Ontem, dia 25 de março, rodaram pelas redes sociais notícias e vídeo denunciando a inundação de estradas e um lago na comunidade de Aurizona, no município maranhense de Godofredo Viana.
A inundação teria sido causada pela Mineração Aurizona S.A. (MASA), subsidiária da mineradora canadense Equinox Gold. Os vídeos causaram consternação em parte pela presença de uma barragem de rejeitos de mineração, pertencente à MASA, com volume de em torno de 10 milhões de m3, o volume aproximado da barragem da Vale que rompeu em Brumadinho.
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Acompanhei durante dois anos o projeto de mineração da Equinox Gold, que é hoje um dos cinco maiores projetos de extração de ouro do Brasil. Com este texto quero evidenciar a falta de controle social, participação pública, fiscalização e monitoramento do empreendimento da Equinox Gold, em Godofredo Viana, o que em uma interpretação mais ampla seriam características do que intitulamos modelo mineral brasileiro.
Como dito, ao lado da mina da Equinox, está a comunidade de Aurizona, com uma população aproximada de quatro mil habitantes, tendo ainda outras comunidades nos arredores. Não é a primeira vez que a mineradora causa danos ao meio ambiente e à população.
Além de barragem, a mina possui pilhas de estéril¹, que chegam a 30 metros de altura, muito próximas às casas da comunidade. No dia 4 de novembro de 2018, ocorreu o deslizamento de pilhas de estéril, o que bloqueou a estrada de acesso à comunidade e atingiu uma região de mangue e de igarapés².
Na foto abaixo vemos que o material atravessou a estrada e atingiu uma região de mangue, deixando uma clareira na mata. Uma área de cerca de 100 m2 de mangue foi atingida.
Em nota³, a empresa afirmou que “o ocorrido seria investigado para que as causas possam ser inteiramente conhecidas”. Até hoje não foram apuradas as causas do deslizamento.
Ainda, de acordo com vereadores e de pescadores, em 2014, vazou material da área de lavra atingindo igarapés da região e causando a mortandade de peixes. Não se sabe de qual infraestrutura foi proveniente o material, mas novamente fica evidente a falta de controle social e monitoramento da empresa.
Na pesquisa, percebemos que o monitoramento e o licenciamento da barragem possuem problemas graves. De acordo com o Plano de Ações Emergenciais da Barragem do Vené, “não há residentes na área a jusante da barragem”. Ainda, “em caso de rompimento o rejeito está direcionado à cava da mina”.
No entanto, constatamos inúmeras residências no entorno da barragem. Também o Plano de Ações Emergenciais recomendou que fossem realizados simulados externo e interno de rompimento, o que, no caso do simulado externo, jamais foi realizado segundo os moradores.
No mais, evidencio que não foi possível acessar alguns documentos. Através de pedido à Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), o Plano de Ações Emergenciais foi disponibilizado incompleto.
O documento menciona mapas de inundação de um hipotético rompimento da barragem, que não foram disponibilizados. Tal fato causa preocupação, pois são duas as possibilidades: a primeira, de que a SEMA tenha deliberadamente optado por não disponibilizar os mapas de inundação; a segunda, ainda mais preocupante, de que os mapas não existam na documentação da barragem.
Voltando à inundação de 2021, prefiro não aventar eventos que tenham causado-a, mas pelo vídeo do dia 25 de março, podemos ver que o lago Juiz de Fora foi atingido pela inundação, o que é bastante preocupante porque ali é captada a água para consumo da população de Aurizona.
Por isso, é essencial saber de qual estrutura da empresa essa água veio e por onde ela passou, considerando a presença de material estéril entre os reservatórios/barragem e o lago Juiz de Fora.
O fato é que a população está isolada e sem acesso à água potável em meio ao pico de contaminações e mortes por covid-19. Esperamos que ao menos desta vez a empresa seja obrigada a dar as devidas explicações e reparar a população e o meio ambiente pelos danos causados.
Em minha pesquisa concluo que o Projeto Aurizona funciona num processo decisório que toma como centrais os interesses da empresa e deixam os poderes municipais, a população local e as comunidades às margens.
:: Artigo | Minas Gerais: vocação mineradora ou autodestruição? ::
A falta de transparência e participação pública nos processos deliberativos, a especialização na mineração de extração em larga escala que se faz em detrimento de outras atividades econômicas, a falta de fiscalização e monitoramento da infraestrutura de mineração e beneficiamento, ficando quase que exclusivamente a cargo da própria empresa, são algumas da características deste projeto, mas também do modelo mineral brasileiro.
¹ O estéril é o material separado do minério que é descartado diretamente da operação de lavra, sem passar pelo processo de beneficiamento. As pilhas de estéril são uma das formas de depositar este material.
² https://mamnacional.org.br/2018/11/09/o-ouro-e-o-esteril-na-zona-do-ouro-maranhense/
³ https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2018/11/04/deslizamento-de-dejetos-em-mineradora-isolam-comunidade-no-maranhao.ghtml
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante