Na manhã deste sábado (13), uma cerimônia de despedida celebrou a vida e a luta do dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Joaquín Piñero, em Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Como parte da homenagem, que aconteceu na Fazenda Pública Ibiaci, o espaço foi renomeado, passando a se chamar Fazenda Valquimar Reis Fernandes (Joaquín Piñero), nomes de batismo e de escolha do militante.
Após um ano de luta contra um severo câncer, o dirigente faleceu na última quinta-feira (11) e deixou a companheira Karla e duas filhas, Anahí e Yara, além de um legado de luta pela classe trabalhadora. Na cerimônia, o corpo de Joaquín foi velado ao lado de amigos e companheiros, carregando em seu caixão suas bandeiras de vida: o MST, a Via Campesina, o Brasil e o Flamengo.
“Joaquín deixou marcas na nossa organização. Ele ficou na clandestinidade por 10 anos, sem fazer reclamação alguma e nunca deixou de cumprir suas funções. Ele conheceu mais de 30 países construindo coletivos de amigos do MST e deixou exemplo por onde passou. Foi um dos melhores comandantes nossos. Nós o tratamos como comandante da nossa organização política. Ele vai embora e vai ficar seu legado. Joaquín, você foi muito grande, vai ser sempre nossa referência e exemplo”, disse em discurso emocionado o dirigente do MST, João Paulo Rodrigues.
Na cerimônia, Joaquín foi principalmente lembrado por considerar indispensável reconhecer a vida e a luta dos companheiros e amigos do MST. Por isso, era ele quem acompanhava os velórios e discursava em nome do movimento para as últimas condolências. Muitas vezes, ao lado do companheiro e amigo Felinto Procópio dos Santos, o Mineirinho, cantava e tocava as canções que embalavam as cerimônias de despedida.
“Formamos uma dupla durante muitos anos, já animamos tanto velório que perdemos a conta. O velamento de um companheiro tem que trazer alegria. Uma das características dele era trazer alegria. Éramos conhecidos como os “quebradores de protocolos”, contou emocionado lembrando ainda Joaquín pela sua alegria contagiante e o entusiasmo pela música.
Acompanhando Mineirinho, o irmão mais velho de Joaquín, Waldemir Reis, conhecido como Mil, tocou a música “Eu, a viola e Deus”. Em seguida, contou mais sobre a infância em Ji-Paraná, cidade natal dos irmãos localizada em Rondônia (RO), e sobre o estímulo para a mudança do irmão para seguir a vida no Sudeste.
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“Nosso pai gostava muito de música, daí veio essa veia artística nossa. Gostava muito de futebol também, jogávamos todo dia. Quando adolescentes tivemos uma pequena banda, na época de sucessos do rock brasileiro. Nos empolgamos. A gente queria sair para gravar um disco. Por isso ele saiu de Ji-Paraná para São Paulo. Foi assim que ele fincou raízes nessa região”, recordou sobre uma parte pouco conhecida da trajetória do militante.
A cerimônia foi transmitida ao vivo para cerca de 500 pessoas espalhadas pelo Brasil e outros países. No salão principal da sede da Fazenda, coroas de flores e saudações de diversas partes do mundo ornavam o ambiente, incluindo os cumprimentos do atual presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Também foram lembradas nas falas as diversas notas de pesar emitidas por sindicatos, organizações políticas e figuras públicas. Vale destacar que a cerimônia seguiu todas as normas de cuidado e prevenção contra a covid-19.
Fazenda Joaquín Piñero
Uma das principais homenagens da cerimônia foi a renomeação da antiga Fazenda Ibiaci, que passou a se chamar Fazenda Joaquín Piñero. Não à toa. Em parceria com o MST, a Prefeitura de Maricá construiu no local uma comuna de produção familiar agrícola.
O projeto, que contou com a articulação política de Joaquín, saiu do papel em 2018, quando a fazenda foi desapropriada. Para a inauguração da nova placa de batismo do local, estiveram reunidos o prefeito de Maricá, Fabiano Horta, o secretário municipal de Participação Popular, Direitos Humanos e Mulher, João Carlos de Lima (Birigu), o subsecretário de Economia Solidária, José Carlos de Azevedo, o secretário de governo, João Maurício, conhecido como Joãozinho, e o vereador Hadesh.
“O Joaquín, para nós, não é alguém que nasce da teorização sobre as lutas, ele nasce do olhar coletivo, do olhar da vida, e faz desse olhar para o outro o sentido de luta e de vida. Ele nasce da luta, dialoga com a luta e nessa troca inspira a todos nós para continuar lutando. Seu elemento físico não está aqui, mas está sua presença como a vida no sentido de solidariedade e fraternidade. Ele vai ficar marcado nesse lugar como símbolo da sua luta para continuar inspirando tantos outros”, discursou Fabiano Horta.
Em seguida, o vereador do Rio de Janeiro, Lindbergh Farias, que também esteve presente, ainda recordou emocionado de Joaquín e de sua trajetória.
“Joaquín foi um revolucionário. Hoje é um momento triste. Lembro um dia que ficamos horas em minha casa e ele contando a história da vida dele. Nós estamos aqui vendo um homem honrado, que se despede da vida como um revolucionário. Ele era um homem vivido, um homem da vida e vai continuar sendo”, disse.
Árvores plantadas
No final da cerimônia, outra última homenagem foi prestada à Joaquín: árvores de ipê foram plantadas em diversas regiões do país. Além das cidades de Maricá e Macaé, no estado do Rio, foram espalhadas pelos acampamentos Zilda Arns (PR), Herdeiros da Luta (PR) e Olga Benário (TO), pelos assentamentos Egídio (MT), Chico do Sindicato (AL), Roseli Nunes (RJ) e Dênis Gonçalves (MG) e nos estados do Rio Grande do Norte, do Ceará, São Paulo Rio, Grande do Sul e Rondônia.
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Como última despedida, o dirigente também foi brindado com uma garrafa de whisky, guardada por ele para uma ocasião especial durante toda a sua vida, segundo contou sua companheira, Karla Oliveira.
“Quando ele sabia da morte de outro companheiro, ele ficava um tempo quieto, depois pegava uma garrafa, servia um copo e ‘brindava o envio’ da pessoa querida. Todo esse ano foi um processo muito longo, muito difícil, muito doloroso. Mas também que a gente riu, se abraçou, se amou. Ele se sentiu querido e amado”, disse ao se despedir do companheiro, conforme o seu ritual de costume.
Após as homenagens em Maricá, o corpo de Joaquín foi levado até o Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro, para ser cremado. Conforme seu último desejo, as cinzas serão espalhadas pelo Rio Madeira, em Rondônia, e pela Escola Nacional Florestan Fernandes do MST, no interior de São Paulo.
Edição: Camila Salmazio