"Eles já dominam o processo interno e estão no momento de se preparar para dominar o externo"
Imaginem um peixe que pode ultrapassar três metros de comprimento e pode chegar a 250 kg. Assim é o pirarucu, o maior peixe de água doce do mundo, se considerarmos apenas, os peixes fluviais escamosos.
A espécie correu o risco de extinção devido à pesca predatória praticada ao longo de muitos anos, mas, na Terra Indígena Paumari, localizada no estado do Amazonas, há fartura de pirarucu desde 2009.
:: Turismo comunitário favorece troca de conhecimentos agroecológicos em Resex no Pará ::
O indígena Rogilson de Oliveira, de 33 anos, lembra a época em que era difícil encontrar pirarucu nas águas do Rio Tapauá. Nascido na Aldeia Cunhuá, na localidade de Terra Baixa, na TI Paumari, Rogilson agora vive na Aldeia Colônia com sua esposa e quatro filhos. Além da família dele, a localidade conta com mais sete famílias.
O indígena conta que aprender a pescar no sistema de manejo foi algo novo e satisfatório dentro de suas tradições.
"O pescador sabe pescar, mas não dessa forma. A gente não conhecia essa pescaria e fomos entendendo o que era o manejo: que a gente preserva, cuida e conforme o peixe vai crescendo, a gente poderia tirar uma porcentagem. Hoje é melhor pescar, porque a gente sabe que não depende só do dinheiro, mas também das espécies que estão sendo preservadas e tudo isso é um incentivo para a preservação", destaca.
O Projeto de Manejo Sustentável do Pirarucu na Terra Indígena Paumari envolve seis comunidades e a de Rogilson é uma delas. No local, o forte é a agricultura familiar como a roça de mandioca para fazer farinha, castanha do Pará, copaíba e também outras espécies de peixe.
:: Inquérito sobre incêndio em Alter do Chão (PA) é arquivado sem apontar responsáveis ::
No entanto, a comunidade se organizou em um sistema de proteção contra pescadores ilegais. O peixe não fica preso, ele vive livre e os indígenas fazem a vigilância ao redor do lago.
"A gente só protege ao entorno do lago para que as pessoas não mexam, para o peixe não sair, até porque há muitos pescadores de pirarucu de pesca ilegal e já nos deparamos com situações de pessoas querendo entrar no lago, em outras já saindo. Essa parte é muito trabalhosa", relata.
Todo esse processo do manejo faz parte do projeto “Caminhos da Floresta: Modelos de Negócios Comunitários Inovadores para a Amazônia”, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que pesquisa arranjos econômicos na comercialização de diversos produtos florestais e alimentos.
Marcelo Carpintéro, consultor de Negócios de Impacto do Imaflora explica que para além do manejo sustentável do pirarucu, na Terra Indígena Paumari, o que mais chamou a atenção deles foi o sistema de pontos.
O sistema não leva em conta, apenas, os indígenas que estão envolvidos diretamente com a atividade pesqueira, mas com outras que eles consideram importante para o bem-estar de todos os membros da comunidade.
:: Agricultura do Rio Negro (AM): preservação ancestral e dinâmica de inovações ::
Funciona assim: 30% de todo o valor do pirarucu vendido é guardado para investimentos nas ações de manejo e o quanto cada indígena recebe é calculado com base em pontos.
Para ganhar os pontos cada Paumari tem que participar de atividades conforme o combinado. São elas: vigilância do lago, contagem do peixe, reuniões, pesca e cozinheiras.
Todas as atividades valem dois pontos e a contagem dos peixes três. Os indígenas só ganham a pontuação se participarem das atividades do início ao fim.
Depois, os pontos são somados até o fim da pesca, assim, o valor dos 70% da venda do pirarucu será divido pelo total de pontos de todos os paumari.
"Isso que nós achamos muito interessante, porque envolve outras pessoas, a exemplo, de indígenas de idade mais avançada, que não podem sair para pescar, mas participam do mesmo jeito e dão a sua contribuição e essa contribuição é valorizada. Achamos isso muito interessante e acreditamos que pode ser replicado em outras comunidades", salienta.
O contato com o povo Paumari foi intermediado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), organização que também integra o projeto, e a Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA).
O Coordenador do Programa Amazonas da OPAN, Diogo Henrique Giroto, atua na região de Lábrea, no Amazonas. Segundo ele, o projeto visa consolidar o processo de controle dos indígenas sobre o seu território em um contexto de invasão durante a década de 90 e anos 2000.
Para isso foi feito um estudo, onde se identificou que os indígenas queriam pescar, mas o pirarucu estava praticamente extinto. Depois de diversas conversas surgiu o projeto que cresce cada vez mais.
"O grande desafio é conseguir a viabilidade financeira, porque são custos muito altos e uma densidade muito grande de capacidade gerencial para tocar o processo. Então, hoje eles se encontram nesse momento. Eles já dominam bastante o processo interno e estão no momento de se preparar para dominar o processo externo de comercialização e negociação com o desafio de manter hoje em dia o que já se conquistou".
Edição: Daniel Lamir