O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), confirmou as expectativas e anunciou na quarta-feira (17) aumento na taxa básica de juros, a Selic. Foi o primeiro em quase seis anos, desde julho de 2015. A alta foi até um pouco acima do esperado por parte dos analistas, de 0,75 ponto percentual, para 2,75% ao ano. E pode ter sido a primeira de um ciclo de elevações, abrindo um período de aperto monetário.
Nesta quinta-feira (18), em entrevista à RBA, o professor da Unifesp André Roncaglia disse que um aumento de juros seria uma espécie de “cloroquina econômica”. Para o especialista, a decisão não só não vai ter impacto na trajetória da inflação, como vai deteriorar o quadro fiscal, já que a correção da Selic vai impactar diretamente no custo do financiamento da dívida pública.
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Roncaglia acrescentou que o país segue sem crescimento, com pressão inflacionária e desemprego em nível recorde. Além da pandemia que segue em ascensão.
“A economia brasileira está com um nível de ociosidade muito elevado. O setor de serviços, que representa sete em cada dez reais produzidos, ainda está muito paralisado por conta da pandemia. Inclusive diversas cidades estão adotando medidas ainda mais restritivas. Então, a elevação do juro nesse momento torna muito mais difícil a recuperação da economia”, afirmou o economista.
Copom
A decisão foi unânime e sem viés. Em nota, o Copom diz que dados recentes indicam “recuperação consistente da economia”, mas esse cenário ainda não contempla o aumento de casos da covid-19. “Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o primeiro e segundo trimestres deste ano”, diz ainda o BC.
A última edição do Boletim Focus, relatório semanal oficial do BC baseado em expectativas de analistas de mercado, mostra projeção de 4,5% para a Selic até o final do ano.
Na nota divulgada ao final da reunião, o Copom cita o aumento dos combustíveis e afirma que a “pressão inflacionária de curto prazo” se mostra mais “forte e persistente” que o esperado. Ainda assim, “mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, mas segue atento à sua evolução”.
Na semana passada, o IBGE informou que a inflação (IPCA) anual passou de 5%. A taxa de fevereiro foi a maior para o mês desde 2016. A principal pressão veio dos combustíveis.
Medo e delírio em Chicago
O professor da Unifesp criticou, ainda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, por atribuir o aumento da inflação ao pagamento do auxílio emergencial. O ministro chegou a afirmar que, se fosse mantido o valor de R$ 600, como no ano passado, seu temor era de que a inflação se generalizasse, atingindo a casa dos dois dígitos. Para Roncaglia, não se trata apenas de desonestidade intelectual, ou uma visão limitada e ultrapassada de um quadro oriundo da Escola de Chicago (expoente do neoliberalismo nas décadas de 1970 e 1980).
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“Dizer que as famílias que estão absolutamente impedidas de trabalhar, por conta de uma crise sanitária que não é culpa delas, que esse dinheiro é o que causa a inflação – sem considerar tudo que está no meio de um sistema complexo, como é a economia brasileira – é um problema moral. É um problema de caráter. E deixa evidenciado, junto com as outras políticas do governo, que não existe nenhuma preocupação, nenhuma prioridade à vida. Não existe economia sem vida humana, sem saúde.”