Luta diária

Protagonismo das mulheres em Choró (CE) ecoa que "sem feminismo não há agroecologia"

A luta por equidade de gênero conta também com a organização comunitária e a atuação de organizações e movimentos

Ouça o áudio:

Eliane Lobo é presidenta do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Choró (CE) - Esplar
a gente abraça toda essa parte de articular, de participar das formações, fazer as formações na base

Na década de 1990, o agricultor João Felix ouvia piadas por trabalhar ao lado da companheira dele na lavagem de roupas na comunidade de Riacho do Meio, em Choró, no Sertão Central do Ceará. 

Mas nos últimos anos as gozações silenciaram. Além disso, o exemplo de João Felix passou a ser seguido por outros homens na comunidade. A lavagem de roupas agora é uma atividade com mulheres e homens em Riacho do Meio. 

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A mudança no cenário de gênero no local mudou gradativamente. Ao mesmo tempo, outros desafios para a efetivação plena dos direitos das mulheres ainda precisam ser superados.  

Um dos fatores que colaborou com quebra de paradigmas machistas em Riacho do Meio é o protagonismo das mulheres em espaços políticos. 

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Eliane Lobo é presidenta do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Choró e lembra que a experiência de consórcios agroecológicos na localidade, desde 2003, favoreceu ainda mais a participação política das mulheres. 


A Campanha Pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico é uma iniciativa da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste, em parceria com redes e organizações / Campanha Pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico


A definição dos espaços produtivos foi feita com a articulação de mulheres.  

"A nossa discussão é de fortalecer a organização das mulheres no campo. Então, tem que participar. E no movimento sindical a gente abraça toda essa parte de articular, de participar das formações, fazer as formações na base, nas comunidades. Nos municípios somos nós que estamos à frente dos sindicatos que fazemos essa parte, inclusive as mulheres. Nós temos o apoio dos diretores homens, mas é mais nós mulheres que fazemos essa parte das articulações", afirma. 

A conquista dos consórcios agroecológicos e suas relações inseparáveis com o feminismo conta com a participação da organização não governamental Esplar, que atua no Ceará há mais de cinco décadas, sendo cerca de três delas na região de Choró. 

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Andrea Sousa é educadora popular e zootecnista do Esplar. Ela explica que a metodologia da organização é baseada na centralidade da vida, assim a agroecologia vai para além da produção de alimentos saudáveis. 

"Estamos na [assessoria para] produção de alimentos, mas também nos movimentos [populares], na organização de mulheres, na juventude, na comercialização, no trabalho comunitário, na organização comunitária. Então pensar agroecologia é pensar no coletivo e na centralidade da vida", salienta.    

Outro fator destacado para as mudanças em Choró é o protagonismo das mulheres. Elas mantêm redes de articulações tanto nas comunidades quanto em outros espaços externos, a exemplo da organização Marcha das Margaridas, que reúne mulheres rurais de todo o país.    

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Antonia Dantas, mais conhecida como Toinha, é agricultora em Riacho do Meio. Ela é companheira de João Félix, que antigamente sofria preconceitos por dividir a atividade de lavagem de roupas no rio. 


Toinha é agricultora agroecológica e agente comunitária de saúde. Ela mantém acordos com o companheiro para evitar sobrecarga de atividades / Esplar

Hoje ela reconhece que manter uma divisão justa das atividades de trabalho confirma que os acordo do casal estavam certos desde a década de 1990. 

"Depois de todos esses movimentos [de luta por equidade de gênero na comunidade], fomos mostrando que não era isso [de fazer piadas sexistas]. Foi mudando a cabeça das pessoas. Não era uma pessoa que era vista de uma forma que de repente mudou. Hoje aquelas mesmas pessoas que falavam já fazem a mesma coisa. Então a questão de mudança de cultura mudou de que só a mulheres poderia fazer [atividades domésticas] e o homem não", lembra.  

Pandemia

Toinha é também agente comunitária de saúde. Ela alerta que mesmo em uma comunidade com conquistas no tema dos direitos das mulheres, o cenário de pandemia mexeu em alguns lares. 

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Toinha cita que ao trabalhar atendendo dentro das casas é possível identificar casos de violência. Ela complementa que o necessário isolamento por conta da covid-19 acompanhou algumas mudanças nos registros familiares. 

"Temos de buscar a convivência e mostrar àquela mulher que não é para deixar isso acontecer e tomar outras atitudes. Se for o caso, denunciar. É muito difícil, mas isso chegou a acontecer. 

Denúncias  

Além dos números do Dique Denúncia (180) e Disque Direitos Humanos (100) que recebem queixas de violências contras as mulheres, há uma campanha da Rede Feminismo e Agroecologia sendo tocada para apoiar as mulheres rurais. É a campanha Pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, que conta com atividades permanentes e compartilhamento de materiais didáticos.    

Edição: Douglas Matos