No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia da covid-19. Desde então, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, tem lançado decretos estabelecendo regras para o funcionamento de diversas atividades econômicas no estado.
No entanto, os 20 consórcios que administram os 6,5 mil quilômetros de rodovias em São Paulo seguem incólumes às determinações do poder público e mantiveram a cobrança dos pedágios durante todo o período de pandemia, expondo os trabalhadores aos riscos de contaminação.
No Plano SP, divulgado no dia 3 de março deste ano, o governo paulista explica as regras de funcionamento das atividades na fase vermelha, estágio de alerta máximo na pandemia.
No documento, Doria classificou como atividade essencial, nos setores de logística e abastecimento, os “estabelecimentos e empresas de locação de veículos, oficinas de veículos automotores, transporte público coletivo, táxis, aplicativos de transporte, serviços de entrega, estacionamentos, cadeia de abastecimento e logística, produção agropecuária e agroindústria, transportadoras, armazéns, postos de combustíveis e lojas de materiais de construção.”
Em nenhum trecho do Plano SP os pedágios são citados como atividade essencial. No entanto, as concessionárias se amparam na subjetividade permitida pela inclusão da “cadeia de abastecimento e e logística” para manter as cobranças de tarifas nas rodovias paulistas.
Alexandre Naime, chefe do Departamento de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), explica que a troca do dinheiro em papel é um risco à saúde dos trabalhadores e usuários dos pedágios.
“O brasileiro ainda não usa os meios eletrônicos de pagamento, prefere o dinheiro e isso é um perigo, pois o vírus pode ficar até quatro dias na superfície do papel”, alerta Naime, que foi contaminado pelo coronavírus dessa forma. “Desde o começo da pandemia, evitei usar dinheiro. Porém, recebi uma pessoa em meu consultório que me pagou em espécie e eu peguei e guardei no bolso. Olha que pequeno deslize. Foi o suficiente.”
Sobre os pedágios, o infectologista é enfático. “Não deveriam funcionar. Não há como garantir que as pessoas não vão se contaminar. É um risco para o trabalhador e também para os motoristas, que entregam as notas, mas recebem o troco que já passou por outras mãos”, alerta.
No dia 5 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu que os meios de pagamento eletrônicos fossem priorizados e recomendou que não se utilize papel.
“Sabemos que o dinheiro muda de mãos com frequência e pode pegar todos os tipos de bactérias e vírus. Aconselhamos as pessoas a lavarem as mãos depois de manusearem as notas e evitar tocar no rosto”, afirma o comunicado da organização.
“O pedágio só é essencial para o empresário”
O deputado estadual Luiz Fernando Ferreira (PT), presidente da Comissão de Infraestrutura da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), lamenta que a atividade se mantenha, e sem qualquer pressão do governo paulista.
“O pedágio só é essencial para o empresário”, aponta o parlamentar.
“A rodovia está ali. Ela é essencial e deve ser utilizada por todos nós. O pedágio não é essencial, e a cobrança deve ser suspensa imediatamente. Pessoas estão morrendo porque não conseguem dar entrada na UTI”, alerta Ferreira, que avalia como “insensível” a atuação do governo estadual.
Ainda de acordo com o parlamentar, a interrupção da cobrança ajudaria a desonerar a população. “Muita gente trafega em rodovias usando trechos curtos, para ver um familiar no município ao lado ou para procurar emprego. Não há como manter uma cobrança durante a pandemia.”
Apesar dos apelos, João Doria anunciou, no dia 1º de dezembro de 2020, um reajuste nas tarifas de pedágio. Os valores variam de acordo com o tipo de contrato das empresas com o governo paulista.
Na Tamoios, por exemplo, o valor foi corrigido em 2,13%, saltando de R$ 7,60 para R$ 7,80, na praça de pedágio no município de Jambeiro. No sistema Anchieta-Imigrantes, salta de R$ 27,40 para R$ 28,00, na altura de Riacho Grande.
O Brasil de Fato procurou o Sindicato dos Empregados nas Empresas Concessionárias no Ramo de Rodovias e Estradas de São Paulo (Sindecrep-SP). No entanto, após dois dias de contato, a assessoria da entidade informou que não conseguiu localizar nenhum dirigente para falar em nome da categoria.
Colapso na saúde
Nesta terça-feira (23), o estado São Paulo bateu o recorde de óbitos por coronavírus e registrou, pela primeira vez, mais de mil mortes no espaço de 24 horas.
Ao todo, 1.021 pessoas morreram em decorrência da contaminação por covid-19. A pior marca era de 679 óbitos em um dia, registrada no dia 16 de março deste ano.
:: Brasil supera os 12 milhões de infectados e 295 mil mortos desde o início da pandemia ::
Em todo o estado, 68.623 pessoas já morreram pelo novo coronavírus. A taxa de ocupação média de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) em São Paulo é de 91,9%. No pior momento, em maio de 2020, era de 71%.
Levantamento feito pelo G1, mostra que 135 pessoas já morreram no estado de São Paulo aguardando um leito de UTI.
Outro lado
A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) informou que não se posicionará, por entender que a decisão sobre manter o funcionamento dos pedágios na pandemia depende de cada concessionária. Até o fechamento desta matéria, não houve comentário do governo de São Paulo.
Edição: Poliana Dallabrida