VACINAÇÃO

Proposta apresentada no Congresso pede prioridade para pobres na vacinação

PSB apresentou projeto que permite incluir e detalhar grupos prioritários pelo critério de renda familiar

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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A renda não é um dos critérios definidos pelo Ministério da Saúde, o que impede os municípios de usar este critério na vacinação - Miva Filho/Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco

E se as famílias mais pobres tivessem prioridade na fila de vacinação? É o que propõe o projeto de lei 70/2021, de autoria do deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) em parceria com outros integrantes da bancada do PSB, entre os quais o pernambucano Danilo Cabral.

O objetivo é acelerar a vacinação para as famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico do Governo Federal; as famílias cuja renda por pessoa seja de no máximo meio salário-mínimo (R$550); e as famílias cuja renda total da casa seja de até R$3.300.

O projeto se justifica a partir de publicações científicas. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, explicita que no Brasil a população negra corre risco 39% maior de morrer de covid-19 do que os brancos.

Uma publicação da revista Public Health relacionando fatores sociais, demográficos e a mortalidade por covid-19 em hospitais do Brasil demonstra que, entre os hospitalizados, negros têm maior taxa de mortalidade (42%) que brancos (37%). Segundo o IBGE os negros são 75,2% da camada com menor renda da população.

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O autor do PL, o deputado Birá do Pindaré (PSB-MA), defende que o Plano de Vacinação ignora outros critérios que elevam o contágio e mortalidade pela covid-19. “Ao priorizar os grupos de indivíduos com maior risco para complicações e óbito, ignora uma faceta social escancarada pelo coronavírus – a da desigualdade -, que impõe à parcela mais pobre da população efeitos mais graves da doença”, diz o deputado.

O PSB colocou este projeto entre as prioridades do partido. “Nossa proposta busca, portanto, assegurar o acesso preferencial à vacina àqueles que, por sua condição socioeconômica, estão mais expostos aos efeitos da pandemia”, afirma o pernambucano Danilo Cabral (PSB), líder do partido na Câmara.

Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o professor Pedro Miguel dos Santos, pesquisador de Planejamento de Políticas de Saúde e chefe do departamento de Saúde Coletiva da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirma que, como a renda não é um dos critérios definidos pelo Ministério da Saúde, os municípios não podem usá-lo na vacinação.

“Quando você estabelece uma norma federal no SUS, aquela norma tem que ser cumprida dentro daquelas diretrizes. Não pode decidir vacinar na faixa dos 60 anos só os vulneráveis. Se os grupos [idosos e baixa renda] estiverem incluídos no PNO, você pode fazer a discriminação. Mas se eles não estiverem, como não estão, não se pode fazer essa discriminação positiva”, diz Pedro Miguel.

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O Brasil de Fato Pernambuco questionou as secretarias de saúde de Pernambuco e do Recife sobre haver, dentro dos grupos prioritários, alguma atenção especial para populações de baixa renda. Mas nem a Secretaria Estadual de Saúde e nem a municipal responderam aos questionamentos do Brasil de Fato.

O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação (PNO) contra a covid- 19, do Ministério da Saúde, ordena 27 grupos prioritários de vacinação, somando 77,2 milhões de brasileiros – um terço da população. São indígenas, quilombolas, pessoas em situação de rua, detentos, profissionais de saúde, idosos, educadores, condutores de transporte público e outros. A chamada “prioridade especial” no PL 70/2021 não busca ampliar o grupo prioritário, mas detalhá-lo. Para que dentro do atual grupo prioritário, os profissionais de saúde e idosos que se enquadrem nos grupos social e economicamente mais vulneráveis sejam adiantados na fila, por exemplo.


Pesquisas mostram que a população negra hospitalizada por covid-19 tem, percentualmente, maiores chances de óbito / Secretaria de Saúde do RJ

Pedro Miguel lembra que a maior parte das vítimas da covid-19 no Brasil integram grupos social e economicamente vulneráveis. “Quem mais está morrendo no Brasil são os pobres e pretos, os excluídos de sempre. E nessa situação em que estados e municípios apontam para restrições de atividades comerciais, essas pessoas de baixa renda não conseguem ficar em casa, pela necessidade material”, lembra ele. “O ideal seria garantir uma renda mínima para as pessoas ficarem em casa, fazer um ‘lockdown’ geral, nacional, por 15 dias. Com a renda as pessoas não passariam fome ficando em casa. Seria o ideal. Mas isso não ocorreu em canto nenhum do Brasil, nada parecido com o que foi feito na Europa”, lamenta.

Para o professor e pesquisador de Planejamento de Políticas de Saúde, a lógica é que, se o poder público não está garantindo renda para essas famílias ficarem em casa, lhes obrigando a se expor mesmo durante os períodos de restrição de circulação, que ao menos o poder público garanta prioridade para essas pessoas na fila de vacinação. Deste modo, reduziria a superlotação de UTIs e as mortes. “Acho o projeto bom. Atende a uma necessidade social e epidemiológica e que encontra respaldo na ciência. São as pessoas mais vulneráveis que se expõem mais, os locais de moradia normalmente são mais aglomerados”, diz ele sobre o PL 70/2021.

No entanto, Pedro Miguel se mostra pessimista. “Honestamente não acredito que o projeto passa nesse Congresso. Os setores progressistas até pensam no coletivo, mas o Congresso está num movimento contrário, de permitir que a iniciativa privada compre vacina. Se uma megaempresa privada compra vacinas, mesmo que ela doe uma parte ao SUS, ela vai tirar vacinas que seriam de grupos prioritários e vai faltar vacina para o SUS. A prioridade na fila de vacinação não é ser desta ou daquela empresa, mas ser grupo de risco. Eles querem uma forma de furar fila”, avalia o pesquisador.

Ministério Público se queixa sobre novos grupos

Nos últimos dias a Prefeitura do Recife anunciou a inclusão, nos grupos de vacinação, de cirurgiões dentistas e de estudantes da área de saúde que atuam em serviços de urgência e emergência ou nas UTIs e enfermarias destinadas a pacientes com covid-19. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) emitiu nota afirmando que as prefeituras “não devem incluir na fase atual da vacinação profissionais de saúde que não tenham contato físico direto com o paciente, seja por exercerem atividade meramente acadêmica ou administrativa, seja por se encontrarem afastados do serviço presencial em razão de aposentadoria ou teletrabalho”, diz a nota enviada à imprensa.

O MPPE menciona recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que a erradicação da transmissão do vírus exige pelo menos 95% de cobertura vacinal. Segundo a prefeitura, 82% dos idosos acima dos 64 anos que vivem na capital pernambucana já tomaram a 1ª dose. “O momento requer otimização dos recursos disponíveis para a contenção da pandemia, em especial as vacinas. Por isso não podemos permitir que outros grupos sejam imunizados”, disse o promotor de Justiça Édipo Soares, que coordena um centro de apoio às promotorias de justiça no tema da saúde.

Professores e assistentes sociais

A Câmara Federal aprovou emenda do deputado pernambucano Danilo Cabral (PSB) ao projeto de lei 1.011/2021. A emenda inclui entre os grupos prioritários de vacinação os profissionais da educação básica e da assistência social (SUAS). O PL 1.011/2021 ainda será apreciado pelo Senado e pode sofrer alterações. Atualmente os trabalhadores da educação estão na 17ª posição entre as prioridades no PNO, enquanto os trabalhadores do SUAS não estão nos grupos prioritários.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga