Por Fernando Mendonça Heck*
Desde o final de 2020, o governo do estado de São Paulo já está anunciando suas intenções de reabertura para o ensino presencial sem inserir critérios de vacinação para estudantes e trabalhadores(as), independente do estágio em que se encontre a cidade no Plano São Paulo.
Argumenta que a reabertura está pautada em experiências internacionais e nacionais, além de apontar para o estado socioemocional dos estudantes como elementos que embasariam a necessidade do retorno.
Para isso, montou-se um protocolo para o retorno presencial em que inúmeras iniciativas deveriam ser tomadas pelas escolas. Porém, qualquer observador atento ao estado de sucateamento da escola pública durante mais de trinta anos de gestões tucanas-neoliberais sabe que tais protocolos são incompatíveis com a realidade.
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Reagindo à proposta de retorno presencial, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) deflagrou a greve sanitária em defesa da vida e adentrou na esfera da batalha judicial contra o governo estadual.
Entretanto, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJ-SP) derrubou liminar anteriormente concedida em favor do sindicato, basicamente reconhecendo que o governo estadual está tomando todas as cautelas necessárias para o retorno.
Nesta mesma decisão judicial, a Secretaria de Estado da Educação apontava que cerca de 1,7 mil escolas estaduais em 314 municípios haviam retomado com as atividades presenciais desde setembro de 2020, e que não havia nenhum caso de transmissão de covid-19 registrado nestas unidades. A decisão judicial ocorreu no final de janeiro de 2021.
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Entretanto, esse argumento do governo estadual de que haveria segurança para o retorno presencial se demonstrou, na prática, uma falácia. A APEOESP passou a registrar o número de casos da covid-19 em pessoas que trabalharam presencialmente nas escolas desde o início da greve.
Mesmo com o retorno de turmas parciais, foram contabilizados 2339 casos com 59 óbitos em 1070 escolas do estado de São Paulo entre estudantes, professores e funcionários em pouco mais de um mês.
A situação é agravada, pois há relatos de educadores e educadoras demonstrando a realidade concreta das escolas: há muitas dificuldades em fazer com que a comunidade escolar siga os protocolos de segurança, muitas salas de aula são pequenas e não é possível manter 1,5 metros de distanciamento, nem sempre existem todos os insumos disponíveis para higienização correta dos espaços ou estes são de baixa qualidade.
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Também há casos de contato com algum membro da comunidade escolar que pode ter, na sua família, pessoas contaminadas, e que continue frequentando o ambiente escolar.
Diante dessa situação, foi importante o reconhecimento no mês de março, por parte da 9ª Vara da Fazenda Pública, de proibir a convocação de professores para atividades presenciais em escolas públicas e privadas nos munícipios de fase vermelha e laranja no Plano São Paulo.
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Essa decisão judicial também reverberou em termos políticos, pois o judiciário reconheceu a pauta de luta dos sindicatos de trabalhadores(as) da educação impondo derrota política para o governo estadual.
Sabemos da importância do papel da escola para o desenvolvimento emocional e intelectual de crianças e jovens. Compreendemos as dificuldades que as famílias estão passando com a falta da escola para os seus filhos e com o ensino à distância que não se assemelha em nada com a qualidade de uma aula presencial. Também queremos voltar aos nosso trabalho, conviver com os estudantes, dialogar numa sala de aula real e sair da frente da tela de computador que intensificou ainda mais o trabalho docente.
Mas, para isso, precisamos de ação política que envolva o retorno verdadeiramente seguro e com vacina para os(as) trabalhadores(as) da educação.
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Neste sentido, foram duas as sinalizações recentes que governo estadual se sentiu obrigado a fazer: 1) antecipação do recesso escolar; 2) anúncio da vacinação para trabalhadores(as) da educação.
Mesmo que o governo do estado não admita, esse reconhecimento só se deu em virtude da greve sanitária e o fracasso da reabertura das escolas. Trata-se, portanto, de uma vitória da mobilização dos(as) trabalhadores(as) da educação.
Mas ainda há muito por fazer, pois o anúncio do governo estadual não abrange todas as faixas etárias e, só depois de cobranças, como é o caso da rede federal de ensino, existe a promessa de contemplar trabalhadores(as) dos Institutos Federais dentre os profissionais da educação a serem vacinados.
Por fim, cabe destacar que a realidade concreta demonstrou que a reabertura das escolas no momento mais grave da pandemia deu errado e, portanto, foi fundamental a greve sanitária em defesa da vida.
O recuo da gestão Doria é produto das lutas da greve e é preciso que continuemos a defender no plano imediato a vacina para todos(as), retorno às aulas presenciais só com o controle da pandemia, melhoria nas condições estruturais para a realização de atividades remotas e manutenção do auxílio emergencial.
Também, nunca é demais lembrar: aprendizagem se recupera, vidas não!
*Fernando Mendonça Heck, professor do Instituto Federal de São Paulo, militante da Consulta Popular e integrante do coletivo Educadoras e Educadores do Projeto Popular
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Poliana Dallabrida