Rio Branco (AC) – Centenas de imigrantes estão sendo impedidos de entrar no Peru. Haitianos, venezuelanos e povos de outras nacionalidades tentam deixar o Brasil, país recordista na América Latina de casos de Covid-19. Foi o que aconteceu neste domingo (14), quando um grupo de ao menos 350 haitianos, muitos são mulheres e crianças, tentou atravessar a tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru. A justificativa da polícia peruana é conter os casos de coronavírus, incluindo a nova variante brasileira, mas só gerou mais aglomeração colocando em risco a vida dos imigrantes.
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De acordo com a secretária de Assistência Social da cidade acriana Assis Brasil, Jhoanna Oliveira, até sábado (13), o município tinha sob seus cuidados 189 imigrantes abrigados em três diferentes locais: uma escola, uma casa alugada e no ginásio coberto. Entre as nacionalidades estão haitianos, venezuelanos, colombianos e africanos. “Quando foi 5 da manhã de hoje, todos os imigrantes que estão na cidade, incluindo aqueles que estão em hotel, foram para a ponte com a falsa esperança de que a fronteira seria liberada”, explica Oliveira. Ao chegar ao limite da fronteira entre os dois países, foram contidos pela polícia peruana.
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Os migrantes dizem que continuarão a ocupar a ponte binacional como forma de protesto, até que o governo peruano autorize a entrada dos estrangeiros. Como consequência, caminhões que estão no Peru carregados de mercadoria com destino ao Brasil ou à Bolívia estão impedidos de continuar o trajeto.
A cidade de Assis Brasil está localizada no limite com a província de Iñapari, departamento de Madre de Dios. É essa fronteira que foi palco de uma grave crise migratória no início da década passada, tomada por imigrantes haitianos tentando entrar no Brasil. Agora, eles fazem o movimento inverso.
“Eu moro há cinco anos no Brasil. Mas agora a gente está procurando uma vida melhor. A gente quer sair daqui para chegar ao México. Já estamos aqui tem cinco dias, mas as autoridades do Peru não querem deixar passarmos”, diz um haitiano que preferiu se identificar apenas como Desir. “Eu preciso chegar ao meu destino. Estamos aqui gastando dinheiro. A gente precisa trabalhar para mandar dinheiro para nossas famílias no Haiti.”
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A irmã Joaninha Honório Madeira, missionária da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), da Ordem da Imaculada Conceição, alerta para a situação explosiva. “Manter as fronteiras fechadas, num momento em que o país e o mundo vivem uma crise, é uma grande injustiça. O ideal seria liberar as fronteiras para que as pessoas passem. Eles querem apenas passar. Não querem ficar no Peru, não querem ficar no Brasil”, diz.
Joaninha está em Assis Brasil e afirma que as autoridades peruanas asseguraram que em até três dias podem autorizar a passagem de algumas pessoas. Mas, enquanto proíbe os imigrantes de seguirem o destino, o governo do Peru não oferece assistência. De acordo com a missionária, todo o apoio com alojamento e alimentação é oferecido pela prefeitura do município acriano.
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Além de haitianos, há imigrantes de países da África, que nesta última década também descobriram a tríplice fronteira chamada de Bolpebra (Bolívia, Brasil, Peru) como rota de entrada no país.
Segundo a secretária Jhoanna, o município de Assis Brasil opera no limite da assistência aos imigrantes. Em 2020, o governo federal enviou R$ 600 mil de auxílio, enquanto o estadual outros R$ 120 mil. Da verba federal, a prefeitura conta hoje com R$ 163 mil e R$ 53 mil do estado. “Se você considerar esse valor para utilizar na assistência a mais de 300 pessoas, e todo dia chegando mais gente, é uma conta que não fecha”, diz a secretária. A prefeitura vai aplicar mais recursos, agora para construir tendas sobre a ponte, já que os imigrantes prometem não sair de lá.
Um movimento inverso
Há dez anos, imigrantes haitianos faziam um movimento inverso por essa fronteira, fugindo do caos social e econômico causado pelo grande terremoto de 2010, que devastou a ilha caribenha. Com as tropas brasileiras liderando a missão de paz no Haiti, o Brasil foi a referência principal na busca de melhores condições de vida. O país vivia sob crescimento econômico, tornando-se atrativo para muitos imigrantes. Uma década depois, a situação é oposta, com 14 milhões de desempregados e nenhuma perspectiva econômica.
Seguindo o caminho inverso pela mesma Rodovia Interoceânica – cujo fim é Lima – os imigrantes querem agora deixar o Brasil para chegar aos Estados Unidos, atravessando a fronteira com o México. Outros ficam pelo próprio Peru, ou vão para Argentina e Chile. Por conta da pandemia da Covid-19, essa migração terrestre acabou sendo prejudicada.
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Até meses atrás, o Exército brasileiro também ocupava a fronteira entre Assis Brasil e Inãpari, no departamento de Madre de Dios, mas os soldados foram retirados. As forças peruanas permaneceram. Para burlar a fiscalização, muitos imigrantes entravam no Peru atravessando o rio Acre. Nos meses mais secos do verão amazônico, essa travessia pode ser feita até a pé. Como Assis Brasil estar nas cabeceiras do manancial, a cidade fica praticamente sem água nas partes altas.
Agora, com as intensas chuvas do “inverno amazônico”, o rio eleva seu nível. Assim, ir de um lado ao outro só é possível com embarcações, o que facilita o trabalho da polícia peruana. Quem é pego do lado de lá é devolvido para o Brasil. Sem condições de seguir a viagem pela Rodovia Interoceânica, os imigrantes ficam retidos em Assis Brasil.
Com mais e mais pessoas saindo de cidades como São Paulo, e o Peru mantendo a fronteira fechada, a tendência é de o número de imigrantes apenas aumentar, ampliando o risco de contágio da Covid-19, no momento em que o Acre enfrenta colapso no seu sistema de saúde com a superlotação de enfermarias e leitos de UTI.
Mulheres e crianças expostos ao vírus