O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), decidiu mudar para o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Segundo Dória, a medida foi necessária, depois que ele e membros da sua família receberam ameaças de pessoas que negam a existência da pandemia da covid-19.
"O negacionismo na pandemia deixou de ser um delírio das redes sociais, provocado pela paixão política, e está se tornando algo muito mais perigoso para a vida, a ciência e a democracia: uma seita intolerante e autoritária. Tenho enfrentado os seguidores dessa seita com inquéritos policiais e ações judiciais, com medidas sanitárias e vacinas, instrumentos da lei e da razão", disse Dória em comunicado oficial.
"Diante do radicalismo, decidi me mudar para o Palácio dos Bandeirantes. Ao menos, temporariamente. Regredimos a tempos obscuros em que a integridade física daqueles que defendem a vida e a democracia está sob ameaça" (confira ao final da matéria a carta na íntegra).
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O pedido de paz
O governador João Doria não foi o único a denunciar os casos de violência. No final desta segunda-feira (29), 16 governadores assinaram uma carta conjunta pedindo não somente paz ao governo federal, mas ajuda à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal.
A carta fala da luta pela vida contra o novo coronavírus e diz que "estimular motins policiais, divulgar fake news, agredir governadores e adversários políticos, são procedimentos repugnantes, que não podem prosperar em um país livre e democrático".
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O motim diz respeito ao posicionamento da deputada federal Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Kicks disseminou informações falsas sobre o tema e incitou policiais contra o governador da Bahia, Rui Costa (PT). A deputada usou uma frase dita pelo policial Weslei Soares, fora de contexto, para dizer o agente lutava contra o lockdown estabelecido pelo governo baiano.
Nesta segunda-feira (29), após a repercussão do caso, a deputada bolsonarista apagou o post das redes sociais e fez uma retratação.
Governador do Ceará também é ameaçado
O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), também recebeu ameaças de morte. O áudio com a ameaça foi divulgado, nesta segunda-feira (29), pelo jornal Diário do Nordeste: “Vou ser sincero com vocês: tinha uma galera aí doida para pegar o governador...é porque sumiu [sic]. Mas não tá fácil pra ele escapar não. Tem um bocado de menino bom aí doido para pegar ele, para comer a cabeça dele. É grana, viu? E eu estou dentro”.
O suspeito foi identificado e teve o celular apreendido pela Polícia civil, que está analisando o equipamento.
Confira a carta dos governadores na íntegra
Os governadores, juntamente com os servidores públicos e profissionais do setor privado, estão lutando muito para garantir atendimento de saúde e apoio social à população. Enquanto isso, alguns agentes políticos espalham mentiras sobre dinheiro jamais repassado aos estados, fomentam tentativas de cassação de mandatos, tentam manipular policiais contra a ordem democrática, entre outros atos absurdos.
Registramos especialmente o nosso protesto quando são autoridades federais, inclusive do Congresso Nacional, que violam os princípios da lealdade federativa.
Conclamamos o Presidente da República, os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como o Presidente do Supremo Tribunal Federal, para que adotem todas as providências de modo a coibir tais atos ilegais e imorais.
Os Estados e todos os agentes públicos precisam de paz para prosseguir com o seu trabalho, salvando vidas e empregos. Estimular motins policiais, divulgar fake news, agredir Governadores e adversários políticos, são procedimentos repugnantes, que não podem prosperar em um país livre e democrático.
Finalmente, sublinhamos a nossa gratidão a todos os servidores públicos e profissionais que têm atuado incessantemente para vencermos a pandemia. Merecem especial destaque as forças policiais, que têm a nossa solidariedade e apoio em relação a reivindicações justas quanto à vacinação, pleito em análise no âmbito do Ministério da Saúde pela Comissão Intergestores Tripartite – CIT.
Brasília, 29 de março de 2021.
Assinam esta carta:
RUI COSTA Governador do Estado da Bahia
FLÁVIO DINO Governador do Estado do Maranhão
HELDER BARBALHO Governador do Estado do Pará
PAULO CÂMARA Governador do Estado de Pernambuco
JOÃO DORIA Governador do Estado de São Paulo
RONALDO CAIADO Governador do Estado de Goiás
MAURO MENDES Governador do Estado de Mato Grosso
EDUARDO LEITE Governador do Estado do Rio Grande do Sul
CAMILO SANTANA Governador do Estado do Ceará
JOÃO AZEVÊDO Governador do Estado da Paraíba
RENATO CASAGRANDE Governador do Estado do Espírito Santo
WELLINGTON DIAS Governador do Estado do Piauí
FÁTIMA BEZERRA Governadora do Estado do Rio Grande do Norte
BELIVALDO CHAGAS Governador do Estado de Sergipe
REINALDO AZAMBUJA Governador do Estado de Mato Grosso do Sul
WALDEZ GOÉS Governador do Estado do Amapá
Confira o comunicado de João Doria (governador de São Paulo):
O negacionismo na pandemia deixou de ser um delírio das redes sociais, provocado pela paixão política, e está se tornando algo muito mais perigoso para a vida, a ciência e a democracia: uma seita intolerante e autoritária.
Tenho enfrentado os seguidores dessa seita com inquéritos policiais e ações judiciais, com medidas sanitárias e vacinas, instrumentos da lei e da razão.
O fanatismo ideológico, porém, ignora a racionalidade e a legalidade. Ele tem ultrapassado os limites do embate político e do questionamento técnico com ameaças à segurança da minha família e agressivas manifestações na porta da minha residência, perturbando o bairro e vizinhos. Diante do radicalismo, decidi me mudar para o Palácio dos Bandeirantes. Ao menos, temporariamente.
Regredimos a tempos obscuros em que a integridade física daqueles que defendem a vida e a democracia está sob ameaça.
Vivi esse mesmo sentimento quando acompanhei meu pai no exílio, um democrata cassado pela ditadura. Dessa vez, no entanto, não haverá exílio, nem ditadura. Haverá ciência, vacinas, vidas salvas e democracia.
Meu desprezo por estes extremistas que ameaçam a mim, a minha família e ameaçam pessoas que defendem a vida. É uma decisão difícil, mas necessária nesse momento de muita intolerância ao pensamento contraditório, de belicismo verborrágico e de cegueira ideológica.
Edição: Rodrigo Durão Coelho