Coluna

A volta do cipó de aroeira

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O pronunciamento de Lula na quarta-feira (10) teve um tom que foi além de um candidato à presidência. Teve tom de estadista. - Ricardo Stuckert
Mas que ninguém se engane, o coração de Bolsonaro é negacionista

Olá,

Na semana em que Lula se agigantou, obrigando Bolsonaro a usar máscara e a defender a vacina, chegamos a 270 mil mortes na pandemia. Mas, assim como a Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro, a economia também está afundando e não seremos salvos pelo auxílio emergencial nanico de Paulo Guedes.

1. Os imperdoáveis. No futuro, se discutirá quando a Lava Jato acabou. Talvez tenha sido a Vaza Jato, talvez tenha sido a ida de Sérgio Moro para o governo Bolsonaro ou ainda a sequência de derrotas sofridas pela Operação nos últimos anos.

Ou simplesmente tenha sido a prisão de Lula, cumprindo seu objetivo primordial de tirá-lo das eleições de 2018. Simbolicamente, porém, o contundente voto de Gilmar Mendes, na discussão sobre a suspeição de Moro, deve entrar para os anais da história como a pá de cal do que o ministro chamou de “o maior escândalo judicial da nossa história”, elencando uma sucessão de arbitrariedades e irregularidades desde a condução coercitiva de 2016, passando pelo vazamento de áudios e a tentativa de impedir a liberdade de Lula.

O pedido de suspeição de Moro resultou numa inusitada frente ampla que incluiu de Aécio Neves e Fernando Collor a Felipe Neto e Ciro Gomes. A determinação de Mendes se mede tanto pelo teor do voto quanto pela sua oportunidade, colocando em debate a suspeição um dia depois de Edson Facchin acolher o habeas corpus da defesa de Lula que tornou a Justiça Federal de Curitiba incompetente para julgar os quatro processos envolvendo o ex-presidente.

A decisão anulou as duas condenações - o triplex no Guarujá e o sítio em Atibaia - e recuperou os direitos políticos de Lula, mas também tentava impedir uma derrota definitiva de Moro. A defesa de Lula pedia a incompetência da vara de Curitiba desde 2016 e a própria Lava Jato sabia que a justificativa para a permanência no Paraná era frágil.

A manobra não funcionou e o tiro de Facchin saiu pela culatra. Ainda que o julgamento esteja suspenso pelo pedido de vistas de Kassio Nunes, cuja posição é uma incógnita, é provável que uma candidatura Sérgio Moro deva naufragar e apenas setores da mídia saíram em defesa do moribundo legado lavajatista.

Por outro lado, o fim jurídico da operação ameniza, mas não absolve a cumplicidade do STF com Curitiba, nem restitui os estragos da perda de R$172,2 bilhões em investimentos e  a destruição de 4,4 milhões de empregos na construção civil e na indústria petrolífera.

Também não alcança ainda Deltan Dallagnol, blindado pelo corporativismo do Ministério Público, ou as ramificações da operação Lava Jato no Rio e na Polícia Federal.

2. As sete vidas de Luiz Inácio. A maré virou definitivamente a favor de Lula. Depois das sucessivas derrotas da Lava jato e o crescimento da popularidade do ex-presidente, a decisão de Fachin, não apenas recoloca Lula na corrida eleitoral, como ele chega turbinado como o legítimo anti-Bolsonaro.

Aliás, o pronunciamento de Lula na quarta-feira (10) teve um tom que foi além de um candidato à presidência. Teve tom de estadista. Ele mirou em duas áreas que o governo Bolsonaro não tem como se defender, a pandemia e a economia.

Lula ainda tem uma vantagem em relação às eleições de 2018: há 4 anos, Bolsonaro não tinha um governo no currículo e, em 2022, será possível comparar o desempenho de ambos como presidentes. O discurso também enterrou a tese de César Felício, no Valor, de que teríamos um Lula isolado e vingativo, gerando instabilidade do mercado.

Para Kennedy Alencar, o discurso sobre a polarização e posições extremas é desonestidade intelectual e/ou burrice pura. “Se houve um político que aplicou uma política de centro no Brasil, tentando uma reforma negociada do capitalismo selvagem brasileiro, a tal conciliação por cima com as elites, esse político foi Lula”, constata.

Vinicius Torres Freire também descarta o argumento da polarização, porque Bolsonaro “não é coisa alguma além de um projeto de tirano”. Para Thaís Oyama, uma sinalização de Lula ao centro já garantiria o rompimento do mercado com Bolsonaro. Sinais que foram emitidos pela tranquilidade da bolsa durante a coletiva de Lula.

Ele, agora, vai disputar os 11% de eleitores que dividem simpatias entre o ex-presidente e Bolsonaro. Apesar de estarem em todos os estados e segmentos, esta faixa se concentra no Nordeste, em pequenos ou médios municípios do interior, têm baixa escolaridade, ganham até um salário mínimo por mês e têm mais chances de serem evangélicos, segundo a pesquisa do instituto Inteligência e Pesquisa em Consultoria (IPEC).

Um sinal de que o jogo virou mesmo pode ser o silêncio dos militares. Apesar do incômodo na caserna e das notas dos tradicionais golpistas do clube militar, o twitter do general Villas Boas dessa vez permaneceu em silêncio.

3. Planos B, C e D. Teoricamente, a volta de Lula à corrida presidencial em 2022 seria uma boa notícia também para Bolsonaro, na visão de Eliane Cantanhêde e Alon Feuerwerker, ambos argumentando que agora Bolsonaro teria um inimigo de carne e osso para bater.

Além disso, Dória, Ciro e Huck não decolaram e o espectro da centro-direita poderia ser ocupado de novo por Bolsonaro, com o argumento do mal menor. É verdade também que ele ganhou uma bandeira para a sua reeleição em 2022, o antipetismo, já que até aqui não tinha apresentado nenhum projeto que justificasse sua permanência no Planalto por mais quatro anos.

Mas, na prática, a candidatura de Lula causou calafrios. A recuperação dos direitos políticos do ex-presidente vem no mesmo momento em que o mercado financeiro já não escondia seu descontentamento com o governo, burburinhos se ouviam nos quartéis sobre o deslumbramento do Capitão com o poder e a queda na popularidade pela combinação do fracasso na economia e da vacinação.

Até entre os policiais, base social do bolsonarismo, notam-se sinais de descontentamento. E, surpresa nenhuma, o centrão sentiu saudades do seu ex. É cedo para apostar, mas a primeira pesquisa para a corrida presidencial nesta semana, já demonstra Bolsonaro perdendo para Lula, Ciro e até para Mandetta num eventual segundo turno.

As contas que o governo faz são simples, como demonstra Thaís Oyama: Bolsonaro oferece um país mergulhado numa crise sanitária e econômica e Lula acena com a promessa da volta dos bons tempos.

Por isso, a única tábua de salvação para Bolsonaro é uma recuperação da economia. A perplexidade do bolsonarismo com a situação pode mudar a tática eleitoral - Bolsonaro desistiria da inusitada ideia de filiar-se ao Partido da Mulher Brasileira para se reconciliar com o PSL em busca de mais dinheiro e estrutura - o que se reflete no comportamento dos bolsonaristas em redes sociais, acentuando os discursos golpistas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e por uma intervenção militar.

Por enquanto, o primeiro efeito prático da volta de Lula já se fez sentir na quarta (10) à tarde: a complexa e fantasiosa ginástica de Bolsonaro para mudar toda a sua estratégia em relação à covid-19.

4. Meu amigo genocida. Bolsonaro nunca esteve tão errante. Reafirmou que não vai fazer lockdown e que isso é coisa de petista. Depois de 36 eventos oficiais de nariz de fora, apareceu de máscara para logo em seguida ficar sem máscara mais uma vez.

Uma comitiva brasileira foi a Israel negociar um spray nasal sem eficácia comprovada - onde o chanceler Ernesto Araújo tomou um pito por estar sem máscara . Para isso a viagem serviu, já um spray similar já vem sendo desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) aqui no Brasil mesmo.

Mas o verdadeiro objetivo da missão foi alcançado: o governo brasileiro comprometeu-se a apoiar Israel, acusado no Tribunal Penal Internacional de Haia por crimes de guerra contra palestinos. Em troca Bolsonaro receberá apoio contra denúncias de genocício na condução da política sanitária no Brasil.

Sim, na vida real o colapso do sistema de saúde não pode ser ignorado e alguns, como o cientista Miguel Nicolelis, falam em situação de genocídio. Especialistas avaliam que o Amazonas está entrando numa terceira onda, cujo pico pode durar até 2023, antecipando mais uma vez o que ocorrerá em outras regiões do país.

Ao menos 4,3 mil pessoas aguardam um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e em diversos estados já há registros de mortes de pacientes na fila de espera. Mesmo assim, o ministro Eduardo Pazuello diz que não há colapso no sistema de saúde, nem haverá.

Até mesmo africanos e haitianos que vieram tentar a vida no Brasil, estão partindo a pé em direção ao Peru para de lá tentar migrar para Estados Unidos ou Canadá. A consultoria Airfinity projeta que, no ritmo atual, só chegaremos à imunidade de rebanho em abril do ano que vem.

Com base nisso, o governo já avalia que este é o seu pior momento, e tardiamente tenta passar uma imagem de que está trabalhando para comprar mais vacinas. Só agora também parece que começou a cair a ficha dos empresários para o fato de que o futuro da economia está atrelado ao ritmo de vacinação. Sem isso, só resta um lockdown em todo o país.

5. O que não tem governo, nem nunca terá. Mas que ninguém se engane, o coração de Bolsonaro é negacionista. Ele está mais preocupado em suspender o acesso à Lei Rouanet em cidades e estados em situação de lockdown e em cortar verbas para financiar leitos de UTI para vítimas da covid-19.

Em resposta, a maioria dos governadores já aderiu a um pacto nacional liderado por Wellington Dias (PT-PI), para tomar medidas de contenção à pandemia e importar vacinas em articulação com o Congresso. Afinal, em boa medida são eles que estão “segurando o rojão” da falta de leitos ao mesmo tempo em que são alvos de protestos contra o lockdown.

Eduardo Pazuello, está mais preocupado em salvar sua própria pele. Ele foi convocado à Câmara para prestar contas sobre o lobby da cloroquina e está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) por negligência na crise sanitária em Manaus (AM).

Por insistência dos presidentes da Câmara e do Senado, Pazuello participa das conversas com os governadores, mas esta proximidade divide o grupo. Ao lado de João Dória (PSDB-SP), há quem prefira isolar completamente o governo federal das conversas.

Já Bolsonaro, ao mesmo tempo em que busca desesperadamente correr atrás do prejuízo e fechar acordos com farmacêuticas que anteriormente rejeitou - como Pfizer, Johnson & Johnson e Moderna - tenta impedir que prefeitos e governadores façam o mesmo.

E todos - Bolsonaro, Pazuello e Arthur Lira - correm atrás da China pedindo ajuda. O problema de fundo é que a distribuição de vacinas pelo mundo é extremamente desigual.

Até agora a América Latina recebeu cerca de 37 milhões de doses, o que permite imunizar apenas 2,8% da população do continente. Ainda assim, a diplomacia brasileira insiste em se opor à quebra de patentes, como estão propondo mais uma vez a Índia e a África do Sul no âmbito da OMC, o que permitiria produzir vacinas em maior escala e com menor custo.

6. O nanico de Paulo Guedes. Depois do sexto aumento da gasolina em pouco mais de dois meses, Bolsonaro sai desmoralizado em sua tentativa de comprar popularidade. A campanha “Bolsocaro” viralizou nos muros e nas redes, afinal a economia é um dos calcanhares de Aquiles do governo.

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a taxa de desemprego entre os jovens atingiu 29,8% em 2020. A previsão de alguns analistas para o primeiro semestre deste ano é de crescimento fraco e alta inflação. E isso não se deve apenas à política de preços aplicada pela Petrobras.

O agronegócio também contribui com a inflação, pois produtos alimentícios, como arroz e milho, também deverão ter alta. Pior, a resposta do Banco Central para conter a inflação pode ser a retomada do ciclo de elevação das taxas de juros, o que tende a inibir ainda mais o crescimento econômico.

Por isso, não foi à toa que, em plena madrugada de quarta-feira (10), enquanto alguns ainda tentavam entender se Lula poderia ser candidato em 2022, a Câmara dos Deputados votou às pressas em primeiro turno a PEC emergencial e, em segundo turno, na quinta-feira (11).

Isso tudo apesar da sistemática oposição da Faria Lima ao auxílio emergencial nos últimos meses, como revela João Filho no Intercept. Com crise econômica e mais de 270 mil mortes nas costas, entende-se a pressa da base governista em apresentar algum resultado.

Entende-se também a boa vontade do presidente da Câmara que - mediante pressões de servidores da Receita Federal e da Polícia Federal, que fizeram forte lobby entre os deputados - se comprometeu a retirar da PEC as cláusulas que previam o fim de promoções e progressão de carreira dos servidores públicos.

Apesar desse alívio, o auxílio emergencial nanico, que segundo Paulo Guedes poderá variar de R$ 175 a R$ 375, não estancará o problema da miséria, e dificilmente gerará crescimento econômico.

7. Ponto Final: nossas recomendações.

."Lava Jato serviu como plataforma para a extrema direita". Na Deutsche Welle, o professor Fabio de Sá e Silva, da University of Oklahoma, demonstra como a operação tinha uma "gramática política" estruturada para pressionar por mudanças em benefício próprio, classificar os adversários como inimigos do povo e contornar a lei quando necessário.

.Estado de intimidação: o milicartismo te vigia. Conrado Hübner Mendes escreve sobre como a máquina de vigilância da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o serviço de inteligência do general Heleno atuam para punir os brasileiros que se opõem ao governo Bolsonaro.

.Brasil tem 1,5 milhão de profissionais 'invisíveis' no combate à covid-19. Quem são os outros profissionais que atuam na saúde, terceirizados, com baixos salários e sem equipamentos de proteção individual adequados que estão na linha de frente do combate à covid-19.

.A luta da mãe de Miguel por justiça. Oito meses depois da morte do filho, Mirtes Renata Santana de Souza tornou-se ativista contra o racismo e a impunidade no Brasil.

.O futuro imediato. No A Terra é Redonda, José Luís Fiori escreve sobre os desafios de Joe Binden num mundo onde “liberal-cosmopolita” não tem mais o mesmo apelo do passado, a globalização não exerce o mesmo atrativo e o Ocidente não tem como submeter a China.

."Desastre de Fukushima e pandemia derivam do capitalismo". Na Deutsche Welle, o analista político e ativista Sabu Kohso mostra como diferentes eventos catastróficos são consequências de um mesmo processo social.

"Três anos são muito tempo sem resposta", diz mãe de Marielle. Neste domingo (14), completam-se três anos do assassinato de Marielle Franco. Em entrevista para a Deutsche Welle, Marinete Franco fala sobre a impunidade no caso e a repercussão internacional.

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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Leandro Melito