Era Bolsonaro

Populismo, ultraliberalismo e linguagem fascista: os conflitos em torno da Petrobras

Conselho de Administração da estatal aprova assembleia para analisar a mudança no comando, como quer Bolsonaro

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Troca de comando na Petrobras: interesses nacionais e internacionais em jogo - Tania Rego / Fotos Públicas

Qual o significado da intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras? Na sexta-feira (19), para espanto do mercado, o chefe do Executivo anunciou que trocaria o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna. Segundo cálculos de consultorias amplamente alardeadas pela mídia corporativa, desde então a companhia sofreu desvalorização de aproximadamente R$ 100 bilhões. Parece evidente que a intervenção é uma jogada de marketing do presidente, dirigida a sua base eleitoral.

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Após o furacão, o interesse do mercado se voltou para reunião do conselho de administração da Petrobras, nesta terça-feira (23). A reunião durou o dia todo. Só no início da noite foi aprovada a convocação de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE). Na ocasião, a mudança no comando da empresa será analisada. Também serão eleitos os novos membros do colegiado.

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Ainda na tarde de hoje, Bolsonaro tratou de colocar panos quentes na crise. “Nós não temos uma briga com a Petrobras. Nós queremos, sim, que cada vez mais ela possa nos dar transparência e previsibilidade”, declarou. E tratou de negar que Paulo Guedes (Economia) esteja enfraquecido. Disse que o ministro é “uma das pessoas mais importantes” na luta contra a covid-19.

“Meter o dedo”

Após o anúncio da mudança no comando da estatal do petróleo, para supostamente combater a alta dos preços, Bolsonaro mira a Eletrobras pelo mesmo motivo: “Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema”, prometeu. Na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), assumiu o comando também para garantir celeridade à privatização da Eletrobras.

A irritação de vozes do mercado extrapolou a lógica. Por exemplo, o conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita, ligado ao sistema financeiro, chegou a dizer esta semana que Bolsonaro fazia “o primeiro flerte dele de mostrar que é comunista, assim como o PT”. Por parte de setores ligados ao mercado, há no momento uma “operação gigantesca para conter os danos e mostrar ao mundo que a política neoliberal continua”. A observação é de Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Uma dúvida é saber se Bolsonaro tem consciência sobre o que fez”, diz.

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Populismo ou mercado?

Porém, se a intervenção do presidente pode ser pontual, para agradar sua base eleitoral, é também evidente que é muito difícil equilibrar populismo com interesses do mundo das finanças. “O mercado evidentemente não vai jogar a toalha, há muitos interesses nacionais e internacionais”, avalia Giorgio. Já houve sinalização, por parte do vice-presidente, Hamilton Mourão, e do general Silva e Luna, de que um “fundo de compensação”, bancado pelos royalties do petróleo, poderia ajudar a “amortecer os aumentos” dos combustíveis, nas palavras de Mourão.

Uma solução como essa, ou o financiamento de um “preço social” do gás de cozinha, seriam soluções políticas para Bolsonaro apresentar à sua base eleitoral. Se conseguir um acordo pelo qual mantenha a política ultraliberal, mas na questão dos preços consiga uma estabilização, ele sai ganhando em popularidade, avalia o professor. “No fim, o mercado financeiro ficaria com a maior parte do bolo (privatização de estatais, refinarias ou mesmo da própria Petrobras), mas um pedacinho vai pelo populismo.”

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Embora o cenário esteja incerto, é notável que, desde o início de seu governo, o discurso de Bolsonaro é deliberadamente ambíguo e contraditório. Ele é conhecido por “esticar a corda e depois voltar atrás”. Em episódio recente, no mês passado, ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, que havia anunciado o fechamento de 200 agências – mas recuou. Já num caso envolvendo os Correios, em junho de 2019, demitiu o general Juarez Cunha – por criticar a ideia de privatizar a empresa – e  o trocou por outro militar da mesma patente, Floriano Peixoto Neto.

Projeto é reeleição

Para Giorgio Romano, no momento nada está excluído, já que o principal projeto do atual presidente é se reeleger. “Ele também é capaz de provocar um conflito com o setor econômico, com uma política voltada ao apoio popular. O que pode também significar – e esse é o medo do mercado – uma guinada para uma política nacional-populista” avalia. O caso da Petrobras mostra ainda que a militarização do governo Bolsonaro está avançando, mas o significado disso continua “nebuloso”, na opinião do analista.

Muita coisa depende de fatores circunstanciais. Por exemplo, há uma perspectiva de que, em um ano e meio, os preços do petróleo estejam mais altos. Isso pelo possível fim da pandemia de covid-19 e retomada das economias e da demanda, o que complicaria a vida de Bolsonaro. Desde o governo de Michel Temer, os preços dos combustíveis no país são atrelados às variações do mercado internacional.

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Mas, a curto prazo, o impacto da crise sanitária continua. Com o fim do inverno no hemisfério norte, a demanda por petróleo e gás diminui. Isso poderia ajudar a diminuir os preços e o problema do governo no momento. Mas suas dificuldades voltariam depois.

Linguagem fascista

Giorgio Romano destaca que o atual presidente é bastante diferente de Fernando Collor, com quem é erroneamente comparado. Quando o mercado perdeu a confiança em Collor, ele caiu. Mas Bolsonaro tem um governo militarizado e uma parcela da população organizada que o apoia, embora não seja maioria. “Quando ele vem com uma política de controlar preços, junto a uma narrativa de fazer isso pelo povo contra interesses financeiros, é o próprio fascismo em ação, ao usar os argumentos da esquerda contra a financeirização da energia. Não é que ele esteja fazendo isso mas, se fizer, vai ganhar em popularidade, evidentemente”, conclui o professor.

Uma das características do fascismo, conforme apontam estudiosos como o filósofo e historiador marxista Georg Lukács (1885-1971), é a comunicação direta com a população, ignorando o diálogo com as instituições. É essa prática e uso da linguagem que Bolsonaro sempre utilizou em seu governo e repete agora, no caso da Petrobras.