DESIGUALDADE

Nos EUA, a vacinação tem seguido a rota do dinheiro

Campanha de imunização mostra o abismo que separa ricos e pobres na nação mais poderosa do mundo

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |
Idosa recebe dose de vacina contra a covid-19 na Flórida, nos Estados Unidos - Octavio Jones/AFP

Segundo apurou a agência STAT News, especializada em assuntos médicos, a vacinação em território estadunidense acontece de forma desigual entre ricos e pobres. Na Califórnia, o estado mais rico e populoso do país, habitantes de regiões com maior poder aquisitivo são imunizados em uma taxa 56% maior. 

O padrão se repete em todas as áreas dos Estados Unidos, mas isso não é nenhuma surpresa para a médica e professora Renuka Tipirneni, da Universidade de Michigan. "O CEP de uma pessoa é mais determinante para sua saúde do que fatores genéticos, e foi preciso uma pandemia para trazer a seriedade dessa questão à tona", afirma.

A explicação para isso está nos "fatores sociais determinantes da saúde", que Tipirneni descreve como sendo o lugar onde um indivíduo nasce, cresce, trabalha e se diverte. "Todo mundo nasce inserido em um contexto social, que vai definir seu acesso a educação, oportunidades, alimentação saudável e tantos outros fatores que impactam em sua saúde física e emocional", afirma. "Então, quando eu vejo alguém no hospital, eu penso: 'eles vieram com essas condições, mas onde isso realmente começou?'". 
 
Ponderando todas essas variantes, a médica defende uma estratégia para a vacinação que leve em conta fatores de vulnerabilidade social. "Temos dados que comprovam que a taxa de infecção, hospitalização e mortalidade por covid é maior em áreas mais pobres, e acredito que essas informações têm que ser usadas para estruturar uma campanha de imunização adequada. São justamente essas áreas mais carentes que precisam de uma melhor distribuição da vacina", diz. 

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Para o economista Antonio Trujillo, especialista em saúde pública e professor da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, o esforço deve vir de todos os lados. "É preciso pensar na vacina, claro, mas também na infraestrutura, na equipe técnica e em tudo o que envolve a campanha de vacinação. Não se pode esperar que um posto seja montado em uma cidade interiorana, se o acesso àquele ponto, pela população local, é dificultado por outros fatores, como falta de transporte ou desafios geográficos", diz.

Trujillo lembra ainda que o esforço para colocar fim à pandemia tem de ser global. "Isolamento, agora, não é a solução. Não se pode 'curar' um único país, porque as pessoas vão viajar, vão se movimentar", explica. "Por isso, se eu puder deixar uma mensagem em alto e bom som, seria a de que países ricos precisam ajudar as nações mais pobres e acelerar a campanha de vacinação nesses territórios. Precisamos de globalização aqui".

De acordo com o Dr. Anthony Fauci, médico imunologista responsável por coordenar a resposta estadunidense ao novo coronavírus, para se atingir a tão sonhada imunidade de rebanho pela vacinação, seria preciso administrar doses em cerca de 80% da população.

Levando em conta esse dado, a Bloomberg calculou que, se mantivermos o ritmo atual, conseguiremos apenas chegar à imunização global em sete anos. Parte dessa demora tem a ver com uma estratégia egoísta colocada em prática por países mais ricos.

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O Canadá, por exemplo, assegurou mais doses per capita do que qualquer outra nação do mundo. Segundo o Washington Post, há até 9 doses de vacina por habitante canadense. 

Israel, o país mais avançado na campanha de vacinação, está sendo acusado de promover um "apartheid imunológico" ao recusar administrar doses em cidadãos palestinos. 

Para tentar equilibrar o sistema global e garantir vacinação a todos, a Organização Mundial da Saúde e outras organizações não-governamentais estruturaram a Covax, uma iniciativa que visa distribuir as vacinas de forma igualitária. O primeiro país beneficiado pela medida foi Gana, que recebeu na última terça-feira, 23 de fevereiro, 600 mil doses da AstraZeneca. 

Edição: Raquel Setz