Covid na semana
O Brasil completou, nesta semana, um ano de pandemia, ao mesmo tempo em que ultrapassou a trágica marca dos mais de 250 mil mortos pela covid-19, atingida na última quarta (24). Enquanto os números de infecções e óbitos se multiplicam numa proporção geométrica, o país acumula, ao final deste período, uma série de outros problemas que se somam à estatística dos mais de 10,3 milhões de contaminados.
O conjunto envolve, por exemplo, carência de leitos de UTI em diferentes estados, falta de vacina para sair do ritmo lento de imunização – apenas 3% da população foram vacinados – e dificuldade de manutenção massiva dos hábitos de prevenção.
Nas últimas terça (23) e quarta (24), por exemplo, a taxa de isolamento social teve média de 32%. É o menor índice já registrado em um mesmo dia desde meados de março de 2020, quando a pandemia começou a se alastrar. Mensurado a partir da localização de GPS de 60 milhões de celulares no país, o dado é da startup In Loco.
Pensado a partir de referenciais sanitários e científicos, o isolamento social é considerado medida fundamental para a contenção do vírus. A médica de família Nathalia Neiva Santos, da Rede de Médicas e Médicos Populares, explica que o abandono desse hábito pode ser considerado fatal.
“Quanto mais pessoas circulando, maior é a transmissão desse vírus, e maior também é a possibilidade, como a gente tem visto, de se ter novas variantes, porque o vírus muda com muita frequência. É um vírus com grande capacidade de adaptação ao meio”.
Como consequência da baixa taxa de isolamento, a transmissão da covid no Brasil também chama a atenção. Segundo boletim do Imperial College, no Reino Unido, o índice estava em 1,02, o que significa que 100 pessoas contaminadas transmitem a doença para 102 pessoas que ainda não têm o vírus.
A marca vem combinada com uma série de outros elementos que circundam o cenário da pandemia no país. Já são, por exemplo, 37 dias consecutivos com número diário de óbitos acima de mil. É o intervalo mais longo com essa característica desde a chegada do novo coronavírus. O recorde anterior havia sido alcançado entre julho e agosto, quando o Brasil viveu 31 dias seguidos dentro desse patamar de mortes.
Paralelamente, gestores estaduais e municipais retornam à prática do lockdown ou de medidas semelhantes, ao mesmo tempo em que convivem com a realidade do governo federal, com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incentivando aglomerações e fazendo apelos permanentes pelo fim das medidas restritivas.
“É uma rede de fatores que interferiram pra gente chegar nesta má gestão da pandemia, que é uma das piores do mundo. A gente sabe que o sistema de saúde vinha passando por um processo crônico de desfinanciamento, com redução de leitos de UTI, e a gente chega neste momento em que não tem leito para todos”, ressalta Nathalia Neiva Santos.
A menção da médica encontra referência nos números. Em 2019, por exemplo, primeiro ano da gestão Bolsonaro e ano anterior ao da pandemia, a área da saúde perdeu R$ 20 bilhões. A redução é consequência direta do Teto de Gastos, aprovado em 2016 com previsão de enxugamento das despesas sociais durante 20 anos.
A política vem sendo mantida pela gestão Bolsonaro, que, em novembro de 2020, nove meses depois da chegada oficial do coronavírus ao país, não havia executado cerca de R$ 5,6 bilhões previstos para a contenção da pandemia naquele ano. A denúncia partiu do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que vem fazendo seguidos alertas e pedindo a queda do ajuste fiscal.
“Por isso o que a gente precisa neste momento é aumentar os investimentos em saúde. São varias estruturas que precisam receber mais recursos como medicações eficazes, sedativos, que estão em falta, etc. Sem esses recursos, se fortalece ainda mais o caos”, afirma Nathalia Santos.
O Brasil no mundo
Ao final desta jornada de um ano da pandemia em terras nacionais, a médica compara ainda a situação do Brasil com a do mundo. Uma pesquisa do Lowy Institute, da Austrália, apontou o país como o pior em termos de gestão da pandemia. A conclusão vem após a análise de seis critérios, como número de infecções e mortes e capacidade de contenção do vírus. Ao todo, o levantamento estudou a situação de quase 100 países.
Para a profissional da Rede de Médicas e Médicos Populares, é inevitável falar do comportamento do presidente da República e seus aliados. Ela destaca a minimização da pandemia, o desestímulo às medidas de proteção, a falta de um lockdown federal e ainda os conflitos entre Bolsonaro e governadores por conta das divergências sobre as medidas de contenção.
“O que chama mais atenção não é nem como não se operou um sistema de saúde pra conduzir a pandemia, mas como o comportamento de determinados gestores foi muito mais favorável à explosão dos casos e da má condução. Isso chama atenção porque é [algo] do nível de responsabilidades, de crime mesmo”.
Edição: José Eduardo Bernardes