Eeôoo! Baque Rosa tá na rua pedindo a paz e muito amor! E em mulher não se bate nem com flor! (loa)
Que tal pensar um ritmo musical genuinamente brasileiro? Da junção das culturas indígenas, africanas e européias podemos listar o samba, o frevo, a bossa nova e o maracatu. Ritmos tradicionais, que atravessaram gerações e novas dinâmicas.
O Maracatu é o mais antigo ritmo brasileiro que traz as relações culturais com os países africanos. Cerca de trezentos anos atrás, a manifestação do maracatu surgiu no estado de Pernambuco, expressando a religiosidade do Candomblé.
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A percussão do maracatu conta com grandes tambores, chamados de alfaias, que são tocados com baquetas especiais para o instrumento.
Esse baque virado, é de maracatu
Vem quebrando barreiras, unindo as fronteiras, vencendo o tabu (loa Hoje tem Alegria)
O maracatu também quebrou tabus sociais. Anteriormente, as mulheres eram impedidas de tocar os instrumentos, assim como muitos outros ritmos musicais tradicionais.
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A loa “Hoje tem alegria”, do Baque Mulher, por exemplo, é tocada apenas por guerreiras da batucada, no Recife (PE). Elas são lideradas pela Mestra Joana d’Arc Cavalcante, da Nação do Maracatu Encanto de Pina.
Joana d'Arc é a primeira e única mulher a liderar uma Nação de Maracatu de Baque Virado. As raízes do trabalho da mestra, por exemplo, inspiram o trabalho da professora de música Glória Cunha, de 66 anos, em Campinas (SP). A docente integra o grupo Maracatucá e afirma que a confecção de instrumentos musicais com materiais muito pesados era uma forma intencional de tentar afastar as mulheres da percussão.
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Primordialmente, instrumentos como a alfaia, por exemplo, eram feitos com madeira faia, que é mais leve. Depois, passaram a ser feito com madeira de palmeira, material muito mais pesado.
“Era uma maneira da mulher não tocar, porque mesmo uma alfaia pequena, você não conseguia segurar ela. Então a maneira que você tem em muitos lugares de discriminar é isso. Você dá um gonguê que é imenso. E aí é pior ela fica achando que ela não tá fazendo porque ela é incapaz, ela é fraca”, salienta.
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Depois, as mulheres até puderam integrar os grupos. Mas para isso, tinham que se vestir representando uma figura masculina. Era necessário calça larga, cabelo preso e chapéu escondendo as madeixas.
"Você podia até tocar, mas tu não podia mostrar que é mulher, então você tinha que usar calça. No Baque Mulher, já virou uniforme: o uniforme é saia. Porque usar saia é mostrar que nós somos mulheres. E estamos mostrando que somos mulheres e podemos tocar”, afirma.
Mestra Joana é neta da ialorixá Mãe Maria de Sônia, fundadora da Nação Encanto do Pina. Ela atuou por muitos anos em projetos sociais na comunidade do Bode, além de discutir o papel da mulher no maracatu de baque virado e do empoderamento feminino.
Foi assim que, em 2008, Mestra Joana fundou o Baque Mulher, grupo de maracatu de baque virado composto somente por mulheres que cantam, dançam e tocam loas próprias.
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A experiência é símbolo da expressão feminina, luta e resistência pelos direitos das mulheres.
“Combater a violência é a gente entrar na linha de frente e essa linha de frente dentro da comunidade não é fácil. Porque vamos lidar com opressões bem agressivas. E como abordar, passar esse empoderamento para essas mulheres sem pôr a nossa própria vida em risco? E daí foi que veio a ideia de levar essa palavra, de levar o conhecimento das nossas lutas, das nossas leis, através do baque, através do canto, através dos nossos tambores. E aí surgiu a primeira loa, que foi Maria da Penha é forte!”
Maria da Penha é forte, é forte para valer!
Com sua força e coragem fez a lei acontecer!
A lei Maria da Penha, agora eu já sei: 11.340 do ano 2006
Hoje, 31 grupos de mulheres se reúnem regularmente para tocar o Baque Mulher pelo Brasil. A experiência compartilha sua mensagem de força feminina e resistência por todo o país e até mesmo fora dele, a exemplo da presença em Lisboa, capital de Portugal.
Iara Lage, de 33 anos, professora de Arte e coordenadora do Baque Mulher de Campinas, destaca a diversidade de mulheres que participam da iniciativa.
“A gente entende que esse feminismo tem que estar em vários lugares e que então ele irá existir de várias formas. Entender isso é muito importante, e com o Baque Mulher foi o que me deu base para entender o que é um grupo feminista”, defende.
O Baque Mulher mantém trabalhos sociais nas periferias. Para conhecer os projetos, basta entrar em contato com a própria Mestra Joana pelo e-mail: [email protected].
*sob supervisão de Daniel Lamir
Edição: Daniel Lamir