Protesto

Bolsonaro repete mentiras e enfrenta panelaço durante pronunciamento na TV e rádio

Presidente defendeu medidas tomadas pelo Governo Federal e distorceu informações sobre a oferta de vacinas

São Paulo |

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Presidente disse, sem dar detalhes, que Brasil está próximo a produzir o insumo ativo da vacina contra o novo coronavírus - Alan Santos/PR

Em pronunciamento em rede nacional de televisão e rádio, na noite da última terça-feira (23), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou de discurso para reforçar a importância da vacinação em massa contra a covid-19 e defendeu as medidas de combate à pandemia que seu governo, supostamente, tem encampado nos últimos meses.

No dia do pronunciamento de Bolsonaro, o Brasil quebrou o próprio recorde de mortos por covid-19 em 24 horas ao registrar mais 3.251 vítimas do novo coronavírus, segundo dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Com esse número, é possível afirmar que 9 brasileiros morreram em decorrência da covid-19 a cada 10 minutos no país. 

Em meio aos caos sanitário que levou o país ao epicentro global da pandemia, Bolsonaro precisou adequar o discurso. 

Sem fornecer qualquer detalhe ou datas, afirmou que o Brasil irá produzir o insumo de vacinas contra o novo coronavírus, o que irá acelerar a imunização da população brasileira e reduzir a dependência de vacinas importadas.

"Estamos fazendo e vamos fazer de 2021 o ano da vacinação dos brasileiros", afirmou.

Para além do que disse o presidente, o que se viu e ouviu nas principais cidades brasileiras ao longo de todo o pronunciamento foi um "panelaço" em protesto a Jair Bolsonaro, acompanhado de gritos como "genocida", "assassino" e "Fora, Bolsonaro!". Veja, abaixo, vídeos do "panelaço" ocorrido durante o pronunciamento presidencial em algumas das principais cidades brasileiras.

 

Centro de São Paulo

Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro

Zona norte de Recife

 

Distorções e mentiras

No pronunciamento, Bolsonaro fez distorções e repetiu mentiras. Disse que "em nenhum momento, o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na economia, que poderia gerar desemprego e fome."

No entanto, o Executivo Federal têm se ausentado da administração da crise sanitária, afirmando que o Supremo Tribunal Federal (STF) repassou a competência das ações para os governos estaduais e municipais. 

Bolsonaro e sua equipe também, por diversas ocasiões, minimizaram a pandemia e deixaram de cumprir medidas básicas de proteção, como usar máscaras e evitar aglomerações.

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Em um evento em Brasília, na última segunda-feira (22), durante a assinatura do decreto que regulamenta o novo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), o mandatário voltou a criticar as medidas de isolamento para conter a pandemia e elogiou a condução do ministério da Saúde pelo general Eduardo Pazuello, afastado do cargo no dia 14 de março.

O novo ministro, o médico Marcelo Queiroga, não se posicionou contra o chamado "tratamento precoce" contra a covid-19, que inclui diversos medicamentos sem provocação de eficácia comprovada. 

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“O que é tratamento precoce? No caso da covid-19, a gente não tem um tratamento específico. Existem determinadas medicações que são usadas, cuja evidência científica não está comprovada, mas, mesmo assim, médicos têm autonomia para prescrever”, afirmou o ministro em entrevista à CNN Brasil.

Na última terça (23), a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou um boletim extraordinário sobre a situação da covid-19 no Brasil. O documento faz uma série de recomendações ao poder público, com destaque para medidas protetivas de isolamento social e para o banimento do chamado "kit covid", recomendado duranto o "tratamento precoce".

A associação pontou que reduzir a circulação de pessoas “segue sendo imperioso para conter a propagação viral.”

Desinformação sobre vacinas

No pronunciamento, Bolsonaro também afirmou que o país está em 5º lugar no ranking de vacinação no mundo. O dado diz respeito apenas ao número absoluto de pessoas vacinas, e não a taxa de vacinação por habitantes. Segundo esse critério, o país está na 58ª posição no ranking mundial, de acordo com o observatório Our World in Data, coordenado pela Universidade de Oxford.

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Na América Latina, o Chile lidera a proporção de pessoas vacinadas, com mais de 4 milhões de chilenos vacinados, representando 21% da sua população. O Brasil, que trocou de ministro da Saúde pela terceira vez durante a pandemia, imunizou cerca de 13 milhões de pessoas, o equivalente a 4,7% da população.

Bolsonaro alegou no discurso uma série de tratativas para a compra de vacinas de diversos fabricantes.

Citou a adeção ao grupo Covax Facility, consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS) que reúne mais de 170 países e permite o acesso a uma cartela com nove imunizantes que estão em fase de produção pelo mundo. Pelo consórcio, o país garantiu, segundo Bolsonaro, o fornecimento de doses para 10% da população. As negociações na OMS, no entanto, ofereciam o fornecimento de doses para 20% da população brasileira.

Ao afirmar que "adotaríamos qualquer vacina, desde que aprovada pela Anvisa", Bolsonaro omitiu a negociação de vacinas do imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca antes mesmo da aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O mandatório também disse, no pronunciamento, que, em julho de 2020, assinou um acordo para a fabricação de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e que, em agosto, liberou R$ 1,9 bilhão para a produção do imunizante.

No entanto, a liberação da vacina de Oxford, assim como a vacina Coronavac, produzida em parceria entre a farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, só foi aprovada pela Anvisa em janeiro deste ano.

Edição: Vinícius Segalla