A nova etapa do auxílio emergencial, que deve ser oficializada esta semana após uma série de barganhas impostas pelo governo federal, é a última carta na manga do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diante da crise econômica agravada pela pandemia.
Após encerrar o pagamento das parcelas na virada do ano, o governo não propôs alternativas e se vê obrigado a retomar o benefício, que evitou uma queda ainda mais profunda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020.
Mestre em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), Matias Cardomingo ressalta que a equipe econômica de Bolsonaro trabalhou para que o valor das parcelas fosse menor.
“Em março do ano passado, Paulo Guedes [ministro da Economia] já admitia que deveria haver um auxílio emergencial, mas para ele o valor deveria ser de R$ 200, e apenas para trabalhadores informais”, lembra.
“O governo, como um todo, acreditava que seria possível gastar 5% daquilo que foi efetivamente gasto com o auxílio. Ou seja, a disposição do governo naquele momento de criar uma política capaz de sustentar a atividade econômica era ínfima.”
Depois de passar pelo Congresso Nacional, o valor inicial das parcelas foi elevado para R$ 600 em 2020.
Guedes é formado na Escola de Chicago, que tinha entre seus dogmas o corte de gastos públicos e o enxugamento da máquina pública. Ironicamente, no governo em que ele é ministro, o Brasil investiu mais em transferência de renda do que em toda a história do Bolsa Família.
Análise
Não é à toa que o governo tenta “surfar” na nova etapa do benefício, que segurou a aprovação de Bolsonaro acima dos 30% apesar do negacionismo diante da pandemia.
Por linhas tortas, graças ao auxílio, o Brasil atingiu, em plena crise sanitária, suas menores taxas de pobreza e desigualdade. Essa transferência de renda foi positiva para a economia como um todo.
Até junho de 2020, a menor projeção das instituições financeiras consultadas pelo Banco Central no Boletim Focus para a queda do PIB foi de 11%. Essa mínima passou a ser de 5% no boletim de janeiro de 2021.
As contribuições do auxílio para a economia brasileira estão descritas em um estudo intitulado Quão mais fundo poderia ter sido esse poço? Analisando o efeito estabilizador do Auxílio Emergencial em 2020.
Cardomingo é um dos autores do texto, ao lado de Marina Sanches e Laura Carvalho. Os três são integrantes do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Universidade de São Paulo (USP).
Por meio de simulações, os pesquisadores demonstram que, com um gasto equivalente a 4,1% do PIB de 2020, o auxílio foi responsável por evitar que a economia caísse entre 8,4% e 14,8%.
“Utilizamos nesse estudo o conceito de efeito multiplicador, que mede o impacto de mudanças na política fiscal sobre o PIB ao longo de determinado período”, explica Marina Sanches, doutoranda em Economia do Desenvolvimento na USP.
“As pessoas que estavam desempregadas e receberam o auxílio reverteram esse dinheiro em consumo. Por exemplo, compraram alimentos em um mercadinho. Então, o mercadinho, vendo que a demanda está crescendo, contrata mais pessoas. Essas pessoas contratadas também vão consumir, gerando mais renda, e assim por diante. Esse é o mecanismo do efeito multiplicador”, completa.
A pesquisadora afirma que o auxílio serviu como estabilizador da razão dívida/PIB não apenas pelo aumento no denominador, mas também por impedir uma queda ainda maior da arrecadação de impostos em meio à crise. “A gente estimou que 36% do total dos gastos com auxílio foi financiado com a receita que deixou de cair”.
Perspectivas
Os valores e a abrangência da nova etapa do auxílio emergencial ainda não foram definidos. Interlocutores do governo sinalizam que os pagamentos serão de até R$ 300, com metade do alcance de 2020.
Conforme simulação do centro de Liderança Pública (CLP), a retomada contemplaria até 95 milhões de pessoas a um custo mensal de R$ 8 bilhões, uma redução de 65% nos investimentos em relação ao ano passado.
Matias Cardomingo ressalta que o impacto na recuperação econômica também será menor do que em 2020, caso esses números se confirmem.
Para o pesquisador, o governo Bolsonaro recorre novamente ao auxílio emergencial porque não foi capaz de estabelecer outras medidas de enfrentamento às crises econômica e sanitária.
“O governo não fez o mínimo para que as pessoas voltassem a sair de casa, que é a vacinação. A vacina é a resposta para a gente conseguir superar essa pandemia”, ressalta.
O país imunizou menos de 3% de sua população contra a covid-19 até o momento. O impacto positivo do auxílio, em uma situação adversa como a pandemia, tem estimulado os debates sobre a possibilidade de implementação de uma renda mínima permanente no país.
Questionado sobre a viabilidade de uma medida como essa, Cardomingo responde com base em um estudo assinado pelos pesquisadores Laura Carvalho, Rodrigo Toneto e Theo Ribas, do Made, publicado há duas semanas. A ideia é que a política poderia ser custeada por meio da taxação do imposto de renda do 1% mais rico da população.
“Se o Brasil fosse um país de 100 pessoas, a gente enfileiraria essas pessoas da mais pobre à mais rica”, exemplifica. “É como se a gente fosse taxar só a última pessoa da fila, a mais rica de todas, e a gente conseguiria transferir para as 30 primeiras da fila R$ 125 por mês.”
Hoje, a “última pessoa da fila” ganha 13% da renda nacional, enquanto as dez primeiras ganham menos de 1%.
Segundo o mesmo estudo, cada R$ 100 transferidos do 1% mais rico para os 30% mais pobres geram uma expansão de R$ 106,70 na economia.
Edição: Leandro Melito