Cerca de 200 famílias que vivem no acampamento Manoel Ribeiro, construído em agosto de 2020 em Corumbiara (RO), relatam pressões, intimidações e abusos por parte da Polícia Militar (PM), como parte de uma "guerra orquestrada pelo Governo de Rondônia".
O termo entre aspas foi usado pela Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (ABRAPO), em nota divulgada na última sexta-feira (2), em repúdio às ações policiais e em solidariedade aos camponeses.
O acampamento Manoel Ribeiro é resultado da ocupação de parte do território da antiga fazenda Santa Elina. Naquela propriedade, em 1995, 12 trabalhadores sem-terra foram assassinados pela PM, sob comando do coronel José Hélio Cysneiros Pachá.
Julgado e absolvido no episódio conhecido como "Massacre de Corumbiara", Pachá é hoje secretario de segurança pública do Estado de Rondônia.
Os abusos
No último dia 23, o Ministério Público de Rondônia apurou que o sargento Emerson Pereira de Arruda, do 3º batalhão de Vilhena (RO), coordenava o serviço de pistolagem na região, sendo responsável pela logística e recrutamento de um bando armado. Foram encontradas, sob posse de policiais, armas de fogo não registradas e munições.
Ainda de acordo com o MP, os policiais tentaram realizar reintegrações de posse na região sem qualquer mandado ou ordem judicial. Foram presos, além do sargento Arruda, os cabos Wagner Ferreira de Souza, Helson dos Santos Souza e o soldado Jander Nascimento de Oliveira, e dois empregados da fazenda, Eduardo do Carmo Martim e Antônio Marcos Pires.
Logo após as prisões dos policiais, segundo a ABRAPO, sob pressão dos fazendeiros locais, "foi montada uma mega operação policial na tentativa de fazer o criminoso despejo dos camponeses."
Em coletiva de imprensa, no dia 29 de março, o secretário Pachá afirmou que aguardava a expedição de mandado de busca e apreensão para dar início a reintegração de posse. Horas depois, a liminar de reintegração foi deferida, apesar das manifestações contrárias do Ministério Público.
Condições para reintegração
Os camponeses foram intimados a desocupar voluntariamente o terreno até 29 de junho de 2021. "Caso não haja um ponto de inflexão importante na curvatura da pandemia, essa data será alterada até que a medida possa ser cumprida com segurança sanitária", dizia a decisão judicial de reintegração.
Mesmo assim, o secretário Pachá anunciou à imprensa que a reintegração de posse seria feita “antes do prazo determinado pelo magistrado”.
"O que resta claro é que o Estado, ao invés de cumprir seu papel constitucional de efetivar as políticas agrárias e fundiárias e promoções de acesso a terra, substituiu o trabalho velado de pistolagem pela ação estatal oficial em favor de latifundiários grileiros de terras", diz nota da ABRAPO.
A Associação pede que o Ministério Público investigue possíveis crimes anunciados e praticados pelo governador Coronel Marcos José Rocha dos Santos, pelo secretário de segurança pública e pelos latifundiários que teriam contratado policiais para o serviço de pistolagem.
Conforme denúncias enviadas à ABRAPO, os pistoleiros se concentravam no “curral” da fazenda, estruturas que estavam sendo usadas como esconderijos e pontos de ataque contra as famílias acampadas. O local estaria sendo usado para armazenamento de armas.
"Conforme denúncias, a polícia montou um cerco ao acampamento, onde atacam os camponeses com gás lacrimogêneo e spray de pimenta, além de atirarem contra eles com balas de borracha, mantendo um helicóptero sobrevoando o acampamento. O que fazem é tortura psicológica contra trabalhadores que almejam apenas uma terra para plantar e sobreviver", completa o texto divulgado pela ABRAPO.
Dois camponeses presos no conflito com os policiais foram levados à Casa de Detenção em Vilhena, a 160 km de Corumbiara.
Em março deste ano, uma reportagem da Repórter Brasil detalhou outras tensões e confrontos entre policiais e integrantes da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) na região. A LCP é o principal movimento social pela reforma agrária do estado e coordena trinta acampamentos em Rondônia.
O Brasil de Fato entrou em contato com o governo estadual e a secretaria de segurança pública de Rondônia para responder aos questionamentos. O texto será atualizado assim que houver retorno.
Edição: Poliana Dallabrida