Nos dias 10 e 11 de abril, os chilenos irão escolher novos prefeitos, vereadores, governadores e deputados constituintes. Ao todo são 2.768 cargos em disputa, por isso foi aprovada uma reforma constitucional que ampliou o processo eleitoral para dois dias. Em meio a uma segunda onda de contágios da covid-19, já começa a ser debatida a possibilidade de suspensão das eleições por falta de condições sanitárias.
O Chile lidera a vacinação na América Latina, com quase um terço dos 18,7 milhões de chilenos imunizados, no entanto, o país registra 938 mil contaminados e 22.359 mortos pela doença. O aumento da transmissão nas últimas semanas fez o governo de Sebastián Piñera decretar quarentena nas zonas mais afetadas, onde reside 74% da população.
Apesar da incerteza, a escolha dos deputados constituintes gera muita expectativa, pois será a primeira Carta Magna elaborada com paridade de gênero e com representantes eleitos pelos cidadãos.
Constituinte
Serão 155 deputados, sendo 17 vagas destinadas aos povos indígenas e 5% para as pessoas com deficiência física. A Convenção Constitucional terá até um ano para elaborar uma nova proposta, a qual passará novamente por plebiscito. De acordo com uma pesquisa do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag), 58% dos entrevistados têm esperança de mudanças com a nova Constituição. As principais reivindicações são mudanças nas estruturas de saúde, educação e do sistema previdenciário.
🔴 HISTÓRICO 🔴
— SenadoChile (@Senado_Chile) December 15, 2020
Así será la Convención Constitucional que redactará una nueva Carta Magna: paritaria y con pueblos originarios. pic.twitter.com/uP4yhMV9RB
Segundo o mesmo estudo da Celag, mais de 70% dos chilenos buscam mudanças estruturais que transformem o Chile em um Estado plurinacional – reconhecendo os povos originários – e que tenha como princípio a justiça social.
Para a candidata da Frente Ampla, Beatriz Sánchez, a eleição da Convenção Constitucional marca uma disputa por alterações no status quo e nas esferas de poder.
“A ideia é que [o poder] mude de distintas maneiras: que descentralizemos mais, que exista uma relação com os povos originários, que acabemos com a hegemonia masculina, que passemos de um Estado liberal subsidiário a um Estado democrático, social, de direitos e paritário. Queremos que os cidadãos possam efetivamente influenciar nas decisões, entendendo a democracia como uma democracia participativa, não só representativa”, defende.
Entre as propostas estão a criação de uma Defensoria do Povo, de leis de orçamento participativo e um sistema de controle ativo das autoridades eleitas.
Outros grandes temas de debate serão o acesso à água, recurso que é privatizado no Chile, e à moradia. Em 2020, o país ainda registrava um déficit habitacional de 400 mil moradias e 1,2 milhão de chilenos vivia em casas “sem condições adequadas”, de acordo com levantamento do Banco Mundial.
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“Acreditamos que acima da propriedade privada deve estar o interesse público. A propriedade pública como eixo central para que os cidadãos e cidadãs possam ter acesso à terra e aos recursos”, aponta Natalie Arriagada, militante do Movimento Sem Teto do Chile e candidata pela chapa Povo Unido.
Esquerda dividida
As propostas de mudança se expressaram nas diversas alianças da oposição. Enquanto os setores da direita saíram unificados, a esquerda e o campo progressista popular saiu dividido em 78 chapas.
Para a jornalista chilena Marcela Cornejo, a fragmentação não colabora para a eleição de candidatos do campo progressista. O processo será regido pelo atual sistema eleitoral, que prioriza a quantidade de votos de cada chapa para definir a ocupação das cadeiras da Convenção Constitucional, e não o número absoluto de votos de cada postulante.
Natalie Arriagada é uma das militantes que questiona o compromisso dos partidos da Concertação para a Democracia (Partido Socialista, Partido Democrata Cristão, Partido Radical e Partido pela Democracia), que governaram o Chile de 1990 a 2013.
“Nós não necessitamos representantes que administrem o poder, mas que o transforme ou descentralize”, critica.
Cornejo defende que a dispersão do campo popular se deve à falta de um projeto de país unificado, à pouca credibilidade dos partidos tradicionais e ao desejo de participação democrática do povo chileno.
“Não houve um projeto alternativo da esquerda. Essa falta de projeto faz com que todo o setor progressista – esquerda independente, parlamentar, extraparlamentar e um setor até mais radical – apresente-se de forma fragmentada. Enquanto a direita, ainda que também não tenha um projeto político unificado, foi capaz de se unir", aponta.
“Acredito que sim há uma oportunidade [de mudanças], mas vai depender das pessoas. Daqueles que se levantaram no 18 de outubro, do trabalho acumulado das nossas organizações, que deve se expressar em algum momento”, comenta Arriagada.
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Em novembro de 2021, os chilenos deverão ainda eleger um novo presidente. Piñera acumula 72% de reprovação, por isso busca, por meio da Constituinte e de medidas de controle da pandemia, aumentar a popularidade.
“Nós continuamos vivendo no mesmo Chile de antes de outubro de 2019, mas com um elemento fundamental que esteve ausente no debate público: a violação sistemática dos direitos humanos. Não só no contexto da revolta, mas também com a instalação de um Estado repressor disfarçado de controle e regulamentação da pandemia”, denuncia Cornejo.
Cerca de mil manifestantes foram detidos depois dos protestos de outubro de 2019 e 460 tiveram perda total ou parcial da visão por conta da violência policial. Entre as prisões preventivas, quase todas terminaram sem acusações ou sem provas suficientes para iniciar um processo e os militantes foram liberados depois de 12 meses.
Por outro lado, 68 policiais foram responsabilizados e processados por denúncias de abuso.
Edição: Camila Maciel