É preciso atenção redobrada para os próximos movimentos de Bolsonaro
Com popularidade em queda, pressão dos banqueiros, do centrão e Lula no cangote, Bolsonaro agora quer fazer amizade com o Zé Gotinha. Mas todo mundo já sabe que “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
1. Sinais, fortes sinais. Todos sabem que em 2018 o mercado financeiro preferia a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB), mas como ela não decolou, Bolsonaro se tornou a melhor alternativa contra o retorno do PT ao poder. Agora o prazo desse casamento de interesses parece estar se esgotando. O desabafo do banqueiro José Olympio, presidente do Credit Suisse Brasil, revela o clima da elite. Perguntado sobre se apoiaria novamente Bolsonaro, ele respondeu que “Naquele momento, ele representou uma esperança. Infelizmente, ela não se materializou da forma como todo mundo esperava”.
Outro exemplo foi a carta publicada no domingo (21) e assinada pela nata das finanças, dentre eles banqueiros, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, que foi uma espécie de ultimato à política negacionista do governo federal. Embora ela não mencione o nome de Bolsonaro, fica clara a oposição das finanças à ausência de coordenação nacional no combate à pandemia e à lentidão da vacinação, bem como o apoio às medidas restritivas que vêm sendo tomadas pelos governadores.
Depois de três anos passando a mão na cabeça e depois de milhares de mortos, as elites financeiras só agora admitem que não há versão moderada de Bolsonaro. Em todos os casos, os presidentes da Câmara e do Senado se tornaram o muro das lamentações em relação ao governo. Na segunda-feira (22) um grupo de banqueiros e empresários se reuniu com o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco para discutir alternativas para a compra de insumos e vacinas. Dentre os presentes, encontravam-se os banqueiros Luiz Carlos Trabuco Cappi do Bradesco e André Esteves, do BTG Pactual. Bolsonaro não estava presente. Segundo Malu Gaspar, a Faria Lima desistiu de Bolsonaro e agora os banqueiros já dialogam com congressistas em busca de uma alternativa de poder para 2022. Dentre eles, já passaram os nomes de Luciano Huck, Luiza Trajano e, mais recentemente, do governador tucano Eduardo Leite. Alguns já até aventam a possibilidade de votar em Lula contra Bolsonaro se for necessário.
2. O novo amigo do Zé Gotinha. A hostilidade de Arthur Lira, outrora símbolo da aliança com o centrão, foi mais um fracasso na estratégia de Bolsonaro em mudar a narrativa sobre o combate à pandemia. O pronunciamento em cadeia nacional na terça-feira (23) à noite, em que Bolsonaro mentiu quatro vezes em três minutos sobre as ações do governo só serviu para alimentar um panelaço, em um dia de vitória de Lula e dos governadores pelo isolamento social no STF, e não provocou nenhuma reação fora da sua bolha nas redes sociais.
No dia seguinte, Bolsonaro tentou surfar numa reunião que não ajudou a articular e ainda caiu na própria armadilha, ao ser nomeado como coordenador do comitê que pretendia culpar pelo fracasso pela vacinação. Com o próprio Bolsonaro à frente, ninguém seguirá o comitê e o pacto, que só incluiu sete governadores (bolsonaristas), talvez não dure uma semana.
Rodrigo Pacheco e Arthur Lira reuniram-se com boa parte do PIB nacional na véspera da reunião e ouviram claramente que a paciência com o capitão se esgotou. O recado foi determinante para a postura dos presidentes do Congresso no encontro e foi verbalizada por Arthur Lira na sequência, faltando apenas soletrar a palavra “impeachment”.
Para começo de conversa, empresários e o Congresso querem a cabeça de Ernesto Araújo, notoriamente incompetente para negociar as vacinas internacionalmente. Para complicar mais a vida do último ministro olavista, um assessor fez gestos associados à supremacia branca norte-americana durante a audiência de Araújo no Senado. Assim como Pazuello, será difícil encontrar uma saída honrosa para o chanceler. Mas, só a demissão não deve estancar o descontentamento no Congresso, em especial do centrão, acentuada pela morte do Senador Major Olímpio.
Pela primeira vez em seu mandato, Bolsonaro vê a possibilidade de não chegar ao segundo turno em 2022 e ainda de ser responsabilizado criminalmente pelas mortes, como pede a OAB. A sua queda de popularidade ainda não furou a bolha do seu terço do eleitorado, mas já dá sinais de fissuras entre os evangélicos e de incômodo na sua trincheira mais fiel, as forças armadas. Pode-se medir o quanto Bolsonaro se sente isolado e acuado pela curtíssima live desta quinta-feira sem convidados. Com o modo padrão de lidar com as crises fracassando – discurso golpista, falar só para a base e demitir ministro –, é preciso atenção redobrada para os próximos movimentos de Bolsonaro.
3. Montanha russa. Se há uma verdade sobre a política brasileira, é que ela não é para amadores. Prova disso é a trajetória do ex-presidente Lula desde a sua prisão em abril de 2018 até a anulação do seu julgamento na última terça-feira (23) devido à suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. A pressa do ministro Kassio Nunes Marques em dar continuidade ao julgamento foi interpretada como um sinal que Bolsonaro tem mais medo de Lula do que de Moro. Além da indicação de Marques para o STF, Bolsonaro tinha prometido até uma condecoração para o ministro, mas depois do revés de terça pode ser que a medalha não venha.
As pressões foram grandes. Às vésperas da retomada do julgamento, até o Instituto Datafolha foi mobilizado para tentar pressionar os ministros da Corte. Mas a correlação interna no STF mudou. A maioria favorável a Lula foi liderada por Gilmar Mendes, este “nosso improvável Macunaíma”, cuja implacável argumentação conseguiu reverter o voto da ministra Cármen Lúcia. O primor do discurso de Mendes, que viralizou nas redes, contrasta com a superficialidade e o improviso do voto de Nunes Marques, e com o visível constrangimento de Edson Fachin, desde sempre um defensor da Operação Lava Jato. Agora, o descontentamento de Mendes com Nunes Marques, ambos identificados com a ala garantista do STF, pode custar ainda a cabeça de Flávio Bolsonaro, que tem processos correndo na corte.
Já o ex-juiz Sérgio Moro sai do processo enxovalhado e dificilmente terá qualquer papel relevante na política brasileira no futuro próximo. No máximo, recebeu uma improvável solidariedade das bases bolsonaristas. O lavajatismo ainda sofreu mais uma derrota na semana, com a decisão de Rosa Weber de negar o pedido para suspender o inquérito contra procuradores de Curitiba por investigarem ilegalmente os ministros do STJ. Porém, ainda resta um último episódio, com a discussão pelo plenário do STF, no próximo dia 14, dos recursos sobre a decisão de Facchin em declarar a incompetência de Moro. Por hora, politicamente reabilitado pelas mãos do STF, Lula se prepara para 2022, sinalizando para os militares, enquanto governadores petistas e tucanos trocam gentilezas e acenos. Ainda que o cenário aponte uma polarização entre Lula e Bolsonaro daqui há um ano, na montanha russa da política brasileira, ainda é cedo para ter certezas.
4. Dois que não valem um. Durante dez dias, enquanto o número de casos e mortos aumentavam sucessivamente, o Brasil teve dois ministros da Saúde e não teve nenhum. Anunciado como novo ministro na semana passada, Marcelo Queiroga só tomou posse na terça para que participasse da reunião com o STF e governadores na quarta. Como já havia demonstrado na outra semana, Queiroga chega afinado com o chefe, como se tivesse saído do grupo de zap da família, dizendo que irá pessoalmente ver se as UTIs realmente estão lotadas.
O novo ministro tomou posse sem que Bolsonaro resolvesse o que fazer com o General Pazuello. Ao que parece, a ideia de garantir foro privilegiado para o general fracassou e os militares, que já haviam bloqueado uma promoção relâmpago de Pazuello, também impediram a criação de um ministério da Amazônia só para ele. No final, o general deve ser pendurado num cabide de emprego com Paulo Guedes e vai encarar mesmo um processo em primeira instância sobre negligência no combate à pandemia.
E o general tem mais motivos para se preocupar: o uso do “kit covid” distribuído massivamente pelo governo, está sendo associado ao aumento de casos de hemorragias, insuficiência renal e arritmias, além de maior possibilidade de morte na UTI, como se viu em Camaquã (RS), onde o tratamento foi defendido ao vivo por Bolsonaro um programa de rádio local. O governo também pode ser responsabilizado pela disseminação de fake news relacionada às vacinas e que convenceram 46% dos brasileiros.
Na quinta-feira (25) Marcelo Queiroga esteve em visita à Faculdade de Medicina da USP, onde foi alvo de protestos de estudantes, mas em sua fala não deixou claro se está disposto a abandonar o tal “tratamento precoce”, marca do governo Bolsonaro na pandemia.
5. Sociedade Amigos da covid. É impossível esconder a dimensão da tragédia: ultrapassamos nessa semana 300 mil mortos na pandemia, sendo que mais de 100 mil ocorreram nos últimos três meses. A previsão do número de doses de vacinas diminuiu novamente - e portanto o cronograma de vacinação continua atrasado. Nesse cenário as vacinas se tornaram bens valiosos, motivando ações de roubo a mão armada, como ocorreu em São Paulo (SP) e Natal (RN).
Do outro lado, cresce o olho dos empresários para comprar e comercializar vacinas, seja por meios ilegais como fizeram empresários mineiros, seja com a ajudinha do Judiciário conforme a decisão da Justiça Federal de Brasília que considera inconstitucional a doação obrigatória para o SUS de vacinas compradas pelo setor privado. Diante da inércia do governo, o Senado emitiu uma moção de apelo à comunidade internacional, num momento em que a possibilidade de alcançarmos 5 mil mortos por dia não deve ser descartada.
O agravamento da pandemia aliado à vacinação lenta criou um ambiente propício para a ocorrência de mutações na nova variante brasileira, que está se tornando mais contagiosa, como afirma a Fiocruz. Depois do sistema de saúde, começou a entrar em colapso o sistema funerário, segundo a associação do setor, como já está ocorrendo em Belo Horizonte (MG).
Sem comando, resta ao ministério da Saúde recorrer a um antigo método da ditadura militar para reduzir os mortos: maquiar os números. O ministério decidiu só contabilizar os registros de mortos que contenham o número do CPF, do SUS e a nacionalidade. A genial ideia diminui em cinco vezes o número de mortos em São Paulo, mas só nas estatísticas. Mesmo neste cenário, não faltam aliados ao genocídio, como a Cúpula do Conselho Federal de Medicina, difusores dos remédios para sarna e piolho como tratamento preventivo, e a Confederação Brasileira de Futebol, que insiste em manter os campeonatos estaduais.
6. Medo acima de tudo. É parte da fórmula de Bolsonaro, quando acuado, recorrer a ameaças golpistas. Ainda que uma parte dos discursos seja vago, como na comemoração do seu aniversário, e tradicionalmente ele retroceda quando pressionado por um adulto, este discurso de intimidação, além de animar suas hostes nas redes sociais, têm consequências reais graças ao controle do aparelho policial. Como todos se lembram da reunião-manifesto de abril do ano passado – aquela da boiada – o sonho de Bolsonaro é uma polícia a serviço de seus interesses familiares e políticos.
Missão que levou André Mendonça ao ministério da Justiça e tem sido cumprida à risca: depois de Felipe Neto e de manifestantes com uma faixa de “genocida”, o novo alvo do DOPS bolsonarista é Ciro Gomes. Mas não é preciso ser um político conhecido para ser perseguido pela Polícia Federal: um trabalhador autônomo é investigado pela PF por uma postagem no facebook. As ações da PF geraram uma notícia-crime da oposição contra André Mendonça, encaminhada pelo STF para a Procuradoria Geral da República.
Uma das ferramentas de intimidação da polícia política do clã é a Lei de Segurança Nacional, um resquício dos porões da ditadura que Bolsonaro tanto sente saudades. Esse “fóssil normativo”, como caracterizou o ministro Ricardo Lewandowski, sempre foi usado com motivações políticas e por isso tanto o senador Cid Gomes, quanto sete juristas, sugerem a revogação da lei. Porém, tão grave quanto a LSN e com a mesma intencionalidade, é a tramitação das alterações na lei antiterrorismo, agora acelerada por Arthur Lira, e que prevê a criminalização de movimentos sociais.
7. Ignorância acima de todos. Quem está aproveitando a pandemia para passar a sua boiada é o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro. Enquanto o mundo todo preocupa-se com os retrocessos na alfabetização das crianças, aqui no Brasil o governo considera que a atual experiência de educar em casa é positiva e pretende aprovar o ensino domiciliar (homeschooling) ainda no primeiro semestre. Afinal, essa pauta agrada a base evangélica que apoia o governo.
E como na opinião do pastor Ribeiro a educação deve ocorrer preferencialmente em casa, o governo dispensa planos de recuperação da infraestrutura, de investimento em tecnologia e de formação de professores. A trapalhada na distribuição dos recursos do Fundeb, onde alguns municípios receberão mais verbas do que deveriam e outros ficaram sem, mostra o descaso com o tema.
Se já está ruim, a tendência é piorar, pois o Congresso aprovou o texto-base do orçamento da União deste ano com previsão de encolher em 34% o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações , assim como as universidades devem perder cerca de 18% de suas verbas de custeio. Aspectos pedagógicos e didáticos também são alvos do ataque do pastor-ministro, dentre eles a tentativa de implementar uma nova prova nacional de alfabetização a ser elaborado por vinte consultores externos e sem a contribuição do corpo especializado do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep).
Como em todo o resto, o Congresso começa a ocupar o espaço vazio deixado pelo governo, criando uma Frente Parlamentar Mista para propor leis em torno de questões como a volta às aulas, acesso à internet e alimentação escolar. Quando o assunto é educação, parece que a única notícia é que, em alguns estados, os professores em breve começarão a ser vacinados.
8. Ponto Final: nossas recomendações.
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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Rodrigo Chagas