Esporte

Carter Batista: “A sociedade entenderá o recado quando o futebol parar”

Fundador do Esse Dia Foi Louco é sucesso na internet falando de futebol sarcasticamente com pitadas políticas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Advogado, Carter Batista fundou o EDFL em 2014 - Foto: Arquivo Pessoal

Fundador do Esse Dia Foi Louco (EDFL), perfil com quase 1,5 milhão de seguidores nas redes sociais, o advogado Carter Batista ganhou fama no meio do futebol ao satirizar o cotidiano do esporte mais popular do país e estimular o clubismo – quando torcedores defendem cegamente o clube que torcem, em contraponto à “colonização do torcedor brasileiro” pelos times europeus.

“Estudem, pois o conhecimento e o clubismo são as únicas duas coisas que ninguém nunca poderá tirar de vocês”, pede Carter, em uma publicação no Twitter.

É nesta rede social que o advogado aprofunda suas posições políticas, que costumam dividir os fãs do EDFL. “Saudade de quando o maior carrasco do Brasil era o Zidane e não o nosso próprio presidente”, postou.

Sobre a pandemia, Carter elogia os protocolos adotados pelos clubes, mas defende a paralisação imediata do futebol.

“Eu acho que esse momento que vivemos é diferente daquele agosto de 2020 – quando os campeonatos foram retomados no país. Hoje, no Brasil, o poder público perdeu o controle da pandemia, os hospitais estão em franca falência e não há leitos em UTIs”, explica o advogado. “A sociedade entenderá o recado quando o futebol parar”, finaliza.

Brasiliense, Carter lembra que foi a primeira pessoa de sua família a cursar uma universidade. “Nós tivemos no Brasil, em governos anteriores, um maior acesso à alfabetização, à escola superior e tudo isso torna a sociedade mais plural e as minorias podem acessar cargos de gestão. Se você, no Brasil, é pobre, preto ou favelado, tem a obrigação de ser progressista.”

::Joanna Maranhão: “O esporte é uma coisa política querendo ou não”::

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Carter, você é uma voz progressista no meio do futebol, que é tão conservador, e segue fazendo sucesso. É difícil ser progressista nesse meio?

Carter Batista: Nossa sociedade, ela sofreu processos de recrudescimento desse conservadorismo que beira o chauvinismo, na verdade. São circunstâncias deploráveis. Eu vejo que esse corpo social, que quer se agarrar ao conservadorismo, como um desespero. Para quem joga xadrez, é o ‘esperneio’. É uma reação a um processo de amplificação da voz das minorias, e eu sou parte das minorias, pois sou um homem negro. Para minha família, cursar uma universidade é uma novidade, e graças ao esporte, eu lutava judô e ganhei uma bolsa.

Eu acho que essas conquistas não foram entregues pelo conservadorismo, fazem parte de uma luta social. Nós tivemos no Brasil, em governos anteriores, um maior acesso à alfabetização, à escola superior e tudo isso torna a sociedade mais plural e as minorias podem acessar cargos de gestão. Se você, no Brasil, é pobre, preto ou favelado, tem a obrigação de ser progressista. Se você é mulher, tem obrigação de ser feminista. É o que se espera, porque se conformar e baixar a cabeça para as instituições, não vai te ajudar. 

Os temas do futebol devem ser tratados de forma diferente? O futebol é um mundo à parte?

O futebol é político, como tudo na sociedade é político. Eu acredito que somos animais políticos e o futebol não é diferente. Existe uma política própria do futebol, que é tratada por clubes e federações. Mas, existe também o futebol como fio condutor da política pública e dos anseios da sociedade, tem uma frase famosa do Umberto Eco em que ele pergunta: “Haverá revolução em um domingo de futebol?”.

O futebol age como o entorpecimento e alegria de um povo, em um dia de futebol, a sociedade está menos propensa para reclamar e exigir seus direitos. Nunca podemos deixar que o futebol seja só isso, não é só futebol, nunca será só futebol. O futebol possibilita uma melhor convivência entre pai e filho, por exemplo. Quem leu o livro “Febre de bola” , do Nick Hornby, sabe do que estou falando.

Vivemos um momento de instabilidade no futebol. Alguns estados proibiram os campeonatos, outros liberaram. Em São Paulo, a Federação Paulista de Futebol tenta burlar as determinações do governo e jogar o campeonato no Rio de Janeiro. Você acha que o futebol deve parar neste momento?

Logo no início da pandemia, eu achei muito justo o futebol ser paralisado, quando o número de mortes no Brasil era de 56 pessoas. A pandemia seguiu e em agosto o futebol voltou, mesmo antes de voltar na Europa, onde a situação já estava melhor que no Brasil. Eu fui muito crítico naquele momento, eu achava que não era momento de voltar. Porém, eu acho que o futebol se provou ‘jogável’, isso ficou provado. Inclusive na Europa, quando veio a segunda onda, a decisão foi por continuar com o futebol.

O Brasil, salve uma experiência em Araraquara, não viveu uma experiência de lockdown, com todo mundo em casa. Até porque, nosso Estado não consegue prover a assistência necessária para as pessoas ficarem em casa. Aí, as pessoas ficam nesse dilema de ficar em casa e morrer de fome, ou ir às ruas e morrer de covid.

O único local no Brasil em que há testes regulares, é o futebol, e a testagem é eficiente no combate ao vírus. Ocorreram surtos em vários desses clubes, mas que foram detetados e isolados. Agora, vou ser contraditório. Eu acho que esse momento que vivemos é diferente daquele agosto de 2020. Hoje, no Brasil, o poder público perdeu o controle da pandemia, os hospitais estão em franca falência e não há leitos em UTIs. Esses dias, tivemos uma amiga que precisou de um leito de enfermaria e não conseguiu.

Estamos, portanto, no pior momento da pandemia no Brasil. Então, vale a pena repensar o futebol neste momento, até para que as pessoas sintam o choque e pensem que algo está errado. ‘Ah, não, vou sair sem máscara, vou para a academia, me esconder embaixo da mesa no cassino’. Não, eu acho que a sociedade entenderá o recado, quando o futebol parar. Eu digo isso, mas eu não tomo decisão, as pessoas que tomam decisão, precisam entender que é preciso ouvir o especialista. 

Eu queria que você falasse um pouco sobre a colonização dos torcedores brasileiros da nova geração, esse fascínio que o futebol europeu exerce neles.

Já basta a colonização que aconteceu nos séculos XV e XVI, não precisamos ser colonizados novamente, depois de sermos considerados a pátria do futebol. Claro que eu sei que isso é um processo natural, é um processo que está ligado à globalização e ao acesso aos jogos dessas estrelas e celebridades. O futebol deles (europeus) será sempre mais lustroso, o dinheiro está lá e nossos jogadores não estão aqui. Eu acho que, de certa forma, isso desvaloriza os clubes do Brasil e nossa cultura futebolística.

Eu fui muito ao nordeste acompanhar os clássicos de lá e vi a relação dos torcedores com os clubes da cidade. Vamos perder isso. Eu vivo em Brasília e aqui as pessoas aqui torcem para os times de São Paulo e do Rio de Janeiro. Você anda nas ruas de Brasília hoje, vai ver camisas do Real Madrid, Barcelona, Liverpool, até dos times ruins de lá, que são mais adorados que nossos bons times.

Eu gosto de pensar, como todo velho, que diz que no seu tempo tudo era melhor, que a gente dava trabalho para os europeus no campeonato mundial, os são paulinos sabem muito bem disso, viu o São Paulo no mesmo ano golear o Real Madrid e o Barcelona.

Como já falamos, há uma legião de jogadores conservadores, de direita, que, inclusive, compraram o discurso negacionista, em relação à pandemia. Como lidar com jogadores que são ídolos, como Marcos (ex-goleiro do Palmeiras) e que compraram esse discurso?

A primeira coisa que temos que ter em mente, é que as pessoas têm direito de manifestar suas posições ideológicas. O Marcos, por exemplo, que você citou, estive com ele algumas vezes, é difícil encontrar alguém que não gosta do Marcos. E ele tem uma clara e manifesta opinião política que é bem contrária ao que eu penso, mas ele tem esse direito.

Eu só acho triste, porque isso reflete um pouco o que a nossa sociedade como um todo está atravessando: estamos diante de uma das maiores tragédias do Brasil, nunca morreram tantos brasileiros, nunca estivemos tão pouco assistidos e não dá para olhar essa situação e poupar alguém que tem poder para mudar isso ou fazer diferente e continua não fazendo diferente.

Então, entristece bastante ver esse tipo de julgamento, porque demonstra a completa ausência de senso crítico, de um cara que é um ídolo, mas que reflete também a sociedade. Todos nós temos parentes e amigos que reproduzem, em algum grau, esse discurso, que é baseado em falácia, que não se preocupa com as evidências e é raso. 

Edição: Vinícius Segalla