O novo ministro, aliado do capitão, disse que não é favorável a um lockdown
Olá,
Pazuello se foi. E com ele o mito de que os militares são gestores competentes. Mas, apesar da troca de ministros, a postura do governo em relação à pandemia deve continuar a mesma. Numa terra onde até o sistema funerário pode entrar em colapso, a prosperidade só parece favorecer a família Bolsonaro e seus negócios escusos.
1. O fim do mundo outra vez. O Brasil já havia se tornado um pária global, considerado zona de risco mundial, e não parecia que seríamos capazes de ter uma semana ainda pior do que as passadas. Mas conseguimos. Ultrapassamos a média de 2 mil mortes diárias e estamos testemunhando o maior colapso sanitário e hospitalar da história do país, segundo a Fiocruz.
A pandemia tampouco perdoa os reacionários, como o Senador Major Olímpio (PSL-SP), que faleceu cerca de um mês depois de ter participado de um protesto com aglomeração contra o lockdown em São Paulo. A hecatombe poderá se tornar inclusive um colapso funerário, sem darmos conta de tantos mortos.
Para piorar, os contratos com as fabricantes de vacinas possuem cláusulas abusivas e prazos elásticos, alerta o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Fernando Aith, que calcula: 60 milhões de brasileiros não serão vacinados este ano.
Neste cenário, a única certeza que a pandemia oferece é de que não se pode contar com o governo federal. Agora já se sabe que Bolsonaro, submisso como sempre, atendeu a um pedido de Donald Trump para não comprar as vacinas Sputnik V da Rússia, porque elas teriam "influências malignas”. No pior momento da pandemia, até agora, o governo comprou milhares de máscaras inadequadas e desistiu das metas de testagem da população, reduzindo o número de testes aplicados, mesmo com 3,7 milhões de produtos prestes a vencer.
Agora também começam a faltar medicamentos indispensáveis para os processos de intubação. Tampouco pode-se contar com as forças armadas, que além de fabricar cloroquina, negam leitos nos hospitais militares aos civis.
Sem o governo federal e sem previsão de um cenário melhor antes de maio, o combate à pandemia continua descentralizado e dependendo de iniciativas descoordenadas. Por exemplo, o PSB entrou com ação no STF para tentar trazer de volta os médicos cubanos, enquanto o Senado prorrogou o uso de recursos para saúde por Estados e municípios.
Coordenada mesmo só a ação do Consórcio dos Estados do Nordeste. Os governadores nordestinos compraram 37 milhões de doses da vacina que serão destinadas ao Plano Nacional de Imunização pelo SUS.
2. Os escombros do general. Demorou, mas finalmente Eduardo Pazuello caiu. Os estragos deixados pelo general, não são poucos. Quando assumiu o Ministério da Saúde, em maio de 2020, a pandemia tinha tirado 14.817 vidas. Pazuello não tinha nenhuma experiência na área e chegou a dizer que “nem sabia o que era SUS”.
Supostamente, esta debilidade seria compensada pelo seu conhecimento em logística. Não foi o que aconteceu. Ele atrasou ao máximo o início da vacinação, atrapalhou-se na distribuição de vacinas, empurrou cloroquina para governadores e prefeitos, não coordenou ações nacionais, deixou vencer testes, não deu assistência para os estados e ainda reduziu a transparência dos dados sobre a saúde.
Em resumo, deixou atrás de si um rastro de caos, omissão e explosão de mortes. Tudo isso em sintonia com as orientações de Bolsonaro. Na saída, Pazuello ainda empenhou os recursos da vacina com as forças armadas e campanhas publicitárias. Talvez seu único resultado positivo tenha sido desmistificar a ideia de que os militares são gestores competentes. Pazuello gozava de ótima reputação entre seus colegas de farda, mas agora os generais temem as consequências políticas de seu retorno para as fileiras do exército, sem saber onde colocar agora o ex-ministro.
Sua queda se dá num momento difícil para Bolsonaro, pressionado pelo colapso do sistema de saúde, pela crise econômica e pelo retorno de Lula ao cenário político. Inicialmente cotada para assumir o lugar de Pazuello, a médica Ludhmila Hajjar recusou o convite depois de sofrer ameaças da militância bolsonarista nas redes e de saber, pela boca do próprio Bolsonaro, que não poderia fazer lockdown.
Por fim, depois de uma série de especulações e desinformação, segue tudo entre amigos. O novo ministro é o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga, aliado do capitão e indicado por Flávio Bolsonaro. O sinal de que poucas coisas vão mudar é que Queiroga entrou sem fazer críticas ao seu antecessor e falou em “continuidade”. Disse que não é favorável a um lockdown nacional, que não recomenda o uso da cloroquina, mas que os “médicos têm autonomia para prescrever” o medicamento.
3. A nossa Guerra das Malvinas. Possivelmente, a demissão de Pazuello, só agora, tenha ocorrido para evitar a instauração de uma CPI da covid-19 no Congresso. É possível também que as especulações de nomes e encontros no final de semana passado tenham sido apenas um teatrinho, uma jogada ensaiada pelo próprio Bolsonaro.
Além disso, é provável que ele quisesse evitar um novo Mandetta, alguém que não controle, que contrarie suas orientações e que ainda ganhe popularidade. O certo é que a estratégia do governo, assim como a decisão monocrática de Bolsonaro, tem seu preço. De um lado, o filho Zero Um conseguiu colocar mais um amigo num cargo importante, já mirando o promissor mercado de compra de vacinas. Quem não gostou da indicação de Marcelo Queiroga foi o centrão, que preferia o deputado federal Dr. Luizinho (PP-RJ) ou a própria Ludhmila Hajjar.
O centrão deu seu ultimato e não dará muito tempo para Queiroga mostrar algum resultado, como já anunciou o vice-presidente da Câmara. A derrubada dos vetos aos decretos presidenciais pelo Congresso também apontam no mesmo sentido. Porém, o Planalto não parece ter pressa, pois até agora o novo ministro não assumiu oficialmente. A dúvida ainda é o que Bolsonaro tem no repertório para estancar a queda de popularidade, indicada pela recente pesquisa do Instituto Datafolha.
Uma reforma ministerial? Incentivos econômicos? Para um ministro palaciano, o problema é que Bolsonaro não faz gestão e passa o dia contando piadas no Palácio. Já Cristiano Romero acredita que o radicalismo de Bolsonaro baseia-se num eficiente cálculo político-eleitoral que o permitiu manter-se por 28 anos na Câmara dos Deputados e ainda virar presidente. Bresser-Pereira discorda e considera que ele se tornou disfuncional para a elite econômica e que em breve pode ser afastado do cargo.
Alguns até comparam Bolsonaro ao ditador argentino Leopoldo Galtieri. Em 1982, Galtieri se aventurou na Guerra das Malvinas contra a Inglaterra, onde foi vergonhosamente derrotado, selando o fim da ditadura militar no país vizinho.
4. Labirinto da austeridade. A desvalorização do Real é uma dos raros objetivos em que Paulo Guedes foi bem sucedido. A moeda brasileira vale cada vez menos e a exportação de alimentos se torna irresistível para o agronegócio, disparando o preço dos alimentos, que combinado à desastrosa política de preços de combustíveis da Petrobras, dispararam a inflação desde o ano passado.
Para conter os efeitos da política de Guedes, Campos Neto decidiu aumentar a taxa de juros, depois de seis anos de reduções, em 0,75 pontos percentuais. A alta foi acima do esperado e terá como consequência reprimir ainda mais o consumo em uma economia que já se encontra combalida. Além disso, o Banco Central sinalizou que os juros continuarão subindo nos próximos meses. Vale lembrar que seis das onze modalidades de crédito já haviam aumentado os juros independente da decisão do BC.
Como lembra Vinicius Torres Freire, a solução para a retomada da economia não depende da equipe econômica, mas da vacinação da população, como fica evidente no caso de São Paulo, em que o estado tenta equalizar com fórmulas mágicas o controle da pandemia e a abertura do comércio. Porém, o pior índice de isolamento não tem sido no comércio e varejo, mas nos outros espaços de trabalho, afinal a condição determinante para as pessoas permanecerem em casa é a existência de um auxílio econômico.
Entretanto, a nova rodada do auxílio emergencial, além de ter um valor muito reduzido, exclui 22,6 milhões dos beneficiários do ano passado. Ou seja, em plena crise, o governo e o Congresso reduziram a única política que impediu que a queda do PIB no ano passado fosse maior. Para se ter uma ideia, o auxílio brasileiro é trinta e cinco vezes menor do que o correspondente pago nos Estados Unidos.
Mesmo acelerando diante do abismo, o repertório de Paulo Guedes ainda inclui requentar outras políticas aplicadas em 2020, mas principalmente a autorização do corte de salários e jornadas para três milhões de trabalhadores.
Na sua tradicional teimosia, Guedes continua insistindo no aceno com as privatizações para o mercado, imaginando que isto estimule algum investimento. Agora foi a vez da EBC entrar na lista das privatizações.
5. Clube da Saudade 1964. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região decidiu que as Forças Armadas podem comemorar institucionalmente o golpe de 1964. A decisão atendeu a um recurso da Advocacia Geral da União, a pedido do Ministério da Defesa, recorrendo a uma ação impetrada pela Deputada Natália Bonavides (PT-RN). Antes disso, o governo Bolsonaro já comemorava à sua maneira as saudades de 1964.
Por exemplo, com Carlos Bolsonaro intimando o youtuber Felipe Neto e a atriz Bruna Marquezine, com base na Lei de Segurança Nacional, por terem chamado Jair Bolsonaro de genocida. Ao contrário do esperado, a ação de Carluxo resultou numa explosão do termo “genocida” associado ao sobrenome Bolsonaro. Na sequência, a investigação foi suspensa por ser considerada irregular.
Mas, seguindo o exemplo do filho favorito, nesta quinta (18), a Polícia Militar do Distrito Federal prendeu três manifestantes por abrirem uma faixa com a acusação de genocida na frente do Planalto, enquanto a Polícia Federal abriu inquérito para investigar um sociólogo que instalou dois outdoors afirmando que Bolsonaro vale menos que um "pequi roído".
Também cheira a AI-5 e a censura o hábito de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, de excluir personalidades progressistas da lista da Fundação. E, tão grave quanto a perseguição contra quem tem opiniões distintas do governo, é o aparelhamento dos ministérios para doutrinação ideológica: sem chamar a atenção como o espalhafatoso Weintraub, o ministro da Educação Milton Ribeiro avança nos temas caros ao bolsonarismo como as escolas cívico-militares e o ensino domiciliar com “valores cristãos”.
6. A Grande Família. A reeleição em 2022 é determinante para que o Bolsonaro mantenha em curso o seu único projeto político, a impunidade familiar no caso das rachadinhas. O Uol teve acesso às quebras de sigilo de pessoas ligadas ao gabinete de Flávio Bolsonaro e, analisando mais 100 planilhas e 607 mil operações bancárias, encontrou indícios do desvio de verbas dos assessores também nos gabinetes do então Deputado Federal Jair Bolsonaro e do vereador Carlos.
O agora senador Flávio estava tão convencido pelo seu advogado informal Frederick Wassef de que o assunto estava encerrado no STJ, que não se importou em ostentar a compra da mansão de R$ 6 milhões. Porém, a família sofreu uma dura reversão e derrota com a decisão do STJ de validar a troca de informações entre o Ministério Público e o Coaf, impedindo que o processo voltasse à estaca zero.
E, numa prova de que não há idade para entrar nos negócios familiares, Jair Renan, o filho 04, já está sendo investigado pelo MPF por tráfico de influência. De boa notícia para a família, por hora, só o fato de que o amigo do peito Fabrício Queiroz teve a prisão domiciliar revogada, após decisão da mesma quinta turma do STJ, confirmada pelo STF.
7. Ponto Final: nossas recomendações.
.Os militares e a crise brasileira. No podcast Roteirices, o coronel da Reserva Marcelo Pimentel critica a atuação do Partido Militar, a forma de intervenção dos militares na vida política nacional e seu papel na sustentação do governo Bolsonaro.
.A receita do colapso Piauí. Uberlândia seguiu exatamente o receituário bolsonarista, com cloroquina de graça e sem isolamento social, para se tornar a cidade campeã de mortes por covid-19 em Minas Gerais.
.Como as vacinas estão contribuindo para a nova configuração geopolítica do mundo?. Artigo de Joelson Santos, da Rede de Médicos Populares, sobre os interesses internacionais que determinam o acesso às vacinas nos países periféricos.
.Família Pazuello: do enriquecimento ao lado do “Rei da Amazônia” ao colapso político. De Olho nos ruralistas reconstrói a trajetória de negócios com madeiras, castanhas e peles que enriqueceram a família Pazuello na Amazônia.
.La gota que colma el vaso: como o colapso na saúde levou milhares às ruas no Paraguai. Como os paraguaios foram às ruas por vacina e pela saída do presidente de extrema-direita.
.Uber com salário mínimo, férias e aposentadoria: a decisão que pode influenciar milhões de trabalhadores pelo mundo. A BBC discute as consequências da decisão do Reino Unido em reconhecer os vínculos empregatícios dos motoristas de aplicativos.
.“Não deixe o samba morrer no Ó do Borogodó”. O El País conta como a crise econômica pode fechar definitivamente um símbolo histórico do samba e da boemia paulista na Vila Madalena.
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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Rebeca Cavalcante