É preciso repensar tudo isso e muito mais para uma chance de futuro
Aprender processo penal no nosso tempo já virou piada em vários espaços acadêmicos. Provavelmente a palavra correta seria desaprender.
No mais novo capítulo da novela “Como salvar uma farsa chamada Lava Jato”, uma nova personagem se coloca sob os holofotes.
O juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Luiz Antonio Bonat, ao cumprir parte da decisão do ministro Edson Fachin, de nulidade das ações penais contra o ex-presidente Lula por incompetência daquele juízo, enviou, na última terça-feira (16), dois dos processos para a Seção Judiciária do Distrito Federal. Manteve, contudo, o bloqueio de bens do ex-presidente.
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O argumento do magistrado é que as decisões que determinaram os bloqueios não foram proferidas nas ações penais anuladas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mas em feitos cautelares.
Faz sentido? Evidente que não.
As medidas cautelares no âmbito do processo penal são previstas como uma forma de garantir que os bens jurídicos violados sejam restabelecidos ao final de um processo, que as penas possam ser cumpridas e os recursos obtidos ilicitamente sejam devolvidos aos donos de direito. Esse é o conceito geral.
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Os chamados sequestro e arresto de bens, termos jurídicos para a determinação de bloqueios, ocorrem, no primeiro caso, diante da suspeita de sua origem ilícita, e, no segundo, para assegurar a reparação do dano causado pelo delito, o pagamento da multa, custas e despesas processuais.
Evidente que, embora o bloqueio de bens deva verificar os cuidados para não permitir atuações desmedidas, que exorbitem o princípio da legalidade, que promovam bloqueio de bens de modo a inviabilizar a sobrevivência de pessoas que ainda não foram julgadas em definitivo, a realidade da operação Lava Jato não seria essa, já que respeito à legalidade e cautela nunca foram levados em consideração pela operação, tampouco pelos juízes que nela atuaram no Paraná.
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Foi o próprio juiz Bonat que, em junho de 2019, promoveu o bloqueio nas contas do ex-presidente Lula de até R$ 77,9 milhões em bens, em “valor estimado”, tendo como base o suposto montante de propinas pagas por empreiteiras em oito contratos da Petrobras, que estariam relacionados ao processo em que o presidente não era sequer acusado.
No caso atual, a intenção do magistrado de conservar os efeitos das decisões proferidas por juízo incompetente, seja as dele próprio, as de Sérgio Moro ou de Gabriela Hardt, descumpre, efetivamente, o que foi deliberado pelo ministro Edson Fachin, de nulidade de todos os atos decisórios. Seu argumento pífio agride o princípio mais comezinho de processo sobre as cautelares: de que elas são acessórias em relação ao principal.
Não precisa ser especialista em processo penal. Basta apenas a ligação entre dois neurônios para entender que uma decisão que torna nulos os atos decisórios nos processos principais tem por consequência lógica a eliminação daquelas medidas proferidas em todo o transcurso do processo, inclusive nos pedidos acessórios.
É juridicamente impossível a permanência de ordens dadas por juiz quando há o reconhecimento de sua incompetência. Não há aproveitamento de ato processual decisório possível.
Mas isso tudo, entenda-se, estou falando de processo penal. O que está na Constituição Federal, nas leis, é fundamentado na doutrina e aplicado na jurisprudência.
O que indica o veredito do juiz incompetente de Curitiba na última terça (16), contudo, é que optou por um componente político para o exercício da jurisdição, decidindo com base em suas convicções, uma prática “jurídica” bastante comum por aquelas bandas.
Os abusos cometidos em série pela operação Lava Jato em Curitiba ganham, ainda, uma tentativa de sobrevida. Sempre com uma justificativa que envolve algum suposto interesse coletivo a ser pretensamente salvo.
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A Lava Jato já morreu formal e politicamente. Mas seus atores, protagonistas e coadjuvantes, ainda estão por aí nas estruturas de poder. As artimanhas que tentam manter vivos resultados por ela produzidos ainda vão perdurar e demandar muita luta e perspicácia.
Cabe, sobre o fato presente, ao ministro Fachin dizer o que se aplica. E a depender da resposta, uma nova contenda judicial se abrirá.
O fato radicalmente incômodo é que no desnudar das práticas ilegais, abusivas e imorais da Lava Jato, muitas responsabilidades foram expostas ao sol, à espera de um acerto de contas.
O menosprezo pela atuação dentro das regras cobra um preço extraordinariamente alto de todos que, direta ou indiretamente, foram partícipes da farsa. Porque as consequências pavimentaram não apenas o caminho da demagogia punitivista, mas foram fundamentais para a ascensão do governo neofascista de Jair Bolsonaro (sem partido).
Para os membros do sistema de Justiça verdadeiramente responsáveis e preocupados, é preciso repensar tudo isso e muito mais para uma chance de futuro.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato
Edição: Poliana Dallabrida