Quebrando tabus

Batida forte: Baque Mulher promove empoderamento feminino através do maracatu

O movimento é liderado pela Mestra Joana: a primeira e única mulher a comandar uma Nação de Maracatu de Baque Virado

Ouça o áudio:

A experiência do Baque Mulher utiliza o Maracatu de Baque Virado (Maracatu Nação) para representar a luta feminina por equidade e garantia de direitos - Raquel Catão
Eeôoo! Baque Rosa tá na rua pedindo a paz e muito amor! E em mulher não se bate nem com flor! (loa)

Que tal pensar um ritmo musical genuinamente brasileiro? Da junção das culturas indígenas, africanas e européias podemos listar o samba, o frevo, a bossa nova e o maracatu. Ritmos tradicionais, que atravessaram gerações e novas dinâmicas.  

O Maracatu é o mais antigo ritmo brasileiro que traz as relações culturais com os países africanos. Cerca de trezentos anos atrás, a manifestação do maracatu surgiu no estado de Pernambuco, expressando a religiosidade do Candomblé.

:: Tradição "Cavalo Marinho" é exemplo de cultura que resiste para não se enquadrar ::

A percussão do maracatu conta com grandes tambores, chamados de alfaias, que são tocados com baquetas especiais para o instrumento.

Esse baque virado, é de maracatu

Vem quebrando barreiras, unindo as fronteiras, vencendo o tabu (loa Hoje tem Alegria)

O maracatu também quebrou tabus sociais. Anteriormente, as mulheres eram impedidas de tocar os instrumentos, assim como muitos outros ritmos musicais tradicionais.  

:: Documentário "Sertanejas" dá voz às histórias e lutas de mulheres cearenses ::

A loa “Hoje tem alegria”, do Baque Mulher, por exemplo, é tocada apenas por guerreiras da batucada, no Recife (PE). Elas são lideradas pela Mestra Joana d’Arc Cavalcante, da Nação do Maracatu Encanto de Pina. 


Mestra Joana da Nação Encanto do Pina / Maracatuteca

Joana d'Arc é a primeira e única mulher a liderar uma Nação de Maracatu de Baque Virado. As raízes do trabalho da mestra, por exemplo, inspiram o trabalho da professora de música Glória Cunha, de 66 anos, em Campinas (SP).  A docente integra o grupo Maracatucá e afirma que a confecção de instrumentos musicais com materiais muito pesados era uma forma intencional de tentar afastar as mulheres da percussão.

:: Festa da Lavadeira guarda histórias de diversidade e resistência em Pernambuco ::

Primordialmente, instrumentos como a alfaia, por exemplo, eram feitos com madeira faia, que é mais leve. Depois, passaram a ser feito com madeira de palmeira, material muito mais pesado.

“Era uma maneira da mulher não tocar, porque mesmo uma alfaia pequena, você não conseguia segurar ela. Então a maneira que você tem em muitos lugares de discriminar é isso. Você dá um gonguê que é imenso. E aí é pior ela fica achando que ela não tá fazendo porque ela é incapaz, ela é fraca”, salienta.  

:: Livro sobre Iemanjá aproxima mitologia afro-brasileira do universo infantil ::

Depois, as mulheres até puderam integrar os grupos. Mas para isso, tinham que se vestir representando uma figura masculina. Era necessário calça larga, cabelo preso e chapéu escondendo as madeixas.

"Você podia até tocar, mas tu não podia mostrar que é mulher, então você tinha que usar calça. No Baque Mulher, já virou uniforme: o uniforme é saia. Porque usar saia é mostrar que nós somos mulheres. E estamos mostrando que somos mulheres e podemos tocar”, afirma.

Mestra Joana é neta da ialorixá Mãe Maria de Sônia, fundadora da Nação Encanto do Pina. Ela atuou por muitos anos em projetos sociais na comunidade do Bode, além de discutir o papel da mulher no maracatu de baque virado e do empoderamento feminino.


Yalorixá Mãe Maria de Sônia em pé com a mão na cintura / Nação Encanto do Pina

Foi assim que, em 2008, Mestra Joana fundou o Baque Mulher, grupo de maracatu de baque virado composto somente por mulheres que cantam, dançam e tocam loas próprias. 

:: Luzia Simões é a pedreira que desconstrói o machismo no Sertão do Pajeú (PE) ::

A experiência é símbolo da expressão feminina, luta e resistência pelos direitos das mulheres.

“Combater a violência é a gente entrar na linha de frente e essa linha de frente dentro da comunidade não é fácil. Porque vamos lidar com opressões bem agressivas. E como abordar, passar esse empoderamento para essas mulheres sem pôr a nossa própria vida em risco? E daí foi que veio a ideia de levar essa palavra, de levar o conhecimento das nossas lutas, das nossas leis, através do baque, através do canto, através dos nossos tambores. E aí surgiu a primeira loa, que foi Maria da Penha é forte!”

Maria da Penha é forte, é forte para valer!

Com sua força e coragem fez a lei acontecer!

A lei Maria da Penha, agora eu já sei: 11.340 do ano 2006

Hoje, 31 grupos de mulheres se reúnem regularmente para tocar o Baque Mulher pelo Brasil. A experiência compartilha sua mensagem de força feminina e resistência por todo o país e até mesmo fora dele, a exemplo da presença em Lisboa, capital de Portugal. 


Encontro nacional do Baque Mulher antes da pandemia / Baque Mulher

Iara Lage, de 33 anos, professora de Arte e coordenadora do Baque Mulher de Campinas, destaca a diversidade de mulheres que participam da iniciativa.

“A gente entende que esse feminismo tem que estar em vários lugares e que então ele irá existir de várias formas. Entender isso é muito importante, e com o Baque Mulher foi o que me deu base para entender o que é um grupo feminista”, defende. 

O Baque Mulher mantém trabalhos sociais nas periferias. Para conhecer os projetos, basta entrar em contato com a própria Mestra Joana pelo e-mail: [email protected].

*sob supervisão de Daniel Lamir 

Edição: Daniel Lamir