A censura aos livros didáticos está na pauta de entidades ligadas aos ruralistas. Sindicatos rurais, associações de produtores e até a Frente Parlamentar da Agropecuária estão unidos para dar fôlego a um movimento que se assemelha, em método e objetivo, ao da Escola sem Partido.
A diferença é que, em vez de querer calar os professores e abolir o debate de ideias do processo educativo, representantes do agronegócio querem varrer dos materiais pedagógicos conteúdos que mostrem os impactos negativos da atividade.
Ou seja, se depender deles, serão banidos livros e apostilas que tragam textos e questões que mostrem que a maioria do desmatamento ilegal e das queimadas de florestas tem como finalidade ampliar a área dedicada à agropecuária.
Também querem que as crianças não aprendam sobre a devastação à saúde e ao meio ambiente provocados pelos agrotóxicos. Tampouco querem nas escolas o debate de questões relativas a conflitos agrários e à luta dos pequenos agricultores, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, assentados da reforma agrária e outros contra a invasão e a grilagem de terras.
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Agro vilão
Na última quarta-feira (10), a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso do Sul (Aprosoja/MS) lançou campanha para incentivar os pais a “avaliar” informações dos livros didáticos relativas ao agronegócio. Especialmente à agricultura. De acordo com a entidade, a ideia é verificar se o conteúdo “corresponde à realidade do setor e o contexto em que citam a agropecuária”.
“Em diversas ocasiões o agro já foi citado como vilão. Em outros casos, informações tendenciosas foram verificadas, desmerecendo a ciência e empenho do produtor rural. A expectativa para aumento da população mundial é um fato e alimentar esse contingente é papel da agricultura atualizada, responsável e tecnificada. Não podemos tolerar desinformação e acreditamos que podemos contribuir com o enriquecimento do conteúdo, para que crianças aprendam de fato, o papel dos homens e mulheres do campo”, disse em nota o presidente da Aprosoja (MS), André Dobashi.
Divulgada nas redes sociais da associação, a campanha de censura aos livros didáticos pretende atrair a atenção dos produtores rurais e moradores da zona urbana para o tema.
A entidade orienta os pais a fotografar os livros didáticos que julgarem “intoleráveis” e enviar aos seus cuidados. As fotos deverão ser acompanhadas do nome da editora e número da edição.
“Uma equipe técnica avaliará o conteúdo, que, caso esteja em dissonância com o que ocorre no campo, será enviado à editora e ao Ministério da Educação, na busca por esclarecimentos ou até mesmo sugestão de alteração”, diz a Aprosoja em nota.
“Queremos somar e nos mostrar presentes. A agricultura tem papel fundamental no meio social, econômico e ambiental. Qualquer informação de cunho ideológico e sem fundamento científico deve ser denunciada e retirada do material didático. Por isso, colocamo-nos à disposição”, disse ainda Dobashi.
Censura em marcha
A campanha vem dar visibilidade ao movimento “De olho no material escolar”, iniciado em 2020 por Helen e Letícia Jacintho, duas grandes produtoras rurais da região de Barretos (SP). Incomodadas com o conteúdo de livros e apostilas que criticavam impactos sociais, ambientais e econômicos da atividade agropecuária, pediram apoio de outros pais. O agrônomo Xico Graziano também entrou na marcha da censura.
No início de dezembro, representantes do movimento reuniram-se com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, em audiência virtual. O ministro, aliás, já havia recebido pedido formal de informações sobre “a utilização de ‘conteúdo ideológico’ em apostilas escolares para crianças do ensino fundamental”. O autor do pedido foi o deputado federal Jerônimo Goergen (Progressistas-RS), um dos mais influentes da bancada ruralista da Câmara.
Coordenador-adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo considera um perigo a tentativa de censura aos livros didáticos por grupos interessados na venda de venenos.
“Temo por ampliação nos danos à saúde e ao ambiente, causados pela desinformação e o uso abusivo de agrotóxicos que esta medida, se for tomada, tende a provocar”, disse.
Atentado
Para o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Marcos Pedlowski, trata-se de uma ingerência direta na autonomia didática que ainda se pode ter no Brasil.
“Ainda mais de um setor que claramente é causador de graves problemas ambientais associadas aos agrotóxicos e ao desmatamento. E a produção de soja está diretamente associada a graves problemas trabalhistas”, disse.
Pedlowski considera ainda tratar-se de uma tentativa de atentado contra qualquer chance a uma pedagogia minimamente crítica no Brasil. E especialmente em relação aos produtores de soja, que lançaram a campanha, disse que o setor deveria estar preocupado em produzir os grãos de maneira mais sustentável, sem causar tanto dando ambiental e à saúde humana.
“Eles deveriam estar preocupados em trazer uma visão mais positiva para o setor. Não vai ser bloqueando conteúdo pedagógico que vao melhorar a imagem. É um verdadeiro tiro no pé”, critica.