O duro, com carro enorme, era chegar à rua. Tinha que subir três andares de rampa estreita
Estava em Belo Horizonte e resolvi descobrir um velho amigo que morava lá, Charles. Ouvi falar que tinha virado professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Como ninguém é de ferro, antes de ir para a Universidade, deixei a mala num hotel, e fui logo tomar uma cerveja.
Leia também: O velório do anão
No bar encontrei um conterrâneo, Joãozinho, que me obrigou a pegar a mala no hotel e me hospedar na casa dele. De lá, fui sozinho para a Universidade, de táxi.
Encontrei o Charles, esperei que ele desse as aulas da tarde e fomos para a casa dele. Alto e gordo, Charles comprou um carro que combinava com ele, um Maverick grandão. Bebemos até de madrugada, conversando. Ele e a mulher queriam que eu dormisse lá, mas insisti que se não chegasse à casa do meu conterrâneo ele iria pensar que tinha acontecido algo grave comigo. Consegui convencer meu amigo, mas de uma coisa ele fazia questão: me levar de carro. Não teve jeito.
Leia também: O conjunto de João Fedô
Descemos até o 3º subsolo do prédio, numa boa, apesar de bêbados: a descida era pelo elevador. O duro, com carro enorme, era chegar à rua. Tinha que subir três andares de rampa estreita, que fazia uma curva fechada demais entre um andar da garagem e outro. Foi uma dificuldade. Nós dois bêbados, eu falava que ele devia trocar a garagem dele por uma no térreo, dava palpite tipo "esterça mais", e ele ia raspando o carro na parede, ora do lado direito ora do esquerdo. Subia um pouquinho, não dava para fazer a volta, tinha que deixar o carro voltar um pouco e esterçar mais, sempre dando uma encostadinha na parede e amassando mais um pouquinho a lataria... isso sem falar no suadouro que essa subida difícil nos provocou! Por fim, depois de uns dez minutos de aventura (uma desventura para ele: o carro ficou bastante raspado e amassado), sentimos o ar fresco da rua, aliviados.
Leia também: Botecos da madrugada
— Em que bairro ele mora? — perguntou.
Consultei o endereço que o Joãozinho tinha me dado. Era São Lucas.
— Ah, então é pertinho. Aqui já é São Lucas. Que rua é?
— Tenente Anastácio — respondi.
— Uai! Tenente Anastácio é essa rua aí em cima. Meu prédio fica na esquina e só a saída de carro é que é pela lateral. Que número é?
Falei o número. Era o prédio ao lado!
Ele olhava o carro todo amassado e não sabia se ria ou se chorava.
Edição: Daniel Lamir