Camila Maciel