ENTREVISTA

No Recife, ambulantes apoiam lockdown, mas exigem respostas ao desemprego

Cristiano Silva, do Sindicato dos Comerciantes Informais de Pernambuco, reforça necessidade de renda básica e vacinação

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Categoria compreende necessidade das restrições, mas aponta dificuldade para sobreviver durante o período sem nenhuma política de renda - ANF

A Prefeitura do Recife, em Pernambuco, anunciou, na última quinta-feira (18), um auxílio emergencial mensal de R$ 150,00 para os cidadãos cadastrados no programa Bolsa Família e de R$ 50,00 para os demais trabalhadores em situação de vulnerabilidade social, que inclui os trabalhadores informais, parcela da população que vem sofrendo diretamente o impacto da pandemia.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último trimestre de 2020, os trabalhadores informais correspondiam à metade da população economicamente ativa de Pernambuco

"R$ 50,00 não paga nem o gás. O gás hoje é, em média, R$ 85,00". explica Cristiano Silva, presidente do Sindicato dos Comerciantes Informais de Pernambuco (SINDCIPE).

O sindicalista afirma que o programa de auxílio emergencial anunciado é de "caráter propagandístico" e não vai impedir que os trabalhadores informais deixam de sair às ruas para garantir o sustento de suas famílias.

"É absurdo pensar que um trabalhador que tem que ficar em casa em lockdown possa sustentar a sua família com R$ 150,00". 

Silva defende a oferta de um auxílio emergencial que garanta condições dignas de vida aos trabalhadores informais e de outros setores.

"O auxílio emergencial é fundamental para salvar vidas, porque se o trabalhador não consegue ficar em casa, ele vai às ruas para trabalhar e corre o risco iminente de se contaminar e também de ser vetor de contaminação do vírus".

O presidente do SINDCIPE também avalia que a criação de uma renda básica permanente e a aceleração do processe de vacinação são estratégias que precisam caminhar juntas. "A vacina é tão essencial quanto a renda básica permanente. É necessário que as duas combinações sejam um pilar da retomada econômica". 

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato Pernambuco: Com a pandemia e a quarentena rígida, tem diminuído bastante a circulação de pessoas nas ruas e a maioria das atividades comerciais está proibida. Quais têm sido os principais impactos sofridos pela categoria dos trabalhadores informais nessas circunstâncias?

Cristiano Silva: O comerciante informal é o mais atingido. O efeito acaba sendo fatal na renda dele. Até quem trabalha com produtos que são essenciais, por exemplo, os feirantes, têm sofrido repressões, e a gente está acompanhando nas redes sociais. Há diversas denúncias de repressões de agentes da prefeitura atuando em cima dos feirantes, e é um absurdo.

Quem não vende produto essencial está em casa, passando necessidade, sem renda e, infelizmente, o decreto que impõe o lockdown não é o decreto que determina uma ajuda social para que a gente possa ficar tranquilo e calmo, em um distanciamento social seguro, com alimentação e com renda.

Nas últimas semanas, circularam vídeos nas redes sociais de fiscais recolhendo mercadorias e comerciantes, inclusive desses feirantes. Como você tem observado a atuação da gestão municipal, não só em Recife, mas também em outros municípios aqui de Pernambuco?

É lamentável. As prefeituras e todos os municípios deveriam incentivar que as pessoas pudessem empreender com o comércio popular, porque é uma alternativa ao desemprego.

Nós falamos tanto em índice de desemprego, de como isso afeta a economia, mas, em contrapartida, criminalizamos a alternativa que o trabalhador encontra para superar esse desemprego.

O trabalhador coloca uma banca na feira ou uma carrocinha para trabalhar próximo a alguma região comercial e vem a prefeitura e reprime, toma a sua mercadoria, agride o trabalhador. Isso é recorrente em praticamente todos os municípios.

Há uma proposta sendo discutida dentro da Câmara dos Vereadores de Recife sobre a Renda Básica municipal. Como você se posiciona em relação a isso e como observa os valores que estão sendo debatidos no momento, de R$ 50,00 a R$ 150,00, pela gestão municipal?

O nosso sindicato vem trabalhando junto com outros movimentos sociais em busca de uma Renda Básica, mas não essa renda básica que foi imposta pelo prefeito do Recife. Essa, na verdade, é uma vergonha.

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A ideia é que a renda básica tivesse um caráter permanente, universal. Primeiro, porque Recife é uma das capitais mais desiguais do Brasil. A renda básica seria uma ferramenta perfeita pra combater essa desigualdade.

Mas o que a gente vê, infelizmente, é uma proposta de uma renda de R$ 50,00, podendo alcançar até R$ 150,00. É absurdo pensar um trabalhador que tem que ficar em casa em lockdown possa sustentar a sua família com R$ 150,00. 

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A proposta ainda vai tramitar na Câmara. Acredito que alguns vereadores aliados aos movimentos sociais irão propor uma adição a esse valor, e espero que seja aprovado.

A sociedade vai às ruas denunciar o que está acontecendo, porque, na verdade, a prefeitura vai usar esse valor pífio que ofereceu como auxílio só como meio de propaganda, mas a sociedade vai às ruas denunciar.

Contamos que, quando a proposta tramitar na Câmara, nós consigamos aprovar as emendas necessárias, principalmente em relação ao valor.

Como você citou, o Recife é uma das capitais mais desiguais do Brasil. Durante a pandemia, as desigualdades sociais estão se aprofundando e temos visto um crescimento de pessoas que começaram a trabalhar com o comércio informal. Como  você observa a importância da implementação da Renda Básica?

A categoria informal é a que mais tem crescido porque, como eu te disse antes, é a alternativa que o trabalhador tem para superar o desemprego.

O trabalhador não vai ficar em casa, esperando ser chamado por uma empresa, um ano, dois anos, três anos. O trabalhador quer garantir o sustento da sua família, e é na informalidade que ele encontra essa alternativa.

Nesse sentido, nessa conjuntura em que precisamos ficar em casa, o auxílio emergencial é fundamental para salvar vidas, porque se o trabalhador não consegue ficar em casa, ele vai às ruas para trabalhar. E ele corre o risco iminente de se contaminar e também de ser vetor de contaminação do vírus. 

:: Coluna | Qual a diferença entre Renda Básica e Auxílio Emergencial? ::

E que o auxílio emergencial, com um valor que dê para sustentar a família,  seja permanente, porque esse caráter de dois, três meses é insuficiente. Nós acreditamos que, da forma que veio a 2ª onda da covid-19, virá uma 3ª e uma 4ª com essa gestão federal. 

Como você observa a importância da vacinação em massa? Tanto para categoria dos comerciantes informais, que de fato trabalham presencialmente e precisam ter garantida a sua saúde, mas também para toda a população. 

A vacinação é fundamental em todos os agentes da sociedade. Me espanta muito que a vacina esteja totalmente atrasada nesse país.

Espanta muito também que além de estarmos atrasados, temos uma gestão federal, um presidente que é totalmente negacionista em relação a isso. Põe em risco diretamente a população mais pobre, mais carente, mais vulnerável e os comerciantes informais estão inseridos nisso.

Em primeiro grau, porque como eu te falei, a gente não consegue se manter em casa com o auxílio de R$ 50,00 da prefeitura do Recife, então os trabalhadores informais vão encarar o vírus na rua.

A vacina é tão essencial quanto a renda básica permanente. É necessário que as duas combinações sejam um pilar da retomada econômica.

Quais têm sido as principais pautas de luta do SINDCIPE?

Nós temos focado nesses últimos dias justamente na questão da Renda Básica, principalmente aqui na Prefeitura do Recife, para denunciar esse caráter propagandístico de um auxílio emergencial municipal, que, na verdade, é uma vergonha; R$ 50,00 não paga nem o gás. O gás hoje é, em média, R$ 85,00.

Além disso, temos trabalhado também para a isenção total nas contas de água e luz. Não é possível que a prefeitura ou outros órgãos da união proponham auxílios que durem dois, três meses e que essas concessionárias de águas e de luz não possam ficar dois ou três meses sem receber das pessoas mais carentes. É um absurdo.

É necessário também que seja dado também um vale gás para que os trabalhadores parem de se acidentar, de se queimarem, cozinhando à lenha, com álcool. 

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga e Poliana Dallabrida