Racismo

Em 180 vídeos, salão propõe alisamento para "salvar" cabelos de adolescentes negras

Justiça de SP determinou que conteúdo fosse deletado das redes; promotor aponta racismo e "desprezo da beleza negra"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em vídeo, adolescente é exposta por dono da Ark Line. De acordo com o MP, não há autorização para uso das imagens - Foto: Divulgação

A Justiça de São Paulo determinou, na última terça-feira (8), que a clínica de estética Ark Line retire 180 vídeos de suas redes sociais. Nas produções, adolescentes são entrevistadas pelo dono da empresa, André Luiz Lopes de Oliveira, e provocadas a falarem mal de seus cabelos.

Em um dos diálogos, Oliveira pergunta à adolescente: “Você sofre com esse cabelo?”. A menina responde que sim. Então, o empresário responde: “Vamos dar um jeito nele. Vamos salvar o seu cabelo.”

Os vídeos chamaram a atenção do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). No dia 23 de fevereiro deste ano, o promotor Reynaldo Mapelli Junior entrou com uma ação solicitando a exclusão das produções de todas as redes sociais da Ark Line.

Na justificativa do pedido, o promotor afirma que os vídeos sobre os procedimentos de alisamento do cabelo de meninas e adolescentes contém "conteúdos racistas" e palavras que indicam "desprezo da beleza negra e a superioridade do padrão estético da mulher branca”.

Ainda no documento, Mapelli Junior afirma que o Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial (NAT) do MP-SP chegou a conclusão de que “os cabelos crespos são apresentados como um problema estético suportado pelas crianças" e que "são claramente apresentados destratados, sem nenhum cuidado, como forma de reforçar, ainda que de forma inconsciente, o estereótipo de cabelo ruim.”

Por fim, o promotor cita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e afirma que a Ark Line “utiliza a imagem de crianças e adolescentes, sem a necessária autorização judicial, expondo-as a constrangimento e humilhação pela natureza de seu cabelo, bem como indicando que não há beleza nem felicidade possível para tais jovens fora do padrão liso ou alisado, já que em nenhum momento o cabelo crespo, natural, é retratado como forma a exaltar sua beleza e identidade, permitindo penteados nas mais variadas formas.”

A juíza Cristina Ribeiro Leite Balbone Costa, da Vara da Infância e da Juventude, acatou parcialmente o pedido do MP-SP. A magistrada determinou a exclusão, em até cinco dias, de todos os 180 vídeos das redes sociais da clínica. Porém, negou a solicitação para que a Ark Line fique impedida de publicar novas produções, por considerar que o pedido configuraria censura prévia.

De acordo com a decisão da magistrada, nos vídeos da Ark Line, “os penteados crespos são retratados de forma inferiorizada, comparados a um padrão estereotipado de beleza ideal, marginalizando a estética negra, expondo e humilhando meninas em plena fase de desenvolvimento da personalidade, ao mesmo tempo em que ofendem seu direito à dignidade e à identidade racial.”

Balbone Costa encerra lamentando a “exposição de crianças e adolescentes afrodescendentes para as quais são feitas perguntas que depreciam o cabelo crespo e colocam o cabelo alisado como um padrão estereotipado de beleza estética” e determina o pagamento de uma multa diária de R$ 1 mil por dia em caso de atraso no cumprimento da decisão judicial.

Até o fechamento desta matéria, a Ark Line ainda não havia retirado os vídeos de suas redes sociais. O Brasil de Fato tentou contato com a empresa através do número apresentado como contato nos anúncios da clínica. Porém, até a publicação da reportagem, não obteve retorno.

Edição: Poliana Dallabrida