Após derrubar os índices de contaminação pelo novo coronavírus por semanas consecutivas, a Inglaterra inicia a flexibilização de seu terceiro lockdown nesta segunda-feira (8). As novas infecções caíram 78% desde 4 de janeiro, quando o isolamento obrigatório foi anunciado.
O alívio das restrições ocorrerá de forma cautelosa e está previsto para durar 4 fases, com um mínimo de cinco semanas entre uma etapa e outra. As quatro primeiras fases servirão para avaliar o resultado das restrições, além de sete dias de aviso prévio para a adoção das novas flexibilizações.
Segundo o Ministério de Saúde britânico, o tempo é o mais adequado para verificar os impactos de cada etapa, o que permite reduzir riscos, e, caso necessário, retornar às restrições.
A primeira fase iniciada nesta semana é marcada pelo retorno das aulas presenciais em escolas e faculdades, além de outras atividades supervisionadas com crianças. Agora, idosos em casas de repouso terão direito a visita regular, desde que sejam utilizados Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e que o visitante seja testado.
Considerando que a grande maioria dos grupos prioritários de vacinação já foi imunizada com a primeira dose da vacina, as pessoas estão liberadas para recreação ao ar livre com indivíduos que moram na mesma casa ou com as chamadas support bubbles (bolhas de apoio, em português), como são conhecidos grupos em que alguns indivíduos, como adultos que vivem sozinhos, se tornam efetivamente um agregado familiar.
A partir do dia 29 de março, semana que precede a Páscoa, outras atenuações previstas na fase 1 serão implementadas, como reuniões ao ar livre de 6 pessoas ou 2 famílias. Quadras de basquete e campos de tênis também reabrirão, permitindo a prática de esporte ao ar livre.
A indicação de trabalho home office se mantém, assim como a proibição de viagens ao exterior.
Histórico comprometedor
Ainda que os resultados do lockdown britânico tenham repercutido mundialmente, nem sempre a Inglaterra optou por medidas rígidas de combate à covid-19. No início da pandemia, o primeiro-ministro Boris Johnson adotou um discurso negacionista, em suposta defesa da economia – assim como Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Johnson, conhecido por suas posições conservadoras, subestimou os possíveis impactos da pandemia, não implementou medidas de distanciamento social de forma rápida e destoou de outros países da Europa ao não fechar suas fronteiras na primeira onda. Seus conselheiros também defenderam a teoria da imunidade coletiva, conhecida popularmente como "imunidade de rebanho".
Seu plano de ação mudou após se tornar o primeiro líder político mundial a ser contaminado pela covid-19, no dia 27 de março de 2020. Johnson chegou a ser internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e viveu momentos críticos. Ao receber alta, elogiou o National Health Service (NHS), serviço de saúde pública do país, e passou a se basear em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A rápida transição resultou em um primeiro lockdown, realizado em maio do ano passado, e em um segundo bloqueio a partir de outubro. De novembro a dezembro, entretanto, os casos de infecção aumentaram exponencialmente com o surgimento da variante B.1.1.7, detectada primeiramente no Reino Unido.
Um artigo publicado na revista Science no início deste mês apontou que a variante britânica, como ficou conhecida em nível global, é de 43% a 90% mais transmissível do que as linhagens anteriores do vírus.
Na opinião de Ana Rosa Colhado, jornalista brasileira que mora há 5 anos em Londres, as medidas mais rígidas para conter a pandemia chegaram tarde. "Não acho que a Inglaterra seja um exemplo a ser seguido de um país que está combatendo o coronavírus. Está agora, depois de chegar no fundo do poço", afirma Colhado.
"Muitas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo não tivesse insistido na estratégia de imunidade de rebanho e tivesse sido mais severo na fiscalização de regras, como em outros países. As pessoas aqui começaram a usar máscara em lugares fechados depois do verão do ano passado, e até hoje não usam na rua".
Ela relembra que, segundo dados divulgados pelo governo em dezembro de 2020, uma a cada 15 pessoas em Londres estava contaminada pela covid-19. “Só então foram adotadas medidas mais severas para conter o contágio. De todo modo, não há regras claras. Há sugestões de ficar em casa e evitar aglomerações. Isso faz com que muitas pessoas escolham não seguí-las”.
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Para a jornalista, Boris Johnson mudou de direcionamento em razão da pressão popular e da comunidade científica, mas também porque entendeu que negar o bloqueio dos serviços não essenciais comprometeria ainda mais a economia a longo prazo.
Colhado avalia que os britânicos estão mais positivos em relação à pandemia e à flexibilização gradual do lockdown nos próximos meses que antecedem o verão, mas preocupa-se com o fato de que, segundo ela, muitos jovens continuaram socializando normalmente, parques continuaram lotados, nem todos usaram máscara e o transporte público continuou cheio.
“Pessoalmente, eu sou um pouco cética porque, pela experiência vivida nesse último ano, as pessoas estão seguindo as regras de modo bem pessoal e não estão dispostas a fazer sacrifícios, como abdicar a vida social”, diz.
“Divido a casa com outras duas pessoas adultas e elas não deixaram de trazer amigos para jantar e dormir em casa, assim como não deixaram de passar o dia e até a noite fora. Tem muita gente que não acredita na gravidade da doença”, acrescenta, traçando uma comparação com o negacionismo que se repete entre os brasileiros.
Mesmo com as semelhanças, Colhado lamenta se sentir mais segura em Londres do que em seu país de origem. Apesar da distância, a preocupação é constante com familiares e amigos no Brasil, e se aprofunda com a incerteza de quando poderá ver seus entes queridos novamente.
Ela já desmarcou duas viagens para São Paulo ao longo do último ano devido à proliferação da covid-19.
Bloqueio português
Depois da imposição de um confinamento restritivo, Portugal também vê suas taxas de contágio em baixa após a pandemia sair do controle em janeiro.
O país chegou a se manter na liderança mundial de novos casos e infecções por diversos dias mas, com o bloqueio, passou de mais de 16 mil novos casos no fim de janeiro para 979 registros de contaminação na última semana.
O lockdown adotado desde 22 de janeiro não tem previsão de término, mas já fornece respostas contundentes: o número de pacientes internados caiu 73% no período de um mês, entre fevereiro e março, de 6.775 para 1.827.
Assim como na Inglaterra, a campanha de vacinação também interfere na queda da proliferação da covid-19.
Conforme monitoramento do Our World in Data, desenvolvido pela Universidade de Oxford, 32,7% da população britânica já recebeu ao menos uma dose do imunizante contra a doença respiratória. A porcentagem equivale a 22,2 milhões de pessoas.
Em Portugal, mais de 737 mil pessoas já foram vacinadas com a primeira dose, cerca de 7% da população total.
Calendário
O governo da Inglaterra tem declarado repetidas vezes que a flexibilização das restrições ocorrerá de forma lenta e cautelosa, com o início das fases guiado por dados, e não por datas.
Caso os resultados continuem sendo efetivos, a segunda etapa está prevista para iniciar em algum momento após 12 de abril, com a reabertura de comércios como salões, edifícios públicos, bibliotecas e centros comunitários.
Zoológicos e parques temáticos também serão reabertos com a manutenção das regras de distanciamento social. Cinemas e espetáculos drive-in, assim como restaurantes em que as pessoas poderão se alimentar, desde que sentadas, também voltarão a funcionar.
O contingente de pessoas autorizadas a assistir a casamentos, recepções e outros eventos comemorativos subirá para 15.
A previsão da fase três, que não deve ocorrer antes de 17 de maio, é que as regras mais rígidas de restrições de contato social sejam suspensas em encontros ao ar livre. Reuniões com mais de 30 pessoas continuarão a ser ilegais, mas eventos coletivos em espaços amplos e abertos, como estádios, serão liberados.
Não antes de 21 de junho terá início a última fase do lockdown, quando se espera que os limites de interação social sejam removidos. Restrições a grandes eventos, espetáculos e discotecas serão suspensas, assim como as regras para casamentos e outros eventos.
A meta do governo britânico é vacinar todos os adultos com a primeira dose da vacina até o final de julho. Caso a imunização avance em ritmo acelerado, as fases poderão ser adiantadas.
Segundo mapeamento da Universidade Johns Hopkins, o Reino Unido registra mais de 4,2 milhões de britânicos contaminados desde o início da pandemia. O número de vítimas fatais do país é de 124.736.
Edição: Poliana Dallabrida